O jornalista e analista geopolítico Pepe Escobar fez um balanço da cúpula dos BRICS realizada no Rio de Janeiro em julho de 2025, destacando que o evento superou as expectativas iniciais e representou avanços significativos para o bloco. Em sua análise, Escobar ressaltou que, apesar das baixas expectativas e críticas da mídia mainstream, a cúpula demonstrou a consolidação de uma nova arquitetura geoeconômica mundial.
“Não havia grandes expectativas”, admitiu Escobar, referindo-se ao ceticismo inicial sobre a cúpula realizada no meio do ano, diferentemente das tradicionais reuniões anuais de outubro ou novembro. No entanto, o analista reconheceu que “o balanço desses dois dias, especialmente de dois ou três dias anteriores, a cúpula é excelente”.
Trump ataca BRICS sem causar impacto
Durante a cúpula, o presidente americano Donald Trump voltou a atacar os países do BRICS, ameaçando impor tarifas extras de 10% a todos os membros e associados do bloco por suas políticas “anti-americanas”. Escobar observou que essa foi uma redução significativa em relação às ameaças anteriores de Trump, que chegaram a mencionar tarifas de 100%.
“O condutor circense na Casa Branca resolveu interferir no último dia, no segundo dia antes do fechamento dos BRICS, soltando mais um dos seus ataques infantis de desespero e de gritaria”, comentou Escobar. O analista notou que as ameaças de Trump perderam força: “A primeira vez que ele atacou eram 100% de tarifas. Agora passou a 10%. Próxima vai ser o quê? 0,5%. Ninguém mais nem presta atenção nessa palhaçada.”
A resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi direta e diplomática. Escobar elogiou a postura de Lula: “E eu gostei do presidente Lula falar, olha, ele que dê pitaco, patico, palpite, ou seja, o que for, na terra dele, não aqui. Ótimo. Basta uma frase.”
Nova arquitetura financeira contorna sistema ocidental
Um dos principais avanços da cúpula foi o anúncio de uma nova plataforma financeira que permitirá aos países BRICS realizarem transações sem depender do sistema SWIFT. Segundo Escobar, o ministro das Finanças russo Anton Siluanov foi “a figura mais importante dessa cúpula” ao anunciar essa conquista.
“Siluanov foi quem anunciou que, esse é um projeto russo, os russos no ano passado, nas diferentes modalidades que eles estavam testando de novos arranjos financeiros e geoeconômicos, uma das ideias era como passar ao lado do SWIFT, tecnicamente, de uma maneira extremamente diplomática”, explicou Escobar.
A nova plataforma foi aprovada por todos os membros dos BRICS e também incluirá os países parceiros e membros do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). “Segundo o Siluanov, a única coisa que falta é um grupo de trabalho e começar a trabalhar, que é uma mera formalidade”, destacou o analista.
Escobar classificou essa conquista como “talvez a mais importante de todas” e uma “ligação direta Kazan-Rio”, referindo-se à continuidade dos trabalhos iniciados na cúpula anterior realizada na Rússia.
Delegações de peso compensam ausências
Apesar da ausência dos presidentes Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia), Escobar enfatizou que isso não comprometeu a qualidade da cúpula. “Os BRICS são um processo, eles não dependem de líderes específicos, embora Xi Jinping e Vladimir Putin sejam impulsionadores fundamentais dos BRICS”, observou.
A China enviou seu número dois na hierarquia, enquanto a Rússia compareceu com “a segunda maior delegação com gente de altíssimo escalão”, incluindo Siluanov e Maxim Oreshkin, “que é um dos principais advisors do presidente Putin”, além de representantes da Rostec e Rosatom.
A delegação chinesa também impressionou pela qualidade técnica. Escobar destacou a presença de acadêmicos do Beijing Club, um think tank pequeno mas de “perfil altíssimo”, além de representantes da Academia Chinesa de Ciências Sociais, do Shanghai Institute e das universidades Fudan e Tsinghua.
“Eu tive o prazer de encontrar essa semana aqui muitos deles afiliados ao Beijing Club”, relatou Escobar, mencionando que foi organizada uma sessão fechada na PUC do Rio de Janeiro com “alguns dos melhores acadêmicos chineses” para discussões de alto nível.
