A entrevista bombástica do embaixador da Rússia à Folha de São Paulo

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O embaixador russo no Brasil, Alexey Labetskiy, declarou que a vitória de Vladimir Putin para seu quinto mandato como presidente da Rússia, ocorrida em março, representa uma evidência sólida de que os russos rejeitam qualquer tentativa de imposição externa contrária à sua vontade.

O embaixador argumenta que as eleições ocorreram de maneira justa e livre, oferecendo à população opções reais além de Putin. Segundo ele, as críticas feitas por países da Europa e pelos Estados Unidos ao processo eleitoral são consideradas irrelevantes pela Rússia, alegando que tais críticas surgem porque, nesta ocasião, não havia candidatos de oposição apoiados financeiramente por nações estrangeiras.

Labetskiy argumenta que interpretar a história a partir das perspectivas de cidades como Paris, Londres, Nova York ou Berlim apenas conduz a mal-entendidos. Ele considera que, embora a Europa seja vista como um epicentro cultural pelo Ocidente, para a Rússia, ela tem sido historicamente vista como um agressor invasor.

Sobre as acusações de desumanidade no conflito ucraniano, ele nega que Putin tenha praticado crimes, justificando a guerra como uma medida para defender os russos que residem na Ucrânia e assegurar a proteção do território russo. Labetskiy também menciona que está previsto um encontro entre Lula e Putin dentro deste ano, mas não confirma a visita do presidente russo ao Brasil, especialmente considerando a possibilidade do Tribunal Penal Internacional emitir um mandado de prisão contra ele.

Confira trechos da entrevista

O presidente Vladimir Putin acaba se ser reeleito. Países como EUA, Alemanha e Reino Unido dizem que o pleito não foi justo, nem livre, já que a população do país não tem outras alternativas de escolha a não ser o próprio Putin.

É a demonstração de que os povos da Rússia e o povo russo estão cansados de ser “alunos” ensinados por terceiros. Mostramos que estamos dispostos a observar os nossos objetivos e a nossa identidade para fazermos a escolha em função da realidade em que vivemos.

O senhor se referiu ao povo e aos povos da Rússia. 

A Rússia é um país multinacional. Russos, judeus, tártaros, povos do Cáucaso, cristãos ortodoxos, 20 milhões de muçulmanos nativos, budistas —mais de 150 povos e entidades nacionais habitam este grande território. A civilização russa foi criada pela mistura destas religiões e culturas —o que incluí os povos que estavam confundidos, por exemplo, com os ucranianos. Eu sempre disse, e sigo dizendo, que não vejo nenhuma diferença entre mim e um ucraniano. A eleição de Putin é a demonstração de que os povos da Rússia e o povo russo estão cansados de ser ‘alunos’ ensinados por terceiros. Minha família paterna é de Petersburgo, a materna é da Bielorrússia. A diferença entre mim e um ucraniano é igual à que existe, no Brasil, entre um paulista e um baiano.

Voltando às críticas às eleições da Rússia… 

Elas provêm de um único fato: antigamente, a maioria dos assim chamados opositores na Rússia eram financiados por países estrangeiros. Desta vez, não havia nenhum [candidato nestas condições]. Mas havia, sim, escolha. O programa político de Putin e o de [Nikolai] Kharitonov [um dos outros três candidatos que disputaram as eleições], do partido comunista, por exemplo, eram bem diferentes. O programa de [Leonida] Slutsksy, que é do Partido Liberal, também difere. O fato de que eles [candidatos à Presidência] apoiam Putin não significa que apoiam o programa da Rússia Unida [partido governista]. Havia também o candidato [Vladislav] Davankov, que é uma nova força política. As tentativas de explicar a história da Rússia pela visão de Paris, de Londres, de Nova York ou de Berlim sempre resultaram na incompreensão dos objetivos reais da Rússia.

E quais seriam eles? 

Dizem que a Europa é um grande centro [econômico e cultural], de não sei o quê. Mas a Europa, para nós, foi o inimigo invasor. Por duas vezes. As Guerras Napoleônicas [no século 19, quando a França tentou invadir a Rússia] levaram à destruição da metade de Moscou. Foi uma invasão europeia. Dizem que combatemos o fascismo, o nazismo [ao guerrear contra a Alemanha de Hitler] na Segunda Guerra Mundial, que para nós é a Grande Guerra Pátria. Sim, combatemos. Mas esse fascismo foi apoiado pelos romenos, búlgaros, húngaros, italianos e até tchecos [referindo-se a povos europeus]. Para os russos, [a Segunda Guerra] foi uma invasão europeia. Até mesmo os espanhóis, que formalmente não participaram da guerra, enviaram a Divisão Azul, com cem mil homens, para combater em Leningrado [ao lado das forças alemãs de Hitler, em 1941]. Antigamente, a maioria dos assim chamados opositores na Rússia eram financiados por países estrangeiros. Desta vez [nas eleições presidenciais], não havia nenhum. Sempre houve a tentativa de nos impor algo. Nós não negamos que a Europa é a Europa. Mas não podemos negar também que o Iluminismo europeu foi a fonte central do colonialismo por todo lado. Quando Napoleão entrou em Moscou, a cidade foi queimada. Quando nós entramos em Paris [nos anos finais das Guerras Napoleônicas], em 1814, nós não queimamos Paris. A única coisa que deixamos na França foi a palavrinha “bistrô”.

