BBC: Tarifas de Trump atingem mais forte Estados bolsonaristas

Medida econômica amplia crise diplomática e isola ainda mais a figura de Bolsonaro no cenário internacional, agora com apoio direto do filho "exilado" / Agência Brasil

Estados que mais votaram em Bolsonaro são os mais afetados por tarifas americanas que excluem carne, frutas e café das isenções anunciadas


A decisão do presidente americano Donald Trump de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pode ter um impacto desigual no país. Mesmo com uma longa lista de isenções divulgada na quarta-feira (30), os Estados brasileiros que mais apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro nas últimas eleições tendem a ser os mais afetados pela medida.

Os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) mostram que sete Estados concentraram mais de 80% de todas as exportações brasileiras para os Estados Unidos no ano passado: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No total, o Brasil enviou cerca de US$ 40 bilhões em produtos aos EUA em 2024.

Dos 7 estados que mais exportaram* para os EUA em 2024, 6 deram mais votos a Bolsonaro e um a Lula / Gráfico: BBC

Apesar disso, nem todos os setores ficarão isentos do aumento tarifário. Produtos como carne, frutas e café — que são exportados em grande volume pelos Estados com maior base eleitoral de Bolsonaro — não entraram na lista de exceções divulgada pelo governo americano.

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“A lista de isenções atenua parcialmente os efeitos da tarifa, mas ainda há um impacto expressivo sobre setores estratégicos da economia brasileira”, afirmou a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), destacando que as exceções representam cerca de 43,4% do total das exportações brasileiras para os EUA.

Entre os produtos isentos estão setores considerados estratégicos para a economia nacional, como petróleo, polpa e suco de laranja, aviões comerciais, minerais, produtos energéticos, metais básicos, fertilizantes, papel e celulose, além de alguns produtos químicos e bens para aviação civil.

São Paulo, sozinho, concentra mais de 30% do total das exportações brasileiras para os EUA, com US$ 13,5 bilhões em 2024. O Porto do Rio de Janeiro, por sua vez, é uma das principais portas de escoamento desses produtos.

A medida entra em vigor no dia 6 de agosto, depois de ter sua implementação adiada em alguns dias. Inicialmente, a previsão era que as tarifas começassem a valer já na sexta-feira (1º).

Motivação política

Um dos motivos apontados por Trump para a imposição das tarifas foi o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro pela Justiça brasileira. Bolsonaro responde a acusações de envolvimento em tentativas de golpe de Estado e, em 13 de julho, publicou em sua conta no X uma mensagem sugerindo que sua anistia poderia resolver a ameaça das tarifas.

“Em havendo harmonia e independência entre os Poderes nasce o perdão entre os irmãos e, com a anistia também a paz para a economia”, escreveu o ex-presidente.

A Amcham Brasil ressaltou que, mesmo com as isenções, “produtos que ficaram de fora da lista continuam sujeitos ao aumento tarifário, o que compromete a competitividade de empresas brasileiras e, potencialmente, cadeias globais de valor”.

Reações políticas

Para analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, o impacto das tarifas pode acabar desgastando ainda mais a imagem do bolsonarismo junto ao eleitorado, mas abre espaço para que outros presidenciáveis de direita se distanciem do legado do ex-presidente.

Eduardo Bolsonaro, filho mais velho de Jair Bolsonaro, defendeu publicamente as medidas de Trump em sua conta no X, classificando-as como “uma resposta legítima às agressões do regime brasileiro contra interesses e cidadãos americanos”.

O deputado federal, que se licenciou do cargo e se mudou para os Estados Unidos, afirmou que a “insistência na repressão política levará a um isolamento crescente, com efeitos duradouros sobre a economia e as relações internacionais do Brasil”. Eduardo assina suas publicações como “deputado federal em exílio”.

Ele tem se dedicado a convencer o governo Trump a atuar pela anistia dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro no Brasil e a obter sanções contra o ministro do STF Alexandre de Moraes, que foi sancionado pela Lei Magnitsky.

“A carta de Trump apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade”, escreveu Eduardo após o anúncio das tarifas.

Nas redes sociais, ele tem criticado políticos que condenam as medidas comerciais dos EUA, mas não se posicionam pela anistia de seu pai e dos presos pelas manifestações de 8 de janeiro. “É impressionante que políticos se movam mais orientados por questões econômicas do que de liberdade”, comentou em uma publicação.

