Limites partidários da Frente Ampla dirigida pela esquerda

Por Theófilo Rodrigues

Não há quem no mundo da política já não tenha ouvido algo sobre a construção de uma Frente Ampla contra a reeleição do presidente Jair Bolsonaro em 2022. Em geral, essa é uma formulação que parte de partidos da esquerda do espectro político como PT, PCdoB, PSB ou PDT. O problema é que esse consenso em torno da Frente Ampla na esquerda vai até a página 2. Como a Frente Ampla é um significante vazio, cada ator ou atriz na cena política estabelece seus próprios critérios sobre quais seriam os elos a serem articulados nessa cadeia de equivalência.

O que todos têm em comum em suas cabeças quando pensam em uma Frente Ampla é a necessidade da esquerda conquistar setores do centro ou mesmo da direita para esse projeto. A pergunta que fica é: no sistema partidário, quais legendas seriam essas que estariam dispostas a serem conquistadas para uma candidatura de oposição ao governo Bolsonaro?

Analisemos o chamado Centrão primeiro. Partidos como PP, PSC, PL, PTB, PRTB, Patriota, PMB, Avante e PRB já expressaram em diversas ocasiões que apoiarão a reeleição de Bolsonaro. Ciro Nogueira, presidente do PP, já declarou publicamente que gostaria que o vice de Bolsonaro em 2022 fosse de seu partido. Ligado à Assembleia de Deus, o PSC, partido do governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, já deixou claro que é ideologicamente próximo do presidente. O partido tem até o vice-líder do governo na Câmara, o deputado Otoni de Paula. Presidido por Roberto Jefferson, o PTB inclusive já convidou Bolsonaro a ser candidato à reeleição pelo partido. O mesmo convite também já foi feito pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e pelo Partido Patriota. O PRTB é o partido do vice-presidente Hamilton Mourão, que já se apresentou à disposição para a reeleição. Já o PRB, com fortes vínculos com a Igreja Universal do Reino de Deus, é a legenda em que estão filiados os filhos de Bolsonaro.

Na chamada direita tradicional – PSDB, DEM e MDB – ninguém espera uma aliança com a esquerda. Tudo indica que o PSDB terá uma candidatura própria, que hoje está sendo disputada pelo governador de São Paulo, João Dória, e pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. O DEM, com a saída de Rodrigo Maia, caminhou ainda mais para a direita, além de ocupar importantes postos no governo Bolsonaro. Já o MDB, que é presidido pelo deputado Baleia Rossi, tende a seguir com o PSDB. Ademais, seria no mínimo surpreendente se o partido de Michel Temer apoiasse a esquerda após o impeachment de 2016.

Por razões óbvias, partidos de extrema-direita como PSL e Novo não devem nem ser discutidos.

Nesse cenário, para a construção da Frente Ampla liderada pela esquerda restam apenas três legendas do Centrão – SDD, PROS e PSD – e quatro legendas do centro – REDE, PV, Cidadania e Podemos.

No centro, a REDE e o PV têm demonstrado simpatia pela candidatura presidencial de Ciro Gomes (PDT). Ao mesmo tempo, esses partidos indicam que não aprovariam aliança com o PT em 2022. O Cidadania parece querer esperar até o último minuto pela candidatura do apresentador Luciano Huck. A história recente nos sugere, no entanto, que num cenário sem Huck o Cidadania esteja mais próximo da candidatura da direita tradicional. Já o Podemos tem feito de tudo para que Sergio Moro seja o seu candidato, hipótese cada vez mais distante desde o vazamento das polêmicas gravações do ex-juiz com os integrantes do Ministério Público Federal.

No Centrão, há partidos que apoiam a agenda de Bolsonaro no Congresso e ocupam cargos no governo federal, mas que possuem discursos de independência em alguns momentos. É o caso de PSD, SDD e PROS. Presidido por Gilberto Kassab, o PSD é o partido do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que tem sido um crítico feroz da gestão da pandemia que o governo Bolsonaro tem feito. Alguns apontam que o PSD poderia ser um partido aliado da candidatura de Ciro Gomes. Por outra via, o PROS foi o único partido que apoiou a candidatura presidencial do PT em 2018, além do PCdoB. Contudo, suas lideranças regionais como os deputados federais Clarissa Garotinho do Rio de Janeiro e Capitão Wagner do Ceará estão cada vez mais próximas do governo Bolsonaro. Já o SDD, ligado à Força Sindical, é um partido que enfrenta uma contradição: embora queira participar do governo Bolsonaro, percebe parte de sua base sindical insatisfeita com a agenda neoliberal de Bolsonaro. Ou seja, os três partidos são os únicos do Centrão que parecem apresentar chances, ainda que mínimas, para uma participação em Frente Ampla com a esquerda. Mas dificilmente sob a liderança do PT…

Na esquerda, como já foi dito, Ciro Gomes não abre mão de ser candidato presidencial do PDT com os apoios de REDE e PV. O PSB, que até alguns meses atrás parecia ser o principal aliado de Ciro, agora já fala abertamente em abrir o partido para uma candidatura outsider como a de Luciano Huck ou mesmo apoiar Lula. Do outro lado, o PT também não cederá a cabeça de chapa, ainda mais com a possibilidade do ex-presidente Lula ser o candidato. O PCdoB ainda não tem uma posição oficial, mas o partido apoiou o PT em todas as eleições presidenciais da Nova República entre 1989 e 2018. Além disso, o próprio governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), já declarou para a imprensa que se Lula for candidato o apoiará. Até mesmo no PSOL tendências lulistas começam a crescer. Principal prefeito eleito pelo partido, Edmilson Rodrigues já pede publicamente que Lula “lidere a esquerda brasileira”, enquanto Marcelo Freixo, deputado federal do PSOL, diz que Lula é “fundamental” para a construção do projeto da oposição. Com efeito, a tendência hoje é a de que a única possibilidade do PT não ter uma candidatura puro sangue em 2022 é se Lula for o candidato.

O PCdoB tem sido a principal voz em defesa de uma unidade entre essas duas candidaturas, as de Lula e Ciro. Mas a realidade sugere que essa unidade em torno de uma Frente Ampla única liderada pela esquerda seja cada vez mais improvável.

Em síntese, o que se percebe é que uma Frente Ampla de partidos liderada pela esquerda não será tão ampla assim. Isso pode mudar nos próximos 15 meses? Certamente pode. Mas o cenário de hoje não é alvissareiro para os que defendem uma larga coligação anti-Bolsonaro já no primeiro turno da eleição de 2022. O mais provável é que essa Frente Ampla de partidos só se realize no segundo turno da eleição, o que já será uma grande novidade, na medida em que isso não ocorreu em 2018. Se por cima, pela via partidária, o caminho parece ser de muitos obstáculos, talvez seja o caso da Frente Ampla ser construída por baixo, pela via da sociedade civil.

Theófilo Rodrigues é cientista político.

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