Parcerias estratégicas se fortalecem
A cúpula também marcou o fortalecimento de parcerias bilaterais importantes. Escobar destacou que o primeiro-ministro indiano Narendra Modi veio ao Rio com uma delegação de peso para estabelecer uma parceria estratégica com o Brasil. “O Modi quer montar uma parceria estratégica com o Brasil”, afirmou, observando que essa “ligação, especialmente econômica e de parceria estratégica Índia-Brasil está andando”.
Outro avanço significativo foi o anúncio de que o presidente Lula participará da Cúpula da ASEAN em Kuala Lumpur, na Malásia, em outubro. “Isso é de uma importância gigantesca”, avaliou Escobar, explicando que representa “a aproximação, fundamentalmente, de business, América do Sul capitaneada pelo Brasil, digamos, e os 10 do Sudeste da Ásia”.
O analista ressaltou a importância geoeconômica dessa aproximação: “O maior parceiro comercial para os 10 da ASEAN é a China. E o maior parceiro comercial do Brasil é a China também.”
Primeiro-ministro da Malásia impressiona
Uma das figuras que mais chamou a atenção de Escobar foi o primeiro-ministro da Malásia, Anuar Ibrahim, que participou como representante de um dos países parceiros dos BRICS. “O primeiro-ministro da Malásia, Anuar Ibrahim, que é um dos grandes líderes do sul global, esteve aqui”, destacou o analista.
Ibrahim fez uma apresentação no BRICS Business Council que impressionou os participantes. “Ele fez um discurso rápido de entre 10 e 15 minutos lá no início do Business Forum dos BRICS e deu um show. A plateia estava embasbacada, porque a maioria absoluta nunca tinha visto o Anuar em público”, relatou Escobar.
O analista elogiou as qualidades oratórias do primeiro-ministro malaio: “Ele é um excelente orador e ele tem uma capacidade de concisão e explicar… No fundo, ele explicou a razão de ser dos BRICS em menos de 10 minutos, o que muito pouca gente no mundo é capaz de fazer.”
A mensagem de Ibrahim foi particularmente marcante: “E contando, olha, nós somos um mundo novo, nós não somos contra ninguém.” Escobar interpretou essa fala como uma definição do que “os melhores acadêmicos chineses definem, o pós-Ocidente”.
Business Council revela pulso do Sul Global
O BRICS Business Council foi destacado por Escobar como “o evento mais importante dessa cúpula, fora as reuniões de chefes de Estado”. O encontro, realizado na sexta-feira, reuniu empresários de todo o Sul Global em busca de parcerias e financiamentos.
“É onde você sente o pulso do Sul Global, porque você vê businessmen e businesswomen do mundo inteiro, da Nigéria, dos partners, do Sudeste da Ásia, da Malásia, etc, interagindo, mostrando seus projetos e buscando financiamentos para os seus projetos também”, descreveu o analista.
Escobar destacou a participação feminina no evento: “Muito importante, essas associações de mulheres dos BRICS, associações nacionais de mulheres businesswomen dos BRICS nos diversos países, elas estavam todas representadas aqui.” O analista mencionou ter conversado com representantes da Nigéria e do Egito.
O presidente Lula reconheceu essa participação em seu discurso de abertura do último dia do Business Council, “entendendo que esse desnível e essa desigualdade em remuneração e em reconhecimento do sexo feminino na escala de business global está começando a mudar. Está começando a mudar a partir dos BRICS também.”
Nova arquitetura mediática dos BRICS
A cúpula também avançou na criação de uma estrutura de comunicação independente para os países do bloco. Escobar revelou discussões sobre “o início de uma associação mediática intra-BRICS, se expandindo dos nós principais para os outros” e a possibilidade de “constituir um sistema mediático, ainda não se sabe se público ou privado, na verdade um mix dos dois, intra-BRICS também, como se fosse uma agência de notícias BRICS gigante”.
O projeto inclui também um sistema de verificação de informações. “Uma coisa super importante também, que está incluído em tudo isso, que é fact-checking, é você checar informações, checar fontes, que está ligado a uma associação que foi fundada na Rússia e que é uma associação internacional, chama-se Global Fact-Checking Network”, explicou Escobar, que se identificou como um dos representantes dessa rede.
