O povo brasileiro é maior do que o arbítrio

Xandão e Lulão. Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Eu quero pedir desculpas a vocês pela emoção. Porque [para] quem passou pelo que eu passei nesses últimos anos, estar aqui agora é a certeza de que Deus existe e de que o povo brasileiro é maior que qualquer pessoa que tentar [implantar] o arbítrio nesse país.

Lula proferiu essas palavras engasgando de emoção, logo no início do seu discurso durante a cerimônia de diplomação da chapa vencedora das eleições.

Foi um momento histórico, cujo significado foi perfeitamente resumido pelo presidente eleito: o povo brasileiro é muito maior que o arbítrio.

Lula foi preso injustamente e passou mais de 500 dias em uma cela, mas 60 milhões de brasileiros o reconduziram ao cargo político máximo do país. A sua biografia, que já era cinematográfica antes da prisão, se torna um clássico instantâneo do cinema com essa reviravolta espetacular. Menino pobre do interior de Pernambuco, retirante, metalúrgico, sindicalista, presidente, preso, presidente de novo.

Incrível.

Mas o que saltou aos ouvidos durante a cerimônia de diplomação foi o tom incisivo dos discursos de Lula e do presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

A manjada (e correta) lembrança de que Lula agora é presidente de todos os brasileiros apareceu, mas com muito menos destaque do que as críticas contundentes ao bolsonarismo. Ninguém citou o nome do quase ex-presidente, mas o alvo da artilharia pesada de Lula e Moraes estava explícito.

Lula falou da tentativa de desacreditar as urnas eletrônicas, a compra de votos, as fake news, a tentativa de impedir eleitores de votar. E foi além: criticou a ganância das big techs e conclamou os outros países do globo a se unirem para implementar legislações mais “duras e eficientes” contra o uso das fake news e o seu impulsionamento pelas redes sociais.

Eis aí um ponto nevrálgico para o futuro da humanidade. As redes sociais se transformaram em uma arma política de ponta, e processos eleitorais tem sido manipulados por meio dos famigerados algoritmos, como bem demonstram documentários como O Dilema das Redes.

Políticos fascistas como Trump e Bolsonaro foram eleitos em boa medida por conta do uso das redes para disseminar fake news. Uma coordenação global para enquadrar as redes sociais e submetê-las às regras democráticas é urgente, e a volta da política externa ativa e altiva dos governos Lula pode impulsionar essa pauta nos fóruns internacionais.

Lula ressaltou ainda, em seu discurso, que sua diplomação é a vitória da democracia contra o autoritarismo – um fato que nunca é demais lembrar.

Precisamos de coragem. É necessário tirar uma lição desse período recente em nosso país e dos abusos cometidos no processo eleitoral, para nunca mais esquecermos, para que nunca mais isso aconteça.

E foi além, aprofundando a definição de democracia:

Democracia por definição é o governo do povo, por meio da eleição dos seus representantes. Mas precisamos ir além dos dicionários. O povo quer mais do que simplesmente eleger seus representantes. O povo quer participação ativa nas decisões dos governos. […] Democracia é ter alimentação de qualidade, é ter emprego, saúde, educação, segurança e moradia. Quanto maior a participação popular, maior o entendimento da necessidade de defender a democracia daqueles que se valem dela como atalho para chegar ao poder e instaurar o autoritarismo.

Bravo.

Esta é, aliás, uma pauta que poderia começar a aparecer mais nas falas de Lula e nas ações do seu futuro governo: a ampliação da participação direta da população. Os referendos e plebiscitos precisam ser trazidos ao debate público com mais frequência, para ir entrando no vocabulário popular. Ampliar a democracia é, como Lula falou, o povo tendo participação ativa nas decisões dos governos.

Depois de Lula falou Alexandre de Moraes. Criticou os grupos extremistas e antidemocráticos que tentaram melar as eleições e garantiu que todos serão responsabilizados. É o cumprimento do seu dever como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, mas não deixa de ser digno de aplausos. A indicação de que não deverá haver complacência com os movimentos golpistas que teimam em espernear em quarteis ou às portas do Alvorada é importante demais.

É, também, uma janela de oportunidade. Um setor importante do Poder Judiciário se deu conta da periculosidade do bolsonarismo e isso pode significar um período de relativa estabilidade para Lula governar. Com a ameaça fascista rondando a vida política nacional, provavelmente será mais difícil que o Judiciário embarque em outra aventura golpista como a de 2016. Ao menos por um tempo.

É claro que em outros âmbitos – e aqui me refiro especialmente à área econômica – a guerra contra o governo petista (que nem começou) já está aberta, por parte dos mesmos veículos de mídia que reconheceram a ameaça de Bolsonaro e chegaram a apoiar, timidamente, Lula nas eleições.

Ainda assim é, repito, uma janela de oportunidade talvez única. É possível isolar o bolsonarismo, já que ninguém aguenta mais a sua tendência incorrigível à arruaça e ao golpe. E, a partir desse isolamento, é possível construir uma maioria política que faça o país avançar nas pautas urgentes da fome, do desemprego, da reindustrialização, da soberania nacional e das mudanças climáticas.

Tarefas grandiosas, porém factíveis, já que o presidente diplomado do Brasil é, pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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