China acelera e deixa Ford sob ameaça no deserto

Mesmo com alta nas vendas, a Ford admite dificuldades para enfrentar um novo consumidor jovem, conectado e aberto a marcas orientais emergentes / Agência Brasil

Ford vê China como desafio crescente no mercado da Ásia Ocidental; Gigante automotiva tenta manter sua posição em mercados que hoje enxergam a inovação como critério principal de escolha


A Ford, gigante automotiva norte-americana com longa trajetória no setor, está cada vez mais atenta ao papel que a China tem assumido na Ásia Ocidental. Com a entrada maciça de marcas chinesas na região, a empresa reconhece que enfrenta um “grande desafio” para manter sua relevância e continuar crescendo diante de uma concorrência cada vez mais acirrada.

Ravi Ravichandran, presidente da Ford para a Ásia Ocidental e Norte da África, destacou recentemente, em entrevista ao Al-Monitor, o impacto que as montadoras orientais têm gerado no mercado local. Segundo ele, essas empresas estão não apenas ampliando suas ofertas, mas também oferecendo alternativas inovadoras que estão mudando o comportamento dos consumidores. “Marcas competitivas — principalmente as chinesas — estão intensificando a concorrência e aumentando as opções disponíveis”, disse.

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Dados divulgados pela consultoria AlixPartners reforçam essa percepção. De acordo com a pesquisa, a participação das fabricantes chinesas na Ásia Ocidental e na África deve subir de 10% em 2024 para nada menos do que 34% até 2030. Esse salto exponencial se deve a uma estratégia consistente por parte das empresas chinesas, que têm apostado fortemente em tecnologia avançada, parcerias estratégicas e infraestrutura sólida.

Apesar do aumento da pressão, a Ford ainda encontra espaço para crescer. A marca registrou um aumento de 15% nas vendas no primeiro semestre de 2025, especialmente nos mercados da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Kuwait. No entanto, mesmo com os números positivos, Ravichandran admite que a presença chinesa no setor está dificultando a manutenção da posição tradicional da Ford na região.

Mudança no ritmo: veículos elétricos ganham força

Um dos grandes desafios apontados pelo executivo é a transição para veículos elétricos (VEs), que está ganhando velocidade na Ásia Ocidental. Políticas públicas como o Vision 2030 saudita e o plano Net Zero 2050 dos Emirados Árabes Unidos estão impulsionando a demanda por carros sustentáveis. Segundo dados levantados pela Ford, 55% dos residentes dos Emirados e 40% dos cidadãos da Arábia Saudita pretendem comprar um veículo elétrico até o final deste ano.

No entanto, essa mudança exige esforços consideráveis, tanto por parte das empresas quanto dos governos. Entre os obstáculos estão a necessidade de expansão da rede de carregamento e a educação do público sobre os benefícios e funcionamento desses novos modelos. “Essa transição requer uma cooperação estreita entