STF, CVM e Congresso dos EUA acompanham o rastro da operação cambial que envolveu bilhões e pode expor um novo elo entre política e crime financeiro
A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) neste sábado (19) para que apure possíveis irregularidades envolvendo o uso de informações privilegiadas no mercado de câmbio, com foco em transações suspeitas de compra de dólares ocorridas pouco antes do anúncio do aumento de tarifas contra produtos brasileiros feito por Donald Trump. A medida, classificada como urgente, foi enviada na forma de notícia de fato e adicionada à Petição 14.129, que já investiga a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em possíveis ações de coação internacional contra o Judiciário brasileiro.
O pano de fundo da nova frente de apuração é a escalada de tensões entre o governo brasileiro e o entorno do ex-presidente dos Estados Unidos, que vem ameaçando o Brasil com sanções econômicas em razão do andamento das investigações contra Jair Bolsonaro e seus aliados. No documento protocolado no STF, a AGU afirma que a iniciativa de Trump visa gerar instabilidade econômica e política no país, com o objetivo de pressionar instituições brasileiras, sobretudo o Poder Judiciário.
— A implementação do aumento de tarifas tem como finalidade a criação de uma grave crise econômica no Brasil, para gerar uma pressão política e social no Poder Judiciário e impactar as relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos da América — afirma o órgão, em nota oficial.
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Transações fora do padrão antes do anúncio
As suspeitas ganharam corpo após reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, revelar uma movimentação atípica no mercado de câmbio no dia 9 de julho — três horas antes do anúncio de Trump sobre o tarifaço, que fixou uma taxa de 50% sobre todas as exportações brasileiras a partir de 1º de agosto.
De acordo com o investidor Spencer Hakimian, fundador de um fundo em Nova York, foi registrada uma compra de entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões em dólar a um preço abaixo do mercado. Minutos após o anúncio do ex-presidente americano, os valores teriam sido revendidos com lucro imediato, em função da valorização da moeda frente ao real.
— Não é o padrão normal das transações com o real naquele dia. Então, pode ter sido qualquer um que sabia desde o começo. E vamos ter que esperar para ver quem realmente foi — declarou Hakimian ao telejornal.
A operação incomum levantou sérias suspeitas de vazamento de informação confidencial, o que configuraria crime financeiro de grande proporção. A AGU defende que, se comprovado o uso ilegal de dados privilegiados, os envolvidos podem ser responsabilizados criminal, civil e administrativamente.
Interferência internacional e ações coordenadas

A petição também amplia o escopo da investigação em curso contra Eduardo Bolsonaro, apontando indícios de que o deputado estaria utilizando conexões internacionais como forma de intimidar e tentar obstruir o andamento do processo penal contra seu pai. A AGU se refere diretamente à ameaça recente de “severas sanções financeiras” contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, feita por aliados do ex-presidente em solo americano.
Esse suposto esforço articulado entre Jair e Eduardo Bolsonaro para influenciar decisões da Justiça brasileira, segundo a AGU, pode configurar uma tentativa deliberada de comprometer a soberania institucional do país.
Além do pedido ao Supremo, o órgão solicitou que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também seja acionada de forma imediata para investigar os indícios no âmbito do mercado financeiro, possivelmente em cooperação com outras autoridades nacionais e internacionais. A CVM pode atuar, por exemplo, rastreando as corretoras e instituições que realizaram a operação cambial de grande volume antes da disparada do dólar.
Pressão interna nos EUA
Nos Estados Unidos, o caso não passou despercebido. A movimentação atípica no câmbio brasileiro chamou atenção de parlamentares da oposição no Congresso americano, que levantaram suspeitas de que pessoas próximas a Trump estariam lucrando com acesso antecipado a decisões presidenciais, numa possível repetição de práticas já investigadas em outras ocasiões.
Embora tenham solicitado uma investigação formal, a proposta não foi aprovada até o momento. Ainda assim, o episódio reacendeu o debate sobre ética e conflitos de interesse na política americana, especialmente no que diz respeito ao uso de informações confidenciais em benefício pessoal ou de grupos aliados.
O que está em jogo
A ofensiva da AGU marca um novo capítulo no crescente confronto institucional que opõe o Brasil democrático à retórica beligerante de Trump e seus aliados. A possibilidade de uma ação coordenada envolvendo ataques diplomáticos, ameaças financeiras e manipulação de mercado coloca o episódio num patamar mais amplo, em que as fronteiras entre política, Justiça e economia se confundem.
Para o governo brasileiro, a resposta precisa ser firme, com reforço à independência do sistema judicial e aos mecanismos de proteção econômica. Para o STF, é mais um sinal de que os efeitos do 8 de janeiro de 2023 continuam reverberando — agora em escala global.
A expectativa é que o caso seja analisado com prioridade assim que o Supremo retomar suas atividades após o recesso. Resta saber se o rastro de dólares negociados antes do tarifaço levará aos responsáveis — e quais serão as consequências caso fique comprovado que informações sigilosas foram usadas para lucrar às custas da soberania brasileira.
Empresas dos EUA se unem ao Brasil contra tarifa de Trump e reforçam defesa do livre comércio

