O desmatamento nos biomas do Cerrado e da Amazônia apresenta um contraste marcante e preocupante, conforme os dados revelados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Enquanto o Cerrado, o segundo maior bioma do Brasil, se depara com um alarmante recorde de alertas de desmatamento, a Amazônia demonstra uma notável queda nos índices, atingindo o menor patamar em quatro anos.
No período entre agosto de 2022 e julho de 2023, uma área de mais de 6.300 quilômetros quadrados do Cerrado foi devastada, com destaque para a região do Matopiba, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Nos meses de janeiro a julho deste ano, a taxa representou um aumento de 21% nos avisos emitidos pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), sinalizando uma tendência alarmante que exige ações imediatas.
Já na Amazônia, os alertas de desmatamento entre os mesmos meses sofreram uma notável queda de 42,5%. Esta reviravolta surpreendente ocorre após um período anterior caracterizado por um aumento preocupante no desmatamento. De agosto de 2022 a julho deste ano, o Deter emitiu alertas para uma área total de 7.952 quilômetros quadrados na Amazônia, ressaltando a importância de medidas eficazes para a preservação desse ecossistema vital.
O contraste mais relevante entre esses dois biomas é a abordagem regulatória. Enquanto a Amazônia exige que 80% das propriedades sejam mantidas como reserva legal, no Cerrado apenas 20% são requeridos. Essa distinção tem implicações significativas, uma vez que parte do desmatamento no Cerrado é legalmente autorizada, o que dificulta as medidas de fiscalização e autuação realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Ainda assim, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comentou sobre a importância da Cúpula da Amazônia, que ocorrerá nesta terça (8) e quarta (9), em produzir resultados concretos e contínuos e evitar que a região possivelmente atinja um ponto crítico de seca e degradação.
Cerrado em crise
Segundo Mariana Napolitana, gerente de Ciências do WWF-Brasil, os dados do Cerrado expressam inquietação para os especialistas, uma vez que eles evidenciam valores que se mantêm constantes, atingindo patamares comparáveis ou até mesmo superiores aos do ano anterior.
Conforme sua análise, essa situação demandará, especialmente na região setentrional da região, um aumento substancial das medidas de supervisão e gerenciamento. “A principal fonte e impulsionadora desse desmatamento no Cerrado é a produção de commodities, como soja e algodão. Sem um maior comprometimento do setor privado, será extremamente desafiador reverter essas tendências nesse bioma tão importante e ameaçado”, afirmou.
Já Guilherme EIdt, coordenador de advocacy do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), a crescente significativa do desmatamento na região não é chocante. “Era de esperar o aumento do desmatamento do Cerrado neste ano, reforçado pela baixa proteção que a legislação florestal brasileira lhe confere e pelo grande número de autorizações de desmate que vêm sendo emitidas pelos estados”, declarou.
Os desafios no Cerrado são ampliados pela ausência de um Plano de Ação específico para a prevenção e controle do desmatamento, ao contrário da Amazônia, que implementou um plano desde 2004. Reconhecendo a urgência desse problema, o governo anunciou um plano de combate ao desmatamento no Cerrado, previsto para ser lançado em outubro. Essa iniciativa visa enfrentar as ameaças crescentes a esse bioma e encontrar soluções eficazes para conter a degradação ambiental.
Ambos os biomas desempenham um papel crucial no contexto nacional. O Cerrado é conhecido como o “berço das águas” do país, alimentando as bacias hidrográficas que deságuam na Amazônia.
A falta de um compromisso mais forte por parte do setor privado pode dificultar ainda mais os esforços para reverter essas tendências alarmantes. Ademais, especialistas enfatizam a importância de uma participação mais ativa dos governos estaduais na implementação de políticas de preservação e do engajamento do setor privado em práticas sustentáveis.
O desmatamento na Amazônia, por outro lado, parece ter sido influenciado positivamente por medidas mais rígidas sob o governo Lula, incluindo a retomada da aplicação de multas e a proibição do uso de terras desmatadas, além de esforços intensificados de fiscalização e combate a crimes ambientais. A implementação de um plano de ação específico, já em vigor na Amazônia desde 2004, tem contribuído para a redução dos índices de desmatamento e poderia servir de modelo para abordagens no Cerrado.
A interação entre regulamentações, compromissos do setor privado, políticas governamentais e conscientização pública desempenha um papel crítico na luta contra o desmatamento nos biomas do Cerrado e da Amazônia. A preservação desses ecossistemas é vital para garantir a sustentabilidade ambiental, a conservação da biodiversidade e a segurança hídrica do Brasil, além de contribuir para a mitigação das mudanças climáticas em escala global.