Como Trump forçou um acordo comercial humilhante à União Europeia,
O acordo comercial firmado em 27 de julho de 2025 entre Estados Unidos e União Europeia é visto por muitos analistas como uma capitulação histórica, que lembra os “tratados desiguais” impostos à China pelos impérios ocidentais durante o seu “século de humilhação”, no século XIX. Naquele período, potências como Reino Unido, França e Japão usaram sua superioridade militar para impor tarifas e concessões comerciais unilaterais à China, obrigando-a a abrir portos, ceder territórios e pagar indenizações.
Hoje, a União Europeia se vê em posição semelhante: para evitar uma guerra tarifária, aceitou uma tarifa média de 15 % sobre suas exportações aos EUA, bem acima dos 1,47 % que vigoravam antes da guerra comercial. Donald Trump tinha ameaçado elevar essa tarifa a 30 %, mas reduziu a imposição para 15 % em troca de obter concessões muito mais amplas. Produtos norte-americanos, como automóveis, aeronaves e alguns químicos, entraram no mercado europeu com tarifas baixíssimas ou nulas, enquanto setores nos quais a Europa é competitiva – como aço, alumínio e farmacêuticos – ficaram de fora do acordo e continuam taxados em 50 %.
A humilhação vai além dos números. O encontro entre Trump e Ursula von der Leyen aconteceu no campo de golfe de Trump em Turnberry, na Escócia, uma propriedade particular do presidente norte-americano. Um local neutro, em Bruxelas ou Washington, daria um sinal de equilíbrio; ao aceitar a reunião em um resort privado de Trump, a comitiva europeia reforçou o simbolismo de que estava numa posição de subordinada. Além disso, a União Europeia aceitou investir 600 bilhões de dólares na economia dos EUA e comprar 750 bilhões de dólares em energia norte-americana nos próximos três anos. Trump celebrou o resultado como “o maior acordo já feito”.
A União Europeia tentou apresentar o pacto como um ganho de “estabilidade e previsibilidade”, mas muitos analistas enxergam um tributo modernizado. A estratégia de Trump foi clara: conceder algum alívio tarifário em setores em que os EUA precisam acessar o mercado europeu, enquanto preservava cartas para futuras chantagens. Medicamentos e semicondutores ficaram fora do acordo; hoje são aço e remédios, amanhã podem ser chips e tecnologia.
A crítica de Arnaud Bertrand e Olivier Blanchard
Os críticos europeus foram severos. O economista francês Arnaud Bertrand ridicularizou declarações de von der Leyen de que o gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos seria “mais acessível” que o gás russo fornecido por gasodutos. Bertrand lembrou que o gás entregue por dutos diretamente de países vizinhos é, por definição, mais barato: o GNL precisa ser liquefeito, transportado em navios, atravessar o Atlântico e ser regaseificado ao chegar, o que multiplica seu custo. Para ele, as elites europeias tentam justificar a subordinação aos EUA com argumentos que não se sustentam.
O ex-economista-chefe do FMI Olivier Blanchard também classificou o acordo como uma rendição. Ele argumentou que os europeus já haviam sido “simpáticos” com Washington quando abriram mão do imposto digital e nada colheram em troca. Blanchard defendeu uma “retaliação inteligente”, coordenando tarifas com outros países afetados pelo tarifaço, e lamentou que a Europa tenha perdido uma oportunidade de se unir e negociar em melhores condições. Outra voz, a do político francês Thierry Mariani, ecoou a crítica: disse que a União Europeia não negociou, rendeu-se.
Acordo sem compromisso
O ceticismo sobre a durabilidade do pacto é alimentado pelo próprio histórico de Trump. Nos últimos anos ele rasgou o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica, renegociou o NAFTA em termos mais favoráveis aos EUA e impôs tarifas unilaterais a aliados como Coreia do Sul e Japão, sempre que julgou conveniente. Se Trump considerar mais vantajoso romper o trato com a Europa, não há garantia de que o acordo sobreviverá.
Ao fim, a União Europeia aceitou investir centenas de bilhões de dólares e abrir seu mercado em troca de um alívio parcial nas tarifas. Setores estratégicos permaneceram nas mãos de Trump para futuras barganhas e não há certeza de que o acordo dure. Este episódio será lembrado, para muitos, não como um reequilíbrio, mas como uma capitulação: diante da ameaça, a UE preferiu a humilhação à resistência.