Eleição em São Paulo enterra tese de que a classe média é sempre “reacionária”

O cenário em São Paulo iniciou um processo de consolidação, segundo a pesquisa Datafolha divulgada hoje, com entrevistas realizadas entre os dias 9 e 10 de novembro.

Bruno Covas ampliou ainda mais a sua liderança, num sinal de que o voto conservador decidiu se concentrar nele. Russomano continua caindo, e apesar da mesma pesquisa indicar que seu espólio seria mais ou menos dividido entre Covas e França, apenas o tucano, por enquanto, está recebendo seus votos.

Boulos se fortaleceu com a migração dos votos de Jilmar Tatto. O petista chegou a 6% na semana passada, e agora voltou a 4%. O movimento nas redes sociais petistas em favor de Boulos tem ignorado a orientação partidária. Os 2% que Tatto perdeu foram para Boulos, que subiu para 16%, e com isso voltou a se descolar de França.

Com isso, Boulos superou um momento perigoso de sua campanha, que foi o risco de ser ultrapassado por França e perder o argumento do “voto útil”, o qual passaria a pender para o candidato do PSB.

A campanha de Boulos, muito ativa nas redes, fez duros ataques a Marcio França, com objetivo de evitar qualquer crescimento do socialista junto ao eleitorado progressista. E conseguiu manter França na defensiva e ainda lhe arrancou um ponto.

O desafio de Boulos agora é furar a bolha e conquistar o voto não-ideológico das periferias e famílias de baixa renda, onde ele ainda está em quarto lugar, com 8% das intenções de voto, contra 12% de Marcio França e 15% de Russomano. É aí que Tatto, com 7% nas famílias de baixa renda, ainda pode lhe ajudar mais.

França, bloqueado à esquerda pelas agressivas campanhas de Boulos e PT, ainda tem esperança, todavia, de receber uma parte do eleitorado de Russomano, e pode ainda catar um pouco de votos mais à direita (absorvendo algum eleitor de Joyce ou Arthur). Se conseguir atravessar esse momento difícil até as últimas pesquisas, a serem divulgadas sexta e sábado, o ex-governador pode surpreender e voltar a aparecer como “voto útil”.

Caso contrário, sua última esperança será a repetição do que aconteceu em 2018, quando recebeu o voto do eleitor silencioso, aquele que não aparece em pesquisa, seja porque não é ouvido, seja porque não conta a verdade, seja porque muda de opinião (ou se decide) em cima da hora.

Boulos tem a vantagem de ter um eleitorado jovem e entusiasmado, entre o qual haverá seguramente muito menos abstenção do que em outros extratos, e isso pode fazer a diferença na urna, fazendo com que o candidato tenha mais votos válidos do que aparece na pesquisa.

A rejeição de Boulos é mais baixa do que se poderia prever, em função de seu perfil, mais ideológico, diante de uma cidade tão conservadora como São Paulo, ou pelo menos com essa fama. O famoso “antipetismo”, supostamente tão forte na cidade, não colou em Boulos. Isso se deve a duas razões. A própria presença de um candidato petista no pleito, Jilmar Tatto, que recebeu os apoios explícitos de Lula, parece ter absorvido o antipetismo mais duro. Tatto tem 23% de rejeição, o que não seria alto se ele não fosse tão desconhecido, e com apenas 4% de intenção de voto. Entretanto, a rejeição a Boulos subiu para 43% entre famílias com renda superior a 10 salários, e isso já se deve atribuir, em parte, ao que se conveniou chamar de antipetismo.

Ao mesmo tempo, o excelemente posicionamento de Boulos junto à classe média paulistana prova algumas teses que defendemos há tempos, aqui no blog. Uma delas, é a que esses extratos, ao contrário do que pregam algumas narrativas simplórias, nunca estiveram inteiramente vendidos ao reacionarismo político. O que houve foi a tentativa, um bocado oportunista, de explicar  a rejeição ao PT na classe média como uma virada à direita de toda uma classe social. Daí se concluiu que a classe média brasileira era reacionária, fascista, escravocrata. Essa tese cai por terra com a força de Boulos justamente nesses extratos, e ainda por cima em São Paulo, maior cidade brasileira.

Se um ativista assumidamente de ultraesquerda, como Boulos, consegue conquistar 30% da classe média paulistana, me parece óbvio que um outro candidato, um pouco mais moderado, avançaria muito mais. E se a esquerda tem condição de assumir a hegemonia na classe média em São Paulo, não deve enfrentar maiores obstáculos em qualquer outra cidade brasileira.

A outra tese é correlata: a força de Boulos na classe média lhe deu oportunidade de fazer uma campanha incrível nas redes sociais, pela simples razão de que quase todos seus eleitores se tornaram, virtualmente, cabos eleitorais. Essa é a principal vantagem – e importância estratégica – de se ter um eleitorado de classe média. A classe média é o mais poderoso cabo eleitoral de qualquer candidato.

Os cenários de segundo turno mostram, por sua vez, uma consolidação expressiva de Bruno Covas, que agora ganha de todos seus concorrentes com larga vantagem, de 20 a 30 pontos. Covas ganha de Boulos, num eventual segundo turno, com vantagem de 26 pontos, de França, com vantagem de 19 pontos, e de Russomano, com vantagem de… 34 pontos!

Naturalmente, a dinâmica de um eventual segundo turno seria outra, e não duvido que tanto Boulos quanto França teriam condições de reduzir drasticamente a diferença e até mesmo ganhar. Mas que é difícil é!

O gráfico abaixo, que mostra o grau de decisão do eleitor quanto a seu candidato, é outro sinal de que o cenário começa a se consolidar. Mas Russomano ainda pode cair mais, e a disputa entre Boulos e França em torno da vaga no segundo turno, não está concluída. Boulos pode absorver ainda mais os votos de Jilmar Tatto e, eventualmente, convencer algum eleitor de França a lhe dar um voto útil. França, por sua vez, pode receber votos do eleitor de Russomano, recuperar algum vigor na reta final, e torcer pelo voto silencioso das periferias.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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