Datafolha: Bolsonaro se torna o terror dos pobres

A grande novidade da última pesquisa Datafolha, com números da aprovação do governo, foi um movimento brusco de deterioração do prestígio do presidente junto às famílias de baixa renda. 

O percentual de entrevistados que declarou o governo como ruim e péssimo subiu para 54%, recorde desde o início da nova gestão. A nota positiva também chegou ao mínimo histórico, 21%. 

Bolsonaro nunca foi popular entre os mais pobres, mas sua rejeição não era alta, possivelmente em virtude de uma certa “timidez” e “paciência” das camadas mais vulneráveis da população. Esses segmentos costumam não se abrir tão fácil com institutos de pesquisa, talvez desconfiadas sobre o sigilo de sua opinião. Além disso, elas tendem a dar mais tempo e oportunidade para uma administração mostrar serviço, conforme já se mostrou em algumas pesquisas.  

Mas há limites para a timidez e a paciência, e os movimentos do humor popular costumam ser bem mais sólidos e duradouros do que da classe média. As famílias pobres não tem tempo ou dinheiro para ficar navegando o dia inteiro pela internet, e também por isso seu voto é mais difícil de conquistar – ou de perder. 

Essa é, aliás, a grande dificuldade da terceira via. Um candidato como Ciro Gomes, por exemplo, conseguiu penetrar na classe média em 2018, e construir, até hoje, um núcleo de eleitores neste segmento. Mas não chegou às famílias de baixa renda, que formam a maioria do eleitorado. Segundo o próprio Datafolha, as famílias com renda até 2 salários correspondem a quase 60% do eleitorado brasileiro. 

Bolsonaro vai mal em todas as faixas de renda, é bom ressaltar, e não apenas entre os mais pobres. 

Entre famílias com renda de 2 a 5 salários, que correspondem a 31% do eleitorado, o governo Bolsonaro é considerado ruim ou péssimo por 47% dos entrevistados, recorde desde o início da gestão.

Na chamada “classe média brasileira”, que é como se convencionou chamar os setores sociais com níveis de renda e instrução muito superiores aos da média nacional, que vivem nos bairros nobres e detêm empregos de melhor qualidade, Bolsonaro também enfrenta forte rejeição. 

O setor mais expressivo dessa classe média é aquele com renda familiar entre 5 e 10 salários, que corresponde a 8% do eleitorado. Este foi o único segmento onde Bolsonaro conseguiu mostrar recuperação, apesar de sua rejeição ainda ser maior que a aprovação. O percentual de ruim e péssimo nessa faixa caiu de 47% para 41%, e o bom e ótimo subiu de 29% para 34%. O núcleo duro do eleitorado de bolsonaro parece estar concentrado nessa faixa. 

Por faixa de instrução, que é também um importante termômetro para avaliarmos o prestígio do governo, a situação de Bolsonaro é péssima. 

O que chama mais atenção é o derretimento da aprovação do governo junto aos eleitores com até o ensino médio, que correspondem a maioria do eleitorado (46%, segundo o Datafolha).  Entre eleitores com ensino médio, a rejeição a Bolsonaro  bateu um recorde de 49%, ao passou que sua aprovação estacionou no mínimo de 24%. Esse extrato do eleitorado é obviamente estratégico para qualquer candidato ou força política, porque ele é ao mesmo tempo maioria numérica e hegemônico na política, por ter um nível melhor de instrução, o que lhe permite participar mais ativamente das batalhas políticas. 

Um terço do eleitorado brasileiro ainda tem nível de instrução até o nível fundamental, e junto a esse segmento também se vê um vigoroso movimento de deterioração do prestígio do governo Bolsonaro. Segundo o Datafolha, o governo tem hoje 49% de ruim e péssimo junto a esse segmento menos instruído e apenas 21% de ótimo e bom. Esse segmento é difícil de conquistar, e tem sido o mais atingido pela inflação dos alimentos e da energia. 

Por fim, vale registrar que Bolsonaro continua fortemente reprovado junto aos eleitores com nível superior, que corresspondem a cerca de 21% do eleitorado. Segundo o Datafolha, 54% desses eleitores reprovam o governo, enquanto apenas 24% do aprovam. 

Conclusão

A deterioração do prestígio de um governo, quando puxada por todas as faixas de renda e de instrução, torna-se um movimento irresistível. Quando a rejeição é concentrada numa faixa, como apenas entre mais pobres, ou apenas na classe média, ainda é possível, em tese, algum tipo de operação política para reverter o processo. 

Não é o caso de Bolsonaro. Sua rejeição dura na classe média neutraliza as operações de rede social, com amplo uso de fake news, como vimos em 2018. E a imagem cada vez pior que tem entre os mais pobres é o que está produzindo mais danos nas pesquisas de intenção de voto. 

A deterioração entre as classes mais instruídas, por sua vez, remove as barreira de proteção que Bolsonaro ainda poderia ter entre alguns estamentos importantes, como judiciário e empresariado. 

A julgar por esses números, Bolsonaro iniciou uma jornada sem volta na direção de seu próprio abismo. Se esse movimento será suficiente para embasar um processo de impeachment, não dá para saber. Mas já é o bastante para dar ao governo uma forte energia antigravitacional, ou seja, para pressionar as forças políticas a se afastarem do governo, como tática de sobrevivência.

 

 

 

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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