Acidente na Linha 6 é retrato da miséria na construção civil brasileira pós-Lava Jato

São três os principais culpados pelo acidente no metrô de São Paulo – que rompeu uma tubulação de esgoto, destruiu possivelmente anos de trabalho, e atrasou ainda mais uma obra essencial para a mobilidade urbana na maior cidade do país:

1) O governo de São Paulo, em primeiro lugar, que tem a obrigação de fiscalizar. E não o fez. Não é perdoável que os responsáveis do governo não soubessem que havia uma tubulação de esgoto da Sabesp ao lado da obra. A Sabesp não tem um mapa de suas tubulações?
2) A empresa que toca a obra, em segundo; cometeu um erro estúpido, imperdoável, cujas consequências estão sendo sentidas pela população paulista.
3) A Lava Jato, que promoveu uma verdadeira hecatombe no universo da construção civil e engenharia do país, quebrando as principais empresas nacionais do setor, deixando um rastro de destruição do qual o acidente desta semana é um dos capítulos.

Sobre o item 1, o eleitor vai resolver em outubro. O neoliberalismo tucano vem desmontando as estruturas públicas do estado há mais de vinte anos, e o preço vem sendo pago, com ágio altíssimo, com esse tipo de acidente. Essa deve ser uma das razões para o desgaste do PSDB, e para o favoritismo da oposição, segundo pesquisas, nas eleições estaduais deste ano.

O item 2 é um ponto que está sob investigação. A responsabilidade das empresas Linha Uni e da Acciona deve ser apurada com rigor. Espera-se, porém, que o bom senso pravaleça dessa vez, e entenda-se que, em se tratando de obras de interesse público, o foco absoluto deve ser, sempre, entregar resultados com segurança e celeridade, ou seja, concluir a obra! Ou seja, que se investigue a fundo, e que se puna severamente os responsáveis diretos, mas sem paralisar nenhuma obra de infraestrutura essencial!

Entretanto, o item 3 é o que merece um profundo debate nacional, porque aí está em jogo não apenas uma obra regional, por mais importante que seja, mas o próprio destino do país.

O acidente reflete uma das mais letais doenças brasileiras, a indiferença das nossas elites – incluindo aquelas com posições de autoridade no Estado – com o problema da infra-estrutura.

Para uma nação, especialmente uma nação com grande população, infra-estrutura significa vida.

Talvez seja necessário dar um passo adiante na conceituação de desenvolvimento econômico. As pessoas não entendem mais o que seja desenvolvimento. Este é um vocáculo, um conceito, uma ideia, que perdeu o sentido na cabeça dos brasileiros.

Então usemos outras palavras, mais próximas do interesse egoísta de cada indivíduo: vida e dignidade. Para que nossos filhos – ou os filhos de nossos próximos, além de nós mesmos – possam viver no Brasil com um mínimo de dignidade, ganhando a vida, honestamente e em segurança, é preciso que o país ofereça uma infraestrutura compatível com seu tamanho.

Infraestrutura energética, hídrica, e no transporte de pessoas e mercadorias.

Com a pandemia, ficou mais claro a correlação, por exemplo, entre um bom sistema de mobilidade urbana, e a vida humana. Tivéssemos, em nossas grandes cidades, sistemas menos congestionados de transporte, muita gente poderia ter evitado a contaminação pelo coronavírus.

A consequência mais dramática do acidente na Linha 6 é mais atraso na conclusão da obra, o que resultará em menos qualidade de vida para milhões de pessoas que desfrutariam de uma nova linha de metrô.

Quando a Lava Jato promoveu a destruição das grandes empresas nacionais de engenharia e construção civil, incluindo aquelas eram responsáveis pela construção da Linha 6, o egoísmo alucinado de nossas elites ficou patente. Os super-ricos não andam de metrô. Procuradores e juízes não andam de metrô. E não parecem interessados que outros tenham oportunidade de utilizar um meio de transporte que significará uma expressiva economia de tempo.

Aparentemente, estes setores do serviço público esqueceram, inclusive, que seus salários são pagos pelo trabalho daqueles que… andam de metrô.

A Linha 6 deveria ter sido concluída em 2020. A Lava Jatou deixou a obra paralisada entre 2016 e 2020, porque o Estado brasileiro abriga irresponsáveis, mais interessados em posar de (falsos) herois nacionais do que em promover, de fato, o bem público. A estimativa é que agora a obra será entregue apenas em 2025 ou 2026 – e essa estimativa foi feita antes do acidente.

Espera-se que, ao menos, o Brasil tenha aprendido com a experiência, e que o país crie anticorpos não apenas para o coronavírus, mas sobretudo para a doença do justiçamento irresponsável e inconsequente que observamos no lavajatismo. O país precisa modernizar sua infraestrutura, e o Estado brasileiro tem de atuar para ajudar, agilizar, fiscalizar, vigiar, sempre consciente de que o objetivo precípuo de cada servidor público é de assegurar o desenvolvimento e, sobretudo, a sobrevivência do país!

PS: Assista, no Twitter abaixo, Eduardo Oinegue, âncora da BAND, dando um recado importante sobre o papel da Lava Jato no acidente da Linha 6. Espera-se que outros meios de comunicação tenham a (má) consciência do papel que jogaram na alimentação do monstrengo judicial que devorou o sistema nacional de construção civil, derrubando a economia brasileira, piorando a nossa representação política (temos mais corruptos no poder do que antes) e desequilibrando perigosamente o Estado democrático de Direito.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.