Em meio à escalada de tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, representantes de algumas das maiores empresas americanas com operações no território brasileiro declararam apoio formal ao governo brasileiro na tentativa de reverter a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, anunciada pelo ex-presidente Donald Trump. A medida está prevista para entrar em vigor a partir de 1º de agosto e já provocou reações diplomáticas e institucionais dos dois lados.
A declaração de apoio foi feita durante uma reunião realizada nesta quarta-feira (16/7), em Brasília, comandada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin. O encontro reuniu membros da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) e do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, e contou com a participação de executivos da Amazon, Coca-Cola, General Motors, Caterpillar, MedTech, John Deere, Dow, Sylvamo e Corteva Agriscience, entre outras.
Durante a reunião, Alckmin destacou que tanto a Amcham quanto a US Chamber of Commerce, entidade norte-americana equivalente, divulgaram uma nota conjunta em que defendem abertamente a busca por uma solução negociada, e se colocam contra a imposição unilateral de tarifas com motivação política.
— Tanto a Amcham quanto a US Chamber fizeram uma nota conjunta. E nessa nota, elas colocam a sua posição favorável à negociação e que se possa rever a questão das alíquotas, afirmou Alckmin.
O documento alerta que a adoção de tarifas como instrumento de pressão em temas políticos “tem o potencial de causar danos graves a uma das relações econômicas mais importantes dos Estados Unidos, além de estabelecer um precedente preocupante”.
Aliança estratégica entre empresas brasileiras e americanas
Para o vice-presidente, a resposta deve ser coletiva e integrada, com empresas brasileiras e americanas atuando juntas para defender o comércio bilateral e evitar prejuízos econômicos de grande escala.
— Nós queremos todo mundo unido para resolver essa questão. E as empresas têm um papel importante, tanto as brasileiras — que, em muitos casos, também possuem fábricas nos EUA — quanto as americanas, que estão há décadas investindo no Brasil, afirmou Alckmin, lembrando que participou do centenário da General Motors no país e mencionando outras gigantes como Johnson & Johnson e Caterpillar, com presença histórica no território brasileiro.
Representantes do setor empresarial reforçaram que a tarifa de Trump, se implementada, traria perdas para ambos os lados. O presidente da Amcham Brasil, Abrão Neto, ressaltou que cerca de 10 mil empresas brasileiras exportam para os EUA, gerando mais de 3,2 milhões de empregos diretos no Brasil. Segundo ele, o clima entre os empresários é de busca por diálogo e negociação, sem espaço para confrontos unilaterais.
— O nosso desejo, que é um sentimento unânime no setor empresarial aqui no Brasil, é de se buscar a construção de uma solução negociada entre os dois governos e que aconteça de maneira a impedir um aumento tarifário, afirmou. O setor empresarial tem buscado contribuir com o governo brasileiro e também com o governo americano, compartilhando suas percepções sobre os impactos dessa medida, completou.
Carta diplomática e defesa ambiental

Na reunião, Alckmin revelou ainda que o governo brasileiro enviou uma nova carta ao governo dos EUA, reiterando o pedido de resposta à correspondência anterior, enviada em 16 de maio, com propostas concretas para destravar um novo entendimento comercial. A proposta brasileira, segundo ele, é baseada na lógica de complementariedade econômica e no crescimento do comércio exterior como motor de emprego e renda.
O vice-presidente também se posicionou sobre a investigação aberta nos Estados Unidos com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que apura supostos entraves comerciais impostos pelo Brasil. Entre os pontos sob análise estão temas como desmatamento, sistema de propriedade intelectual e o PIX — este último, um dos sistemas de pagamento instantâneo mais elogiados no mundo.
Alckmin rebateu as alegações americanas, afirmando que o desmatamento no Brasil está em queda, graças a políticas de combate e metas firmes de preservação. Ele citou, como exemplo, o compromisso com desmatamento ilegal zero e programas de recomposição florestal financiados com recursos do Fundo do Clima.
Além disso, defendeu a matriz energética limpa do Brasil e medidas em curso como o mercado regulado de carbono e a Lei do Combustível do Futuro, que posicionam o país como líder nas discussões sobre sustentabilidade.
— O Brasil é hoje um exemplo para o mundo em energia limpa e combate ao desmatamento. Temos a maior floresta tropical do planeta e políticas robustas para protegê-la, afirmou. O PIX, inclusive, é um sucesso internacional e exemplo de inovação tecnológica financeira, disse.
Clima de urgência
Com o prazo se aproximando, a mobilização do governo brasileiro e do setor empresarial é intensa. A expectativa é que os esforços diplomáticos possam surtir efeito antes de 1º de agosto, quando a tarifa de 50% anunciada por Trump passaria a vigorar.
Enquanto isso, em meio às incertezas, um ponto parece pacificado: a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos é valiosa demais para ser colocada em risco por divergências políticas. E agora, além de governos, é o próprio mercado que pressiona por bom senso.
Com informações do Consultor Jurídico e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços


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