Fundamentos econômicos sólidos garantem popularidade de Lula

Helio Montferre/Ipea

Acabou de ser divulgada a pesquisa CNT/MDA sobre a aprovação do presidente Lula. É uma pesquisa top de linha, com 2002 entrevistas presenciais, e ela mostra que Lula mantém uma sólida aprovação de 51%. 

Houve queda, porém, em relação à pesquisa feita em janeiro, quando o presidente chegou a pontuar 55%.

Pelo gráfico se pode constatar, de qualquer forma, que Lula ainda mantém uma aprovação muito superior a que tinha Bolsonaro em 2021 e 2022, que oscilava entre 30% a 40%. 

Façamos uma análise diferente. Na verdade, essa pesquisa apareceu bem no momento em que eu terminava um estudo sobre os dados econômicos do país. Veio em boa hora, portanto.

É duro acompanhar, por vezes, a neurastenia das redes sociais. Se você passar tempo demais numa delas, sairá convencido que o Brasil está indo para o buraco, apesar de todos os fundamentos sinalizarem o contrário. 

Para a direita brasileira, hegemonizada por extremistas delirantes, vivemos à beira de um apocalipse econômico, político e moral. Como os dados sociais (emprego, renda, crescimento, inflação) estão bons, eles se ancoram num suposto rombo fiscal, que não existe, e num insuportável aumento da carga tributária, igualmente um fantasma. 

O problema é mais profundo: à baixa estima nacional se soma, aparentemente, uma insegurança crônica, quase patológica, de que as coisas podem degringolar a qualquer momento. E esse sentimento contamina também a esquerda, que aliás tem seus motivos e seus traumas, pois o grau de instabilidade política tem sido elevadíssimo desde a redemocratização. A partir do final dos anos 80, as elites políticas e midiáticas aceitaram de bom grado a transição para o regime democrático, mas o preço que cobraram parece ter sido manter a sociedade brasileira em constante estado de terror, ansiedade e insegurança. 

Neste artigo, reuni os principais dados econômicos, atualizados até março ou abril, sempre segundo fontes oficiais, para conferir se a situação nacional é boa ou preocupante.

Antes de passar à economia, contudo, gostaria de trazer alguns gráficos e comentários do cientista político Antônio Lavareda, presidente do Ipespe, tradicional e respeitado instituto de pesquisa, e um dos mais experientes analistas políticos do país. 

“[Confira] abaixo, os resultados de todas as pesquisas divulgadas pelos diversos institutos que trazem a variável dicotômica “Aprovação/Desaprovação do Governo Lula” a partir da primeira edição do ano da pesquisa FBB/ IPESPE em fevereiro até essa divulgada hoje pela entidade. A leitura do gráfico dos saldos (aprovação – desaprovação), sempre a melhor forma de comparar dados produzidos por institutos e métodos diferentes, aponta inicialmente um rápido declínio da curva até a medição do Paraná Pesquisas, em meados de março, quando o saldo se tornou negativo (-2,2) e a partir daí o que pode ser um processo de recuperação segundo os números do PoderData (+2) e agora do IPESPE (+6). As próximas pesquisas confirmarão ou não se há de fato essa tendência positiva.”

Bem, os dados do CNT/MDA divulgados hoje fazem a linha verde, de aprovação, subir mais um pouquinho, até 51%, de maneira que, apesar de trazer queda em relação a janeiro, ela pode confirmar, inversamente, o viés de recuperação apontado por Lavareda. O “saldo” de aprovação em maio, segundo a CNT, estaria em 7,0.

Como eu dizia, no entanto, esse post não é sobre pesquisa, e sim sobre os fundamentos econômicos do país, e considero isso bem mais relevante do que a aprovação do governo. Por uma razão simples. Se os fundamentos econômicos estão sólidos, positivos, então a queda na aprovação pode ser interpretada de uma outra maneira. Ao invés de entender o mau humor dos eleitores como disposição para derrubar o governo, ou votar em candidatos da oposição na eleição mais próxima, ele pode sinalizar a ansiedade por mais realizações, mais audaciosas e mais profundas. 

Enfim, vamos aos dados que reuni com exclusividade para vocês. Ao fim do post, indico o link para as fontes de todas as informações e gráficos publicados aqui. 

Comecemos pela renda média real do trabalhador brasileiro, segundo o IBGE. Compilando os primeiros trimestres desde 2017, constatamos que a renda média real (ou seja, já descontada a inflação) bateu recorde em março deste ano, atingindo R$ 3.123. 

Esse é número importante, naturalmente, para se apurar o grau de satisfação do eleitor. Muito mais importante do que um governante ser bem avaliado é a situação econômica estar no bom caminho, especialmente no que toca à renda do trabalhador.

De nada adianta um governante tem 80% de aprovação, e a renda do trabalhador experimentar declínio. Inversamente, não há problema nenhum que um presidente perca alguns pontos de aprovação, se os salários e a renda seguem em alta. 

Vamos ao desemprego. Compilando os percentuais para períodos iguais, os primeiros trimestres de 2016 a 2024, temos um quadro promissor: o desemprego caiu para 7,9%, o nível mais baixo dos últimos 10 anos.

Outro dado positivo, referente ao emprego, é que a maior parte dos novos postos de trabalho criados tem sido do tipo formal, com carteira assinada. Segundo o IBGE, o Brasil já tem 38 milhões de trabalhadores com carteira, um recorde histórico. 

 

 

A indústria também traz boas novas. Ainda segundo o IBGE, a indústria brasileira começou o ano de 2024 com uma forte recuperação, conforme se pode ver pelo indicador do próprio instituto. Quando se examina apenas a indústria de transformação, nota-se uma melhora constante desde o início do ano passado, o que pode sinalizar que o Brasil já vive um processo de reindustrialização.

