Caio Barros: Baleia, a batalha e a guerra

Por Caio Barros

Todos conhecem a frase do general prussiano Clausewitz que diz que “a guerra é continuação da política por outros meios”. Isso quer dizer que tanto na política quanto na guerra a disputa pelo poder resulta em vencedores e perdedores.

A diferença é que, na política em geral e na democracia em particular, existe um conjunto de regras, aceitas pelas partes, que garante que essas disputas serão pacíficas, que os perdedores não serão aniquilados pelos vencedores e que os perdedores de hoje poderão disputar o poder amanhã e vencer.

Na guerra, a violência e a tentativa de aniquilação do inimigo prevalecem. Assim, muitas vezes o termo “guerra política” pode soar contraditório, já que a guerra só existe se a política falhar.

Não que estejamos literalmente em guerra. Mas precisamos de estratégia para vencer uma política extremamente violenta, que aceita as regras do jogo democrático por conveniência.

Hoje, dois anos após uma legítima vitória eleitoral, todos sabemos quem Bolsonaro é. Se cínicos ainda acreditavam que, como disse Paulo Guedes, “poderiam domar o animal”, com o desastre da gestão na pandemia, não restam dúvidas de que se trata de um líder autoritário, incompetente e perigoso.

As declarações, omissões e crimes cometidos no auge da maior crise sanitária da história, que resultaram na morte de mais 200 mil brasileiros, mostraram primeiramente para a esquerda e depois para setores de centro e da direita que Bolsonaro precisa ser impedido.

Nesse sentido, a guerra a Bolsonaro já foi declarada, mas ainda não ultrapassou as muralhas do twitter.


O impedimento passa necessariamente pelo Poder Legislativo e principalmente pelo presidente da Câmara dos Deputados que tem a prerrogativa de pautar ou de arquivar o processo. Recentemente Rodrigo Maia vem sendo muito cobrado e criticado por não ter pautado o processo antes, já que somam 60 os pedidos pendentes de sua análise.

No meu entendimento, Maia agiu como um estadista. Em primeiro lugar, era necessário garantir ao povo brasileiro uma série de leis que lhe assegurassem uma travessia menos dolorosa nesse momento.

É preciso reconhecer que o parlamento brasileiro, pioneiro na formatação de sessões remotas, trabalhou bastante no período mais crítico da pandemia. O processo de impeachment é uma verdadeira “guerra política” do Poder Legislativo contra o Poder Executivo e tende a travar toda a agenda legislativa, que fica dominada por essa disputa.

Assim, dificilmente haveria auxílio emergencial, PEC de orçamento de guerra e votação de medidas provisórias do governo se Maia tivesse aceito o pedido.


Além disso, há dois argumentos ainda mais fortes. Em primeiro lugar, Bolsonaro se esquivaria de sua responsabilidade constitucional muito mais facilmente e iria alegar perseguição e tentativa golpe. Segundo, e mais importante: trata-se sobretudo de uma questão material, física, relacionada ao apoio político que Bolsonaro soube amealhar ao longo do ano passado.

A popularidade do presidente tende a repercutir proporcionalmente em apoio dos deputados, já que o deputado, pensando sempre em sua reprodução eleitoral, dificilmente vai votar contra os interesses da base que o elegeu. Bolsonaro, com 1 ano de atraso, montou sua base.

Assim, nunca houve clima social e votos suficientes de deputados para a abertura do processo. Começar uma guerra contra um inimigo muito mais poderoso é suicídio. Bolsonaro poderia sair muito mais poderoso do processo e com apoio popular ainda maior.

Maia já está de saída da presidência da Câmara e só agora os erros de Bolsonaro na gestão da pandemia começam a ser mais efetivamente explorados por vários espectros políticos. Mais safo que Dilma, Bolsonaro anteviu a vulnerabilidade que um legislativo hostil pode representar e, por isso, montou sua base sob a liderança de seu candidato à presidência da casa, Arthur Lira.

Lira é conhecido por empenhar sua palavra e, se vencer, não há qualquer chance de pautar o impeachment. Maia quer fazer de Baleia Rossi seu sucessor e ambos costuraram uma ampla aliança, com mais de onze partidos, para enfrentarem o candidato de Bolsonaro naquela que será a batalha mais importante da guerra contra o presidente.

Baleia, presidente do MDB, é um político de centro direita, liberal na economia, que quase sempre vota com o governo na agenda econômica. Porém trata-se de um democrata sem qualquer compromisso com Bolsonaro e isso é a única informação relevante para aqueles que enxergam no impeachment a grande chance de derrotar (ou destruir) o presidente.

Baleia não prometeu pautar o impeachment, mas também não tem compromisso em não pautar. A eleição de Baleia significará apenas que a guerra contra Bolsonaro poderá continuar para fora dos limites das redes. Com o início da vacinação, a incompetência de Bolsonaro ficou escancarada para mais pessoas.

Além disso, protestos de rua poderão mobilizar a sociedade, fragilizando o governo. A exploração efetiva das vulnerabilidades de um governo cada vez mais fraco é uma condição para que o impeachment comece a ser considerado por mais setores da sociedade e, consequentemente, por mais deputados.

Sob pressão dos partidos e da sociedade e dispondo de maior simetria na correlação de forças, Baleia poderia iniciar o processo em um contexto favorável.

O resultado de uma guerra é a soma dos resultados de diversas batalhas. A vitória na batalha para a presidência da Câmara é a mais crucial se quisermos derrubar Bolsonaro, já que se trata de um alicerce fundamental para a sustentação do que resta de seu governo. A outra chance será apenas em 22. Esperar o inimigo recobrar as forças, é um risco que não podemos correr.

Caio Barros é servidor público federal, formado em Relações Internacionais e mestre em Poder Legislativo pelo Centro de Formação da Câmara dos Deputados

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