Quem quer ser cúmplice de Bolsonaro?

Foto: Marcos Corrêa/PR

Eu gostaria que todos voltassem a trabalhar, mas quem decide isso não sou eu, são os governadores e prefeitos.

Eis a mais recente canalhice proferida pelo presidente Jair Bolsonaro, hoje mesmo, 1º de maio. Um deboche brutal com os trabalhadores e uma provocação criminosa aos governadores e prefeitos.

A brutalidade do deboche decorre do fato de que muitos trabalhadores estão desesperados para trabalhar, mesmo sabendo que sair às ruas significa aumentar, para si e para a família, o risco de contaminação e morte, além de contribuir para o espalhamento do vírus e o consequente aumento no número de internações e mortes da população em geral – tendo em vista que o sistema de saúde está colapsando em muitas cidades. Esse desespero é decorrência da omissão criminosa do governo federal, cuja demora e burocracia para disponibilizar o baixo valor de R$ 600 mensais à população é gritante. (Nunca é demais lembrar: para os bancos, cujos donos, ao que consta, não estão tão necessitados assim, foram liberados R$ 1,2 trilhão ainda em março.) Some-se à omissão o incentivo explícito que Bolsonaro tem dado para que as pessoas saiam às ruas para trabalhar, escondendo que é obrigação do governo injetar dinheiro na economia durante uma situação catastrófica dessas, e temos um escárnio frio, monstruoso. O deboche é ainda mais cruel porque feito exatamente no dia do trabalhador.

A provocação aos governadores e prefeitos é criminosa porque joga a bomba no colo destes. O empresariado das cidades costuma ter força política e, portanto, poder de pressão sobre os governantes. Ao defender o fim do isolamento e não apresentar qualquer plano de ajuda financeira às empresas de pequeno e médio porte, Bolsonaro joga os empresariados locais contra os prefeitos e governadores, provocando uma tensão política que está resultando, em muitos lugares, na reabertura dos comércios e indústrias não essenciais. Os próprios trabalhadores, como dito no parágrafo anterior, querem voltar a trabalhar pois estão completamente desassistidos.

Esse movimento de reabertura é uma espécie de suicídio coletivo pois acontece exatamente quando a curva de mortes no Brasil começa a subir a ladeira(!):

Gráfico: Financial Times

Outros países bastante atingidos pela pandemia, como França e Espanha, somente agora, com sua curva de mortes em flagrante declínio, estão começando uma reabertura – ainda assim, extremamente cautelosa, pois tudo indica que não será possível uma simples volta à “normalidade” de antes da covid-19.

Governadores e prefeitos que tomaram medidas bastante rígidas não achataram a curva.

Bolsonaro proferiu a mentira acima ontem (30). A data do pico da epidemia vem sendo adiada nas previsões dos pesquisadores muito provavelmente por conta das medidas adotadas. Se o presidente do país não fosse um psicopata e não trabalhasse contra as medidas, talvez elas fossem ainda mais efetivas.

É evidente que o isolamento social é a medida mais adequada diante da pandemia por conta do simples fato de que, se não for feito, não há sistema de saúde no mundo que garanta o alto número de atendimentos decorrentes de uma explosão rápida dos casos. Bolsonaro por certo sabe disso, mas parece preferir que mais pessoas morram se este for o preço a se pagar para que se mantenha o clima de guerra política que excita suas hostes e lhe garante o inacreditável discurso de político antissistema.

Se a lógica comezinha não basta, pegue-se os exemplos de Blumenau e da Argentina. A cidade brasileira reabriu o comércio e viu os casos confirmados dispararem 173%. O país vizinho, que vem aplicando medidas de isolamento social duras sob o comando de Alberto Fernandez, “rival ideológico” de Bolsonaro, registrava 2 mortes por Covid-19 no dia 17 de março, enquanto o Brasil registrava 1 morte. Hoje, 1º de maio, o Brasil contabiliza 6.329 mortos e a Argentina, 220. Ou seja: temos 28 vezes mais óbitos do que os hermanos, enquanto nossa população é apenas 5 vezes maior.

Ainda assim, o ministro da economia Paulo Guedes teve a pachorra de falar, há alguns dias, que “nós não queremos virar Argentina, nós não queremos virar a Venezuela. Estamos em outro caminho, estamos no caminho da prosperidade, e não no caminho do desespero”. Quão insana é uma declaração dessas, neste momento? A realidade interessa muito, mas muito menos aos integrantes do governo Bolsonaro do que sua paranoia antiesquerdista rasteira. E este é o cara “racional” do governo, dizem…

Gilmar Mendes disse esses tempos que o presidente não está autorizado pela Constituição a adotar uma política pública genocida mas, bem, ele o está fazendo. Seu discurso, suas omissões e suas práticas estão conduzindo o país a um morticínio sem precedentes – e evitável.

Diante disso, aqueles que têm poder para desencadear os mecanismos legais que podem afastá-lo do cargo e não agem nesse sentido são nada menos do que cúmplices. Há, evidentemente, consideráveis empecilhos para a queda de Bolsonaro: a força política do presidente, os ritos processuais, a dificuldade de que um afastamento seja efetivado em pouco tempo. No entanto, a situação é grave demais. É preciso usar todas as armas para que se atinja este fim o mais brevemente possível.

Estamos em guerra. Os protocolos habituais precisam ser atropelados, se necessário, no combate ao inimigo – no caso, o governante que auxilia o vírus a se espalhar.

Rodrigo Maia, Augusto Aras, David Alcolumbre, os ministros do STF, as entidades que podem apresentar pedidos de impeachment, órgãos de imprensa e seu poder de pressão, todos que não fazem o que está a seu alcance terão sua justa cota parte na divisão das responsabilidades pela tragédia humanitária que estamos vivendo.

Chamar as coisas pelo nome é um bom começo para aumentar a pressão sobre Bolsonaro: o que está acontecendo é um genocídio frio e premeditado, cometido pelo presidente da República e seus asseclas.

Muito tempo foi perdido, mas ainda é possível salvar milhares vidas. Se há ainda algum brio por baixo dos ternos e gravatas caros, esta é a hora de deixá-lo falar.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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