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Exclusivo! Mercadante quer BNDES financiando trens, indústria e projetos sociais na favela

“Estamos fazendo um amplo estudo sobre a necessidades da mobilidade urbana”, disse Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, em coletiva exclusiva para comunicadores populares e representantes da mídia independente, na última quinta-feira 21 de março. Ele respondia a uma pergunta minha, em que observei que não identificara em sua fala inicial, onde apresentou as linhas mestras […]

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Encontro de Mercadante com representantes da mídia independente e comunicadores populares. Fotos: André Telles/BNDES

“Estamos fazendo um amplo estudo sobre a necessidades da mobilidade urbana”, disse Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, em coletiva exclusiva para comunicadores populares e representantes da mídia independente, na última quinta-feira 21 de março.

Ele respondia a uma pergunta minha, em que observei que não identificara em sua fala inicial, onde apresentou as linhas mestras de sua gestão, nenhuma menção a ferrovias.

“Você falou em BNDES verde, enfatizou a necessidade de engajar o banco no esforço do governo de reindustrializar o país, falou em parcerias com grandes empresas chinesas… O senhor sabe que a China já tem mais de 40 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade, que os países asiáticos estão todos construindo novas linhas ferroviárias. Os EUA está fazendo um trem bala ligando a Califórnia a Las Vegas. A Europa e o Reino Unido são todos cortados por trens e estão incentivando que o transporte entre cidades seja feito por trem, e não por avião, pela questão ambiental. E o senhor apenas falou de carros! [Mercadante tinha mencionado reuniões do banco com a BYD, empresa chinesa de carros elétricos].”

Meu objetivo, naturalmente, era fazer uma crítica. O principal problema de todo o governo Lula é sua obsessão por carro, que além de ser um transporte individual, é completamente inacessível à maioria da população.

Até hoje, a propósito, é um mistério para mim como, num país onde o trabalhador ganha renda média inferior a R$ 3 mil ao mês, ainda há tanta gente capaz de comprar um carro, cujo modelo mais popular custa 70 a 80 mil reais. Ou seja, para adquirir o carro zero mais barato do mercado, como um Fiat Argo 1.0, que custa 83.490, sem incluir aí os impostos e os aditivos, o trabalhador precisaria juntar todo o seu salário, integralmente, por dois anos e três meses! Eu acho isso muito insano.

“Você tem razão”, admitiu Mercadante, com uma expressão peculiar com a qual já me acostumei. Sempre que abordo a necessidade de ferrovias no país, para uma autoridade, um amigo ou um desconhecido, a reação é parecida. Na verdade, há dois tipos: uns reagem como Mercadante, com os seguintes sentimentos estampados no rosto:

1) uma alegria condescendente, como quem ouve uma criança falar de um sonho encantador, mas impossível;

2) um pouco de confusão, porque o Brasil se afundou numa depressão cívica tão profunda, que tanto as lideranças políticas como as pessoas comuns perderam o hábito de levar à sério qualquer projeto coletivo mais audacioso;

3) um pouco de constrangimento, porque todo mundo sabe que o Brasil precisa desesperadamente de transporte sobre trilhos: metrôs e vts dentro das cidades, trens de alta velocidade ligando as capitais, e linhas de frete para escoar a produção, mas ninguém sabe ao certo por onde começar.

Outros reagem com hostilidade. Mas sobre isso falaremos em outra ocasião.

Naturalmente, há projetos em andamento, alguns audaciosos, como o que trem-bala ligando Rio a São Paulo, que deve ser conduzido pela Tav Brasil e operado exclusivamente pela iniciativa privada, e um outro, que promete ligar o Rio de Janeiro a um porto peruano no Pacífico, voltado mais para o transporte de cargas.

Entretanto, além do ceticismo com todos esses projetos ser gigantesco, compreensivelmente, falta um plano maior para o país nessa matéria, e falta sobretudo engajamento das próprias lideranças políticas. Falta falar de trem, interagir com a sociedade, defender a ideia.

“O trem bala que vai ligar São Paulo a Campinas está sendo financiado pelo BNDES. Todo metrô no país é financiado pelo BNDES”, defendeu-se Mercadante.

Pelo menos eu consegui jogar uma sementinha no espírito do presidente do maior banco de fomento da América Latina, e um dos maiores do mundo. Tanto que, em outro momento da coletiva, Mercadante falava de parcerias do banco com fabricantes de carro, quando pausou por um segundo e olhou para mim, constrangido, e disse, interrompendo o que vinha dizendo:

“Tem que ter transporte ferroviário e metrô. É transporte de massas. O cidadão que vem de uma cidade pequena precisa de um transporte confortável e pontual, que lhe permita vir à metrópole com rapidez e custo acessível”, falou, pausadamente, com ar pensativo.

A presidência do banco tinha nos chamado para anunciar um projeto muito legal, o BNDES Periferias, que foi apresentado pela diretora de sustentabilidade, Tereza Campello, uma petista de alto coturno, ex-ministra no governo da presidente Dilma. Essa era a razão principal, segundo entendi, da presença de alguns comunicadores populares. O banco vai investir R$ 50 milhões em projetos de organizações sediadas em periferias, sobretudo favelas, e captar mais R$ 50 milhões com outros agentes públicos ou privados. O melhor: serão financiamentos não-reembolsáveis, ou seja, quem conseguir captar não precisará pagar de volta. Quem quiser saber mais pode olhar a apresentação do projeto que a assessoria nos enviou. A chamada para o edital está nesse link.

Mas voltemos ao início da coletiva, à apresentação de Mercadante. 

Não há dúvida de que um governo popular faz toda a diferença. As críticas de setores rancorosos da esquerda, ou de um Ciro Gomes, de que a política econômica de Lula é igual a de Bolsonaro, são totalmente absurdas. A magnitude dos financiamentos dos bancos públicos, segundo Mercadante, apenas nesse primeiro ano de Lula, ultrapassou os quatro anos de Bolsonaro. 

O BNDES, disse Mercadante, aumentou dramaticamente o volume de investimentos em inovação: nos quatro anos de Bolsonaro, estes ficaram numa média de 1,5 bilhão de reais por ano, aumentando um pouco apenas em 2022, para 2,3 bilhões, mas saltaram para 5,3 bilhões no primeiro ano do governo Lula. 

O Fundo Amazônia, que havia sido zerado nos quatro anos de Bolsonaro, em função do radicalismo anti-ambiental de um governo negacionista, pulou para R$ 1,33 bilhão de projetos aprovados em 2023. 

O apoio às exportações de serviço, que também havia minguado durante a era Bolsonaro, oscilando entre 2 e 5 bilhões de reais por ano, chegou a R$ 13,5 bilhões em 2023. 

A carteira de crédito do banco, por sua vez, também experimentou um forte crescimento em 2023, atingindo R$ 515 bilhões, o maior volume em cinco anos. 

Os números referentes a consultas, aprovações e desembolsos registraram vigoroso aumento em 2023. O desembolso foi de R$ 114,4 bilhões, mais que o dobro do volume no primeiro ano do governo Bolsonaro. E no primeiro bimestre deste ano, os desembolsos já totalizam R$ 13 bilhões, os maiores desde 2016. 

Mercadante explicou que os governos ultraliberais, que assumiram as rédeas do país a partir do golpe de 2016, fizeram de tudo para esvaziar o BNDES. O instrumento principal foi tirar o dinheiro do banco e entregar para o Tesouro, para deixá-lo sem caixa. Conseguiram. Em 2022, Bolsonaro saqueou violentamente o BNDES, fazendo com que o caixa próprio do banco caísse de R$ 90 bilhões no início de 2022 para R$ 16 bilhões ao final. Isso criou dificuldades para o BNDES nesse primeiro ano de governo, explicou.

A apresentação de Mercadante pode ser baixada aqui

Conclusão

O aspecto mais promissor da gestão Mercadante, em minha avaliação, é sua visão aberta e corajosamente desenvolvimentista, o que ele deixou claro, aliás, desde o início de sua gestão, quando o banco organizou um grande seminário de economia, convidado grandes nomes do desenvolvimentismo contemporâneo, como a economista Mariana Mazzucatto. 

Os vídeos para o seminário estão no youtube do BNDES, mas deixo os lins aqui: parte 1 e parte 2.

Durante a coletiva, Mercadante martelou a necessidade do país se reindustrializar, embora sempre de olho numa agenda verde e sustentável. Ele mencionou os complexos da saúde e da defesa como setores especialmente promissores, em virtude do orçamento federal para a compra de produtos e serviços dessas áreas. 

O desenvolvimentismo de Mercadante tem um preço, todavia: ele é odiado pela Faria Lima, como se pode constatar numa dessas pesquisas junto a fundos de investimento. Mas os empresários do setor produtivo gostam dele, ou deveriam gostar, porque o banco está comprometido, até a medula, com o crescimento econômico do país. 

Para os próximos meses e anos de sua gestão, é relativamente previsível que Mercadante será atacado ferozmente pelo liberalismo de botequim que infesta as redações da mídia tradicional e decadente. Pela fala de Mercadante, que chegou a abordar, com bom humor, essa hostilidade constante do mercado a qualquer gesto de ousadia financeira do governo, ele está consciente e preparado para a batalha. 

Na postagem abaixo, algumas fotos e vídeos da coletiva.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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