 

As exportações brasileiras também trazem excelentes notícias para a economia brasileira. No primeiro trimestre deste ano, o Brasil bateu novamente recorde, exportando o equivalente a US$ 78 bilhões, contra US$ 76 bilhões no mesmo período do ano anterior (que também tinha sido recorde). Para se ter uma ideia, o Brasil exportava pouco mais de 10 bilhões de dólares ao final da década de 90.

 

 

 

A propósito, é interessante observar que, ao contrário do que o senso comum propala, a maior parte das exportações brasileiras são classificadas como manufaturadas, ou da indústria de transformação. E estas também bateram recorde no primeiro trimestre de 2024. Em Jan/Mar último, o Brasil exportou US$ 41 bilhões em produtos manufaturados, recorde histórico. Nos primeiros trimestres de 1997 a 2000, para efeito de comparação, o Brasil exportava apenas 8 a 10 bilhões de dólares.

Tudo bem que a maior parte dessa indústria é sobretudo de alimentação, de baixa complexidade. É muito mais “cool” exportar semicondutores e celulares, com certeza. Mas a indústria de alimentação tem uma vantagem: tem um mercado internacional muito mais estável. Farei um post à parte sobre isso amanhã.

 

 

Agora vamos aos dados fiscais. 

A mídia brasileira tem feito uma campanha terrorista barulhenta sobre a situação fiscal do país, que, no entanto, segue extremamente sólida. 

O déficit primário do setor público, em percentual do PIB, encerrou o acumulado de 12 meses até março em 2,29%, contra 2,44% no acumulado até fevereiro. Nos anos de 2020 e 2021, este déficit oscilou entre 6% e 9% do PIB e ninguém falava em apocalipse. 

Além disso, se considerarmos o desempenho vigoroso do PIB, do emprego e das exportações, está claro que a evolução fiscal do Brasil segue perfeitamente saudável. 

Mais importante, se olharmos para o mês de março, o setor público obteve um superávit de 0,12% do PIB, contra um déficit de 1,51% em março de 2023. Nos meses de março de 2018, 2019 e 2020, o setor público (que reúne todas as esferas de governo, mais estatais) registrou déficits bem mais elevados, de 3% a 4% do PIB. 

 

 

A dívida bruta do governo geral (que reúne todas as esferas de governo, INSS, mas não estatais), por sua vez, fechou março em 75,7% do PIB, contra 71,5% em março de 2023; ela é inferior, porém, a todos os meses de março de 2019 a 2021.

 

É importante olhar para o desempenho da receita federal nos últimos anos. O gráfico abaixo trata de acumulados em 12 meses, em valores deflacionados para março de 2024. Repare que houve um longo período de estagnação da receita, e até mesmo declínio, de 2013 até o início de 2021. A partir daí, há uma mudança brusca de tendências, e a receita passa a aumentar fortemente. No segundo semestre de 2023, houve um pequeno recuo, logo revertido nos últimos meses do ano e início de 2024. 

Um fator saudável  é que esse aumento não veio de royalties, ou de receitas não recorrentes. Ele veio, sobretudo, das receitas administradas pela receita federal, que são mais estáveis. 

Temos visto, ainda, que a extrema direita vem tentando colar a farsa do aumento dos impostos. Só que os dados da própria Secretaria do Tesouro Nacional mostram que a carga tributária no Brasil caiu no primeiro ano do governo Lula, de 33,07% do PIB em 2022 para 32,44% do PIB em 2023. 

E quando se estratifica por esfera de governo, vemos que a carga tributária do governo federal caiu de 22,41% em 2022 para 21,99% em 2023. 

Outra boa notícia é que o único tipo de imposto que tem apresentado algum crescimento, na proporção com o PIB, é o vinculado à renda, lucros e ganhos de capital. Este imposto que representava apenas 6% do PIB em 2010, encerrou 2023 em 8,66% do PIB. Já o imposto sobre bens e serviços correspondia a 14,7% do PIB em 2010, e hoje caiu para 12,68% do PIB.  

Deixo para o final, um dos dados econômicos mais importantes, o que afeta mais diretamente o humor do cidadão e o prestígio de um governo: a inflação. Segundo o IBGE, a inflação medida ao final de abril estava em 3,77% no acumulado em 12 meses, e caindo. Houve um pico em fevereiro, logo revertido em março e abril, não afetando a tendência no acumulado. Houve uma alta focada nos alimentos, o que afeta muito mais a população pobre, e isso explica a queda de popularidade de Lula nestas camadas. Mas o fato é que, no geral, a inflação está controlada e mesmo em declínio.

Conclusão

Os fundamentos econômicos do Brasil estão sólidos. Ponto. É isso que importa, muito mais do que pesquisas de opinião.

Agora falta ao governo Lula oferecer ao país projetos mais audaciosos, que mobilizem o imaginário, e façam a pauta política se deslocar do campo dos costumes e da briga partidária menor, para alguma coisa mais nobre, capaz de mobilizar diferentes espectros ideológicos.

O governo precisa evitar a luta política no campo onde a extrema direita está mais confortável, e elevar o debate para as grandes necessidades do país.

Não consigo pensar em outras coisas senão mobilidade urbana, especialmente transporte sobre trilhos, e energia solar.

Sobre trens, já tenho falado bastante, e voltarei a falar em outros artigos. No caso da energia solar, este é um fator que poderá mudar profundamente, e rápido, a vida das pessoas, a começar pelo barateamento das contas de energia.

Links para os dados apresentados no post:
Comexstat (estatísticas de comércio exterior)
Tesouro Nacional (estatísticas fiscais)
Banco Central (estatísticas fiscais)
Íntegra da pesquisa CNT/MDA
IBGE (dados sociais e econômicos)

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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