Pesquisa Genial e Quaest revela que a maior parte dos brasileiros acreditam que as emendas parlamentares se perdem na corrupção e raramente chegam às comunidades
Uma onda de descrença toma conta do sentimento popular quando o assunto é o destino do dinheiro público no Brasil. Uma pesquisa realizada pelas instituições Genial e Quaest, divulgada nesta segunda-feira (21), revela um dado alarmante: 82% dos brasileiros acreditam que as emendas parlamentares — recursos destinados por deputados e senadores a municípios para obras, saúde, educação e outras áreas — acabam sendo alvo de corrupção e raramente chegam ao seu destino final.
O número expõe uma profunda desconfiança da população em relação à atuação do Congresso Nacional e ao caminho que percorrem os recursos públicos antes de alcançar as comunidades que deveriam se beneficiar. Apenas 9% dos entrevistados afirmaram acreditar que os repasses realmente chegam às cidades indicadas pelos parlamentares. Outros 9% disseram não saber ou preferiram não responder, o que reforça o clima de incerteza e desinformação sobre o tema.
A sondagem ouviu 2.004 pessoas em diferentes regiões do país entre os dias 10 e 14 de julho, em um levantamento com margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, e nível de confiança de 95%. O resultado, portanto, reflete com precisão o pensamento majoritário da sociedade brasileira diante de um mecanismo que, embora previsto na Constituição, carrega há décadas o peso das suspeitas de mau uso.
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As emendas parlamentares, especialmente as chamadas “emendas de relator” e “orçamento secreto”, já foram centro de escândalos investigados pela Justiça e pela imprensa nos últimos anos. Casos como o “orçamento paralelo” do governo Bolsonaro, denunciado em 2022, alimentaram ainda mais o ceticismo da população. Muitos veem esses repasses não como ferramentas de desenvolvimento regional, mas como moeda de troca política, usada para garantir apoio legislativo em troca de verbas distribuídas sem transparência.
Além da desconfiança, a pesquisa mostra também um déficit de informação entre os cidadãos. Quando questionados se sabiam que parlamentares dispõem, juntos, de cerca de R$ 50 bilhões em emendas para distribuir aos municípios, a maioria esmagadora — 72% — respondeu que não tinha conhecimento desse valor. Apenas 27% admitiu estar informada sobre o montante, enquanto 1% não soube responder.
Esse dado é preocupante porque evidencia que, mesmo em um país onde o debate fiscal e o controle do gasto público são cada vez mais urgentes, grande parte da população ainda está à margem das informações básicas sobre como funciona a destinação de recursos federais. Sem esse conhecimento, fica difícil exigir prestação de contas ou fiscalizar os representantes eleitos.
Governo anuncia pedágio de 1% sobre emendas Pix
Em mais um capítulo da complexa relação entre parlamentares, repasses públicos e fiscalização, o governo federal anunciou uma medida inédita que começa a valer nas próximas semanas: uma retenção de 1% sobre os valores das chamadas emendas Pix. A decisão, ainda em fase de portaria, foi confirmada pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e tem como justificativa principal o fortalecimento da transparência nos repasses feitos diretamente por deputados e senadores aos municípios.
A partir de agora, cada vez que um parlamentar indicar recursos por meio da emenda Pix — modalidade criada em 2019 para agilizar a liberação de verbas federais — o governo irá descontar 1% do valor total antes mesmo de o dinheiro ser liberado. Esse montante será direcionado exclusivamente para melhorias na plataforma Transferegov.br, sistema responsável por centralizar informações sobre transferências de recursos da União para estados e prefeituras.
A medida, embora técnica, carrega peso político. Em 2025, o volume total previsto para as emendas Pix é de R$ 7,3 bilhões. Isso significa que, com a cobrança de 1%, o governo espera arrecadar cerca de R$ 73 milhões apenas neste ano — recursos que, segundo o Ministério da Gestão, serão usados para aprimorar ferramentas digitais, garantir maior rastreabilidade dos dados e fortalecer mecanismos de controle social, como determina o Supremo Tribunal Federal (STF).