Em maio deste ano, o STF abriu um inquérito para investigar Eduardo Bolsonaro a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). A investigação foi instaurada após a PGR afirmar que “as retaliações buscadas, concatenadas e anunciadas intrepidamente contra as autoridades responsáveis pela condução dos casos mencionados nesta peça se assomam como graves atos de interferência sobre o livre exercício dos Poderes Constitucionais.”

A complexa teia de interesses econômicos, políticos e jurídicos envolvendo as relações entre Brasil e Estados Unidos continua a se desenhar, com impactos que podem ultrapassar o âmbito comercial e afetar profundamente o cenário político interno do país.

“Janela de oportunidade para a direita”

O professor de Ciência Política da FGV Carlos Pereira afirma que as tarifas impostas por Trump podem afetar setores que historicamente são aliados de Bolsonaro. Para ele, a medida acabou tendo o efeito contrário ao pretendido pelo governo americano.

“Esse tarifaço teve como motivação uma tentativa de fragilizar a suprema corte perante a sociedade e, consequentemente, fortalecer a direita. Só que o tiro saiu pela culatra, não foi isso que aconteceu”, diz Pereira. “Como demonstrado nesses dados levantados pela BBC, vários desses Estados em que Bolsonaro foi muito bem votado são os que mais vão perder.”

Ele vê a situação, no entanto, como uma janela de oportunidade para outras lideranças de direita se destacarem. “A direita tem uma chance de ouro de se livrar de Bolsonaro. É algo que a esquerda teve no passado, quando Lula foi preso. Mas não conseguiu e Lula conseguiu sendo a principal figura carismática da esquerda.”

“Direita ficou batendo cabeça nas redes”

Beto Vasques, diretor de relações institucionais do Instituto Democracia em Xeque e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), avalia que a disputa narrativa sobre o tarifaço nas redes tem sido desfavorável a Bolsonaro.

Ele citou um estudo produzido pela organização que coordena, entre 10 e 18 de julho, que avaliou a quantidade de interações sobre o assunto em cinco redes sociais (Facebook, Instagram, Youtube, X e Tiktok). Os usuários foram divididos nos seguintes grupos: conservadores, progressistas, imprensa e outros.

Segundo o levantamento, houve três vezes mais interações dos conservadores do que dos progressistas, mas com mensagens divergentes e até contraditórias entre si.

“Nesse episódio do Trump, até porque a realidade facilitava, a esquerda passou uma mensagem muito simples: a de que o vilão é Donald Trump e que o propósito é salvar a pele da família Bolsonaro da cadeia. Uma mensagem simples, com vilão característico”, disse.

“Enquanto isso, direita e extrema direita ficaram batendo cabeça, uns dizendo que o vilão era Moraes, outros que era o Lula. Quem tem dois inimigos não tem nenhum.”

Uma pesquisa divulgada pela Quaest/Genial Investimentos após o anúncio do tarifaço indicou que a maioria dos entrevistados (59%) não acredita que Trump é capaz de inverter a inelegibilidade de Bolsonaro. Mesmo entre eleitores do ex-presidente há um empate técnico: 46% acreditam que pode haver impacto, contra 45% que disseram que não haverá mudança.

Pesquisas da Quaest/Genial também indicam efeito negativo do tarifaço sobre as pretensões eleitorais de Bolsonaro em 2026, e uma melhora na popularidade de Lula, que antes estava em queda. No último levantamento, Lula aparece vencendo Bolsonaro num segundo turno, enquanto na pesquisa anterior eles apareciam empatados.

Carlos Pereira, professor da FGV, avalia que, com o tempo, os impactos econômicos do tarifaço podem acabar prejudicando Lula. “A questão é saber, se no médio e longo prazo, quando essas empresas começarem de fato a perder e houver impacto na economia, se o governo vai conseguir sustentar essa sensação positiva por muito tempo”, diz.

“Eu não acho que é sustentável. No curto prazo foi ótimo para o governo, que estava perdido, sem narrativa. Em que pese pesquisas de opinião ainda mostrarem que a taxa de rejeição ao governo é maior do que a aprovação, mas a diferença diminuiu.”