O objetivo é expandir essa estrutura para todos os países BRICS e posteriormente para os parceiros, “ou seja, é a constituição de, digamos, uma matrix mediática dos BRICS fora da dominação da mídia mainstream internacional e das big techs”.
Lavrov responde ao desespero ocidental
Antes mesmo dos ataques de Trump, o ministro das Relações Exteriores russo Sergei Lavrov já havia oferecido uma resposta diplomática às críticas ocidentais. Escobar destacou as palavras de Lavrov, a quem chamou de “o Grand Master, o grande Jedi, Sergei Lavrov, o maior diplomata do planeta em ação”.
Segundo Escobar, Lavrov declarou “que o sistema montado pelo Ocidente depois da Segunda Guerra Mundial está no final e isso os leva a um desespero cada vez maior. É a síntese diplomática do desespero justamente do Ocidente.”
O analista observou que essa análise se reflete na cobertura da mídia ocidental sobre os BRICS: “Vocês olhando as manchetes da imprensa mainstream ocidental sobre os BRICS, é uma maravilha. É a síntese da dissonância cognitiva, da estupidez desmesurada, da falta de informação absoluta, da arrogância absolutamente extrema.”
Escobar atribuiu essa cobertura ao controle das “mídias controladas por um punhado de oligarcas em cada um dos países, inclusive aqui, como vocês sabem melhor do que ninguém”.
Declaração final aborda questões globais
A cúpula resultou em uma declaração final com mais de 130 pontos, que Escobar considerou “muito importante” por denunciar questões cruciais da agenda internacional. O documento abordou “o genocídio em Gaza, os ataques terroristas contra alvos russos, o ataque absolutamente de terror de Estado dos americanos contra as instalações nucleares no Irã”.
Escobar também mencionou discussões sobre inteligência artificial e sua regulação, que foram tratadas “em algumas mesas diretas muito importantes” durante o evento.
A declaração reflete o posicionamento dos BRICS em questões de segurança internacional e direitos humanos, consolidando a posição do bloco como uma voz alternativa na ordem mundial.
Unidade dos BRICS se consolida
Escobar enfatizou que a cúpula demonstrou a consolidação da unidade do bloco, agora composto por dez membros plenos, incluindo a Indonésia e o Irã, além de dez países parceiros. “A unidade dos BRICS agora é explícita”, afirmou o analista.
Entre os parceiros, destacou a presença de vizinhos latino-americanos como Bolívia e Cuba, além de três países do Sudeste Asiático: Vietnã, Malásia e Tailândia. “Três do sudeste da Ásia, que é uma das grandes, grandes fronteiras de desenvolvimento do futuro próximo, como o presidente Putin está sempre falando”, observou Escobar.
O analista ressaltou a importância simbólica da participação do Irã como membro pleno, descrevendo-o como “o Irã atacado pelo Império, membro pleno”, em referência às pressões e sanções ocidentais contra o país.
A presidência dos BRICS passará agora para a Índia no próximo ano, e Escobar expressou expectativas positivas: “A gente espera que, como os russos ajudaram os brasileiros esse ano nessa transição, os brasileiros vão ajudar os indianos para a transição do ano que vem.”
Pós-Ocidente em construção
Em sua análise final, Escobar definiu os BRICS como representantes do “pós-Ocidente”, um conceito que, segundo ele, está sendo articulado pelo bloco. “Nós somos, basicamente, o que os melhores acadêmicos chineses definem, o pós-Ocidente. O pós-Ocidente está sendo articulado pelos BRICS”, declarou.
O analista fez um balanço positivo dos avanços alcançados: “Geoeconomicamente, muito importante. Em termos de organizar uma nova arquitetura financeira e de comércio e de pagamentos de contratos e de articulações comerciais, um grande avanço.”
Escobar concluiu sua análise com uma mensagem de esperança: “O futuro de um mundo possível, coeso, justo, equânime e anti-unilateral continuou a ser forjado no Rio de Janeiro e do Rio de Janeiro por todas as esferas do sul global.”
Para o analista, a cúpula do Rio demonstrou que os BRICS superaram as expectativas iniciais e consolidaram-se como uma alternativa real à ordem unipolar, construindo as bases para um mundo multipolar onde o Sul Global tem voz ativa nas decisões que afetam o planeta.