A emenda Pix, revelada originalmente pelo jornal Estadão, surgiu como uma alternativa rápida e menos burocrática para destinar verbas. Diferente das emendas tradicionais, que passam por ministérios e têm finalidades específicas, esse tipo de repasse vai direto do Tesouro Nacional para os cofres municipais ou estaduais, sem vinculação a projetos pré-definidos. A ideia inicial era agilizar obras e serviços essenciais. Na prática, porém, a falta de acompanhamento abriu espaço para irregularidades.
Apesar das decisões do STF exigindo maior transparência — como a obrigatoriedade de os municípios apresentarem planos de trabalho e prestações de contas detalhadas —, o cumprimento tem sido parcial. Um relatório do próprio Ministério da Gestão enviado ao STF mostra que, em 2024, seis em cada dez documentos entregues pelos municípios não informavam sequer onde o dinheiro seria aplicado. Em alguns casos, faltava até o plano básico de execução.
Situações extremas foram identificadas: o Estado do Pará e 860 prefeituras não enviaram nenhum plano de trabalho referente às emendas recebidas entre 2020 e 2024. Por isso, conforme decisão judicial e normas do governo, esses entes estão proibidos de receber novos repasses em 2025 até regularizarem a situação. O Espírito Santo também teve seu plano reprovado e está impedido de acessar novos recursos.
O descontado de 1% agora entra como uma espécie de contrapartida estrutural. Embora a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 autorize taxas de até 4,5% sobre essas emendas, o governo optou por começar com 1%, de forma opcional e com destino claro: tecnologia e transparência. “Essa retenção pode ser utilizada com a cobertura dos custos operacionais, a manutenção e o desenvolvimento de sistemas estruturantes vinculados às transferências”, explicou o Ministério da Gestão. “Trata-se de uma previsão que visa garantir sustentabilidade às soluções tecnológicas que viabilizam a transparência, o controle e a melhoria do processo de execução dessas emendas.”
A plataforma Transferegov.br é peça central nesse esforço. É nela que os municípios devem registrar seus planos de aplicação dos recursos e prestar contas após a execução. Também é por meio dela que cidadãos, órgãos de controle e a própria União podem acompanhar se o dinheiro chegou, foi bem usado e gerou resultado. O objetivo do governo é tornar esse sistema mais ágil, intuitivo e completo — e os recursos da nova taxa serão fundamentais para isso.
No entanto, a emenda Pix continua cercada de polêmicas. Já houve casos registrados pela Controladoria-Geral da União (CGU) de recursos sendo usados para pagar salários de servidores — o que é proibido —, financiar shows em cidades em estado de calamidade financeira ou contratar ONGs sem capacidade técnica para executar os projetos. Além disso, obras com preços muito acima do mercado já foram identificadas, levantando suspeitas de superfaturamento.
Inicialmente, a criação da emenda Pix foi vista por parlamentares como uma forma de escapar das taxas cobradas pela Caixa Econômica Federal para administrar as emendas tradicionais. Mas, na ausência de regras claras, o modelo acabou se transformando em um canal de repasse com pouca prestação de contas e alto risco de mau uso.
Mesmo com as mudanças impostas pelo STF, a adesão dos parlamentares à emenda Pix diminuiu, mas ela segue sendo a modalidade mais utilizada no Legislativo. Os dados mostram uma curva ascendente no Orçamento: em 2020, foram R$ 0,62 bilhão; em 2025, saltará para R$ 7,34 bilhões. Um crescimento exponencial que exige, cada vez mais, mecanismos eficazes de controle.
Com a nova taxa, o governo tenta equilibrar dois lados: por um lado, reconhece que os parlamentares continuarão destinando recursos diretamente; por outro, impõe uma condição clara — parte do valor será investido em transparência. “Essa melhoria do processo beneficia também o cidadão, que poderá exercer o controle social de tudo que é operacionalizado dentro da plataforma Transferegov.br”, destacou o Ministério da Gestão.
Agora, resta saber se essa mudança será suficiente para recuperar a confiança de uma população que, segundo a pesquisa Genial/Quaest, vê com grande desconfiança o destino das emendas parlamentares. Se os R$ 73 milhões gerados pela taxa forem realmente aplicados em transparência — e não engolidos pela máquina pública —, pode ser o primeiro passo rumo a um uso mais ético e eficaz do dinheiro dos brasileiros.
Com informações da CNN e do Estadão