O Reino Unido criticou o fato de não haver monitoramento independente e neutro das eleições da Rússia.

Para nós, essas críticas são nulas. Quem vai monitorar? Um inglês? Que já várias vezes tentou invadir a Rússia?

A eleição se deu em meio à guerra contra a Ucrânia. Os argumentos de Putin, de que havia um cerco da Otan à Rússia, são antigos e conhecidos. Mas não existiria alternativa à guerra, que é extremamente desumana?

Esta é uma operação especial, não é uma guerra contra a Ucrânia e o povo ucraniano. A sua razão central foi defender os russos que vivem naquele território [da Ucrânia] e que não reconheceram o golpe de 2014 em Kiev, financiado, promovido e aceito pelo Ocidente. Os acordos de Minsk [de 2014, que previam a reintegração à Ucrânia de regiões separatistas apoiadas pela Rússia em troca de status especial para a região de Donbass, entre outras coisas] não foram respeitados. A própria [ex-chanceler da Alemanha] Ângela Merkel disse que os acordos foram uma tentativa de ganhar tempo e rearmar a Ucrânia. A senhora está dizendo “a guerra”. Vamos lembrar do Iraque: quantas vidas humanas foram perdidas nesta guerra provocada pela mentira aberta, depois reconhecida, e não perdoada [dos EUA sobre a existência de armas químicas e de destruição em massa no Iraque]? Uma mentira mentirosa. E o Afeganistão? Isso é guerra. E a Líbia? Isso é guerra.

E por que não definir a situação da Ucrânia como de guerra, se há a entrada de uma força militar em outro território? 

Nos prometeram por décadas que a Otan [aliança militar de países ocidentais liderada pelos EUA] não se alargaria [na direção da Rússia]. Mentira, mentira, mentira. E a Otan é uma organização pacífica? Não. De maneira nenhuma. Ela é uma organização agressiva cujo único inimigo é a Rússia. Nós devemos garantir a segurança do nosso país.

O senhor fala em proteger vidas de cidadãos russos na Ucrânia, mas há um custo em vidas na guerra.

Quando, na fronteira do seu país, está sendo criado um estado nazista que proíbe a língua russa, a cultura russa, que persegue os russos, isso o que é? O que nos impressiona é como, na Europa, eles estão prontos a aceitar adeptos do nazismo como seus aliados. Isso significa que a Europa aceita qualquer um que seja o inimigo da Rússia. Dizem que a Europa é um grande centro. Mas a Europa, para nós, foi o inimigo invasor. Por duas vezes.

O que acontecerá a partir de agora? Porque a Rússia não perdeu, mas também não ganhou a guerra.

Estamos decididos a levar até o fim a desmilitarização e a desnazificação do território ucraniano. É o objetivo central. Mostramos à Europa, à Otan e aos EUA que não vamos aceitar a política de pressão que visa acabar com a Rússia como um Estado soberano e independente.

Será, portanto, uma guerra longa?  

Se os donos do regime fantoche da Ucrânia compreenderem que não vale mais a pena incentivar a guerra contra a Rússia, isso vai acabar.No início da operação especial houve conversas entre russos e ucranianos e até, dizem, foi rubricado o texto de um possível um acordo [para acabar com o conflito]. Que foi impedido pelos donos ocidentais do regime de Kiev —criado por Washington, apoiado pelo Londres e agora pela Alemanha.

Qual é a possibilidade real de a Rússia usar armas nucleares na guerra?

Pergunta sobre pergunta: quem começou a falar da questão nuclear? Nós nunca falamos. Em janeiro de 2022 foi feita uma declaração de que nenhum dos cinco membros do clube nuclear [Rússia, EUA, China, França e Reino Unido] utilizará arma nuclear. Isto continua valendo. Isso está parecendo a história das armas químicas do Iraque [nunca confirmadas, mas usadas como pretexto pelos EUA para declarar guerra ao país].

Leia na íntegra.

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