A chantagem de Trump: como Bolsonaro transformou o presidente americano em arma contra o Brasil

Paulo Figueiredo (à esquerda) e Eduardo Bolsonaro (à direita) após reunião na Casa Branca — Foto: Reprodução/X

Neste momento em que Bolsonaro enfrenta um julgamento que pode levá-lo à prisão, Donald Trump desfere um golpe econômico contra o Brasil: tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros a partir de 1º de agosto. A carta enviada a Lula em 9 de julho não deixa dúvidas – é uma chantagem explícita para proteger o ex-presidente brasileiro.

“A partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras”, escreveu Trump, classificando o julgamento de Bolsonaro como “vergonha internacional”. O que parece improviso é, na verdade, o resultado de uma estratégia documentada por pesquisadores brasileiros.

Um estudo acadêmico recém-publicado pelos cientistas políticos Guilherme Casarões (FGV) e Dawisson Belém-Lopes (UFMG) na revista Política y Sociedad analisou exatamente este tipo de cenário. Os autores aplicaram os métodos de concordância e diferença de J.S. Mill para analisar como o partidismo transnacional funciona na prática.

A teoria do partidismo transnacional

Os pesquisadores definem partidismo transnacional como “o fenômeno onde atores políticos desenvolvem e expressam alinhamentos ideológicos que transcendem fronteiras nacionais”. Sua hipótese central é que “movimentos fora do poder mobilizam laços transnacionais para dois propósitos: sustentar políticas implementadas por suas respectivas administrações e fortalecer narrativas que facilitem seu retorno à presidência”.

O estudo comparou as estratégias do PT (2003-2016 no poder, 2016-2022 na oposição) com as do bolsonarismo (2018-2022 no poder, 2023-2024 na oposição). “Há um aumento visível na intensidade com que partidos e políticos se alinham com aliados ideológicos além das fronteiras”, escrevem os autores.

Casarões e Belém-Lopes identificaram uma transformação: “A política externa brasileira, antes considerada arena de consenso conduzida por instituições diplomáticas, se transformou em campo de batalha onde grupos ideológicos disputam influência tanto domesticamente quanto no exterior”.

Para o bolsonarismo, os pesquisadores documentaram como “Eduardo Bolsonaro desempenhou papel-chave forjando conexões com Steve Bannon, aliados de Trump e políticos republicanos americanos”. A estratégia seguiu um padrão identificável.

A metodologia científica aplicada

Os autores utilizaram metodologia para comprovar suas hipóteses. “Aplicamos os métodos de concordância e diferença de J.S. Mill para avaliar o desenvolvimento das alianças transnacionais”, explicam no estudo. A pesquisa analisou “fontes documentais oficiais e relatos jornalísticos para fornecer elementos factuais”.

O método de concordância identificou que tanto PT quanto bolsonarismo usaram redes transnacionais quando na oposição. O método de diferença revelou estratégias distintas: “O PT focou solidariedade com movimentos esquerdistas globais, enquanto o bolsonarismo cultivou alianças com figuras conservadoras globais e movimentos de extrema-direita”.

No poder, “Bolsonaro garantiu endorsements públicos de líderes globais de extrema-direita, incluindo Trump, Orbán (Hungria), Abascal (Vox da Espanha), Ventura (Chega de Portugal), Kast (Chile) e Milei (Argentina)”. Na oposição, “Eduardo Bolsonaro liderou múltiplas delegações a Washington e ao Parlamento Europeu, fazendo lobby contra a administração Lula e o Supremo Tribunal Federal”.

O arquiteto da rede transnacional

Eduardo Bolsonaro emerge como caso de estudo do que os pesquisadores chamam de “articulador transnacional”. O deputado gastou R$ 127 mil de verba pública para participar de “eventos bolsonaristas na Europa”, conforme documentado pela Agência Pública.

A pesquisa identifica marcos específicos: “Eduardo Bolsonaro participou do aniversário de Steve Bannon em 2018, iniciando parceria que se estenderia por anos”. O CPAC Brasil de 2021 representou “momento de consolidação das alianças conservadoras”, reunindo figuras da extrema-direita global.

Os autores documentam como “Eduardo Bolsonaro também desempenhou papel na ligação da campanha de Javier Milei na Argentina com Trump e a extrema-direita global”. Esta articulação exemplifica o que chamam de “estratégia de duplo propósito”: manter continuidade política e preparar retorno ao poder.

Quando Bolsonaro precisou de apoio internacional, “apoiadores de Bolsonaro aproveitaram a influência de Elon Musk para galvanizar protestos e enquadrar o Brasil como exemplo de batalha global por liberdade de expressão e valores conservadores”.

A guerra econômica como instrumento político

As tarifas de Trump validam a teoria dos pesquisadores. “Trump ameaçou anteriormente membros do grupo BRICS – do qual o Brasil faz parte – com tarifas, acusando esses países de posições anti-americanas”, conforme previsto no estudo.

Os dados econômicos mostram que US$ 40 bilhões em exportações anuais brasileiras para os EUA enfrentarão sobretaxas de 50%. São Paulo, responsável por um terço dessas exportações, será o estado mais impactado. “Trump sinalizou que a menção a Bolsonaro e ao STF pode ter sido mero pretexto”, analisam os pesquisadores.

A estratégia confirma a hipótese central: “Bolsonaro e seus apoiadores enquadraram sua luta política como parte de uma ‘revolução conservadora’ global, visando questões como valores familiares, liberalismo econômico e anti-globalismo”.

Implicações para a democracia global

Os pesquisadores alertam para consequências: “As implicações dessas tendências são significativas. A politização da política externa arrisca polarizar a abordagem diplomática do Brasil, potencialmente isolando-o da cooperação multilateral e aumentando tensões domésticas”.

“Conforme grupos ideológicos continuam se mobilizando além das fronteiras, a democracia brasileira pode enfrentar testes de resistência, particularmente sobre o papel de atores estrangeiros em moldar a opinião pública e influenciar resultados eleitorais”, observam Casarões e Belém-Lopes.

O caso brasileiro estabelece precedente: “A evolução da política externa do Brasil e seu entrelaçamento com agendas partidárias permanecerá indicador crítico da direção política do país, refletindo lutas mais amplas entre forças ideológicas globalizadas e a busca por coesão nacional”.

A conclusão dos pesquisadores indica que “O caminho do Brasil será moldado não apenas por estratégias políticas domésticas, mas por seu posicionamento dentro de um cenário interconectado e globalmente partidário”. Trump agora materializa essa previsão em chantagem econômica.

O estudo aponta que “O transnacionalismo tem sido fator crucial no sucesso político destes movimentos”. A teoria acadêmica se manifesta na realidade geopolítica. O Brasil enfrenta agora uma escolha: ceder à pressão externa ou defender suas instituições democráticas. O preço da soberania pode ser medido em tarifas de 50%.

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