A liberdade de Cabral e o punitivismo

Sérgio Cabral e seu filho. Foto: Reprodução/Redes Sociais

A revogação da prisão preventiva de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, provocou o costumeiro chorume punitivista das hostes da direita. A solução, pra esse pessoal, é prisão perpétua pra todo mundo que cometer crime. (Desde que o crime não seja genocídio ou golpe de Estado, é claro.)

Cabral estava preso há seis(!) anos, mas nenhuma de suas condenações transitou em julgado – ou seja, nenhuma é definitiva, pois ainda cabe algum tipo de recurso.

Gilmar Mendes, em seu voto sobre a questão, disse o óbvio: se um cidadão fica preso por tanto tempo sem ter condenação definitiva, isso representa uma antecipação da pena. E antecipar a pena de alguém que ainda pode ser absolvido é um dano irreparável: não há indenização pecuniária que compense semanas, meses ou anos de reclusão em uma cadeia. Um bom exemplo é a injustiça contra Lula, que ficou mais de 500 dias preso, um caso bem fresco em nossa memória.

Esse tipo de questão – condenações e prisões de figuras poderosas – costuma ser uma casca de banana para a esquerda no debate público. Porque exigir a punição de corruptos e corruptores (destes a direita costuma esquecer) é evidentemente uma pauta correta. Contudo, aplaudir e apoiar ações repressivas desproporcionais do sistema penal é um grande tiro no pé.

No mundo ideal, a pena de encarceramento deveria ser reservada às pessoas que oferecem perigo para os outros. Assassinos e abusadores, por exemplo, precisam ser afastados do convívio social até demonstrarem que estão aptos novamente a interagir com outras pessoas.

Para coibir o roubo sem o uso de violência (como costuma ser o caso dos chamados crimes do colarinho branco) outros mecanismos são mais eficientes – penas pecuniárias pesadas, por exemplo.

O monopólio do uso da força pelo Estado não é brincadeira. A liberdade é um direito fundamental de todo cidadão, e o Estado precisa ter uma justificativa muito boa para restringi-lo. Um Estado que prende indiscriminadamente, para saciar um suposto desejo coletivo por punição, é um risco para toda a população.

Por isso deveríamos ser bastante cuidadosos ao analisar casos como o de Sérgio Cabral. O homem é réu confesso, mas o fato é que não teve nenhuma condenação definitiva ainda – o que é outro (velho) problema, a morosidade do Judiciário brasileiro. Depois de seis anos de prisão preventiva, sem poder político algum, o risco de que Cabral possa prejudicar novamente a população ao desviar dinheiro público é quase zero. A prisão domiciliar neste momento é, portanto, adequada.

Mas e Bolsonaro? Deveria ser preso?

Queremos que ele seja responsabilizado, sem dúvida. A pergunta que temos que nos fazer, então, é se ele oferece risco para a sociedade.

E a resposta é afirmativa. Bolsonaro é o líder de um movimento fascista que é violento por natureza. Os fechamentos de estradas após as eleições provocaram danos físicos e emocionais a um grande contingente de pessoas.

Além disso, o movimento que Bolsonaro lidera é golpista. Um golpe é o ato de violência supremo contra a vontade popular, e quem conspira contra a democracia deve, sim, ser afastado do convívio social, porque representa um perigo evidente para o país.

Bolsonaro também é um genocida: seu negacionismo científico matou centenas de milhares de pessoas. Alguém com esse nível de desumanidade e periculosidade precisa ser afastado do convívio social.

Mas não para satisfazer nosso desejo de vingança. A prisão só deve ser usada quando necessária para manter a paz e a liberdade das pessoas.

Responsabilização é essencial, mas punitivismo é barbárie.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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