Governadores de Estados que mais exportaram aos EUA miram Lula nas críticas

Os governadores de alguns dos Estados que mais podem ser atingidos pelo tarifaço têm repetido críticas ao presidente Lula nos últimos dias pelo que avaliam como falta de diálogo com os EUA.

Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Jr. (PSD-PR) destacaram em falas públicas o que chamaram de falta de negociação do governo brasileiro com o americano. Já Eduardo Leite (PSD-RS) condenou também a articulação da família Bolsonaro no país.

Em evento organizado pela XP no último sábado, Tarcísio disse que seu governo tem tentado dialogar diretamente com autoridades americanas e criticou o governo federal por politizar a questão das tarifas. “Estamos buscando parlamentares americanos, as empresas americanas, tentando pegar agentes do governo americano que possam sensibilizar pro tamanho do problema. E estamos fazendo isso de uma forma profissional, silenciosa, pra ver se a gente consegue atenuar esses efeitos. Porque infelizmente hoje a gente vive um momento onde se busca tirar proveito político de tudo, se busca dividir o país”, disse.

Tarcísio é um dos principais cotados a suceder Jair Bolsonaro na disputa presidencial de 2026, já que o ex-presidente está inelegível por duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral.

Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) usou as redes sociais para defender Bolsonaro, criticar Lula e pedir a suspensão do tarifaço. “Eu não tenho dúvida de que tem motivação política no julgamento de Jair Bolsonaro, por isso tenho estado ao lado dele desde o início. O STF, estamos vendo, já passou dos limites. As provocações e intromissões de Lula em assuntos dos Estados Unidos são lamentáveis. Mas esses erros e essas injustiças não devem ser consertadas com mais injustiça e erro. A taxação imposta pelo presidente Trump a produtos brasileiros é uma medida errada e injusta. Ela precisa ser revista porque penaliza todos os brasileiros, gente que votou contra e a favor do Lula.”

Segundo a analista política e antropóloga Isabela Oliveira Kalil, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), governadores de Estados afetados pelo tarifaço estão em posição delicada. Por um lado, eles têm dificuldade em criticar abertamente o lobby de Eduardo Bolsonaro com Trump, porque poderiam perder votos entre eleitores de Jair Bolsonaro. Por outro, precisam defender os interesses econômicos de seus Estados, que podem sofrer perdas importantes com o tarifaço.

“Eles ficam em uma posição de dizer, basicamente, que a culpa é do Lula, que Lula não pegou o telefone e ligou para os EUA. Que tipo de candidatura (na eleição de 2026) eles teriam sem a base bolsonarista?”, avalia Kalil. “É muito difícil imaginar esses governadores dizendo publicamente que Eduardo Bolsonaro está errado, que a família Bolsonaro está fazendo algo que prejudica o Brasil. Precisam contar com a base”.

A exceção foi no discurso de Leite. Em entrevista ao UOL News, o governador do Rio Grande do Sul afirmou que a articulação da família do ex-presidente nos EUA foi “absolutamente imperdoável” e que colocar o país em sacrifícios “em função de um interesse pessoal não pode ser admitido.”

Ele tampouco poupou Lula. Para Leite, o presidente “tem tido manifestações recorrentes ao longo da sua trajetória de alinhamento a ditaduras, de países que também não são democráticos, e de um discurso muitas vezes antiamericano, que fragiliza essa relação com um parceiro comercial importante.”

Kalil avalia que postura dos governadores contrasta com a do restante da política, citando o exemplo da comitiva de senadores que foi aos EUA para tentar negociar sobre as tarifas, incluindo os ex-ministros de Bolsonaro Tereza Cristina (PP-MS) e Marcos Pontes (PL-SP).

“Sinalizam que, à frente da lealdade ao Bolsonaro está à lealdade às suas bases, aos seus interesses econômicos. Ninguém vai rifar suas relações com setores produtivos que ajudaram eles a se eleger, como o agro, para ficar defendendo a família Bolsonaro, por mais que publicamente não coloquem nesses termos.”

A complexidade do momento político e econômico coloca todos os atores em xeque, diante de uma crise que mistura interesses comerciais, disputas judiciais e cálculos eleitorais em um momento delicado da vida democrática brasileira.

Com informações da BBC*

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