A Procuradoria-Geral da República (PGR) entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira, 14 de julho, as alegações finais em uma ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados. A manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustenta que houve uma articulação sistemática com o objetivo de promover uma ruptura institucional no país.
No documento, que ultrapassa 500 páginas, Gonet acusa Bolsonaro de cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio público tombado. Segundo ele, as ações atribuídas ao ex-presidente configuram um esforço contínuo, iniciado ainda durante seu mandato e intensificado após o resultado das eleições de 2022.
“As evidências são claras: o réu agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização do Estado Democrático de Direito”, escreveu o procurador-geral no parecer.
A acusação destaca que Bolsonaro não apenas resistiu ao resultado eleitoral, mas atuou para criar um ambiente favorável a uma ruptura. A PGR alega que houve o uso da máquina pública e de recursos do Estado para fomentar atos de radicalização. “As ações de Jair Messias Bolsonaro não se limitaram a uma postura passiva de resistência à derrota, mas configuraram uma articulação consciente para gerar um ambiente propício à violência e ao golpe. O controle da máquina pública, a instrumentalização de recursos do Estado e a manipulação de suas funções foram usados para fomentar a radicalização e a ruptura da ordem democrática”, diz a peça apresentada ao STF.
Além de Bolsonaro, são réus no processo o tenente-coronel Mauro Cid, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e os ex-ministros Augusto Heleno, Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. A PGR os identifica como integrantes do “núcleo crucial” da organização criminosa que estaria por trás da tentativa de golpe.
O documento afirma que as ações do grupo foram registradas em detalhes, com uso de diferentes formas de documentação. “A organização criminosa documentou a quase totalidade das ações narradas na denúncia, por meio de gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens eletrônicas, tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva”, escreveu Gonet.
Um dos principais pontos das alegações finais é o depoimento de comandantes das Forças Armadas, que afirmaram ter recebido propostas para decretos considerados inconstitucionais. O então comandante do Exército, Freire Gomes, e o da Aeronáutica, Baptista Junior, relataram pressões para aderir ao plano. “As testemunhas ouvidas em juízo, especialmente os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, confirmaram que lhe foram apresentadas, em mais de uma ocasião, minutas que decretavam medidas de exceção, cujos fundamentos não se ajustavam às hipóteses constitucionais e de consequências impensáveis no Estado Democrático de Direito”, afirmou Gonet.
Segundo a PGR, o objetivo do plano era anular o resultado das eleições de 2022, prender autoridades públicas e intervir nos tribunais. Embora o ataque às sedes dos Três Poderes, ocorrido em 8 de janeiro de 2023, não estivesse inicialmente previsto, o órgão entende que passou a ser visto pelo grupo como uma alternativa possível diante do insucesso de outras tentativas. “O ataque de 8 de janeiro de 2023 […] passou a ser desejado e incentivado quando se tornou a derradeira opção disponível”, apontou Gonet. Ele também destacou que os manifestantes exaltavam a figura de Bolsonaro, cuja retórica teria influenciado diretamente os atos.
O processo está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes e será analisado pela Primeira Turma do STF, composta ainda pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. A expectativa é de que o julgamento ocorra até setembro deste ano.
No andamento processual, Mauro Cid, por ter firmado acordo de delação premiada, será o primeiro a apresentar as alegações finais. Os demais réus terão prazo de 15 dias para apresentar suas defesas. O general Walter Braga Netto, único entre os acusados que permanece em prisão preventiva, seguirá com prazo processual mesmo durante o recesso do Judiciário em julho.
Na conclusão do parecer, a Procuradoria afirma que as evidências são suficientes para sustentar a acusação. “Não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados”, concluiu o procurador-geral.
O julgamento deverá definir a eventual responsabilização dos acusados pelos crimes apontados, com base no conjunto de provas reunidas desde o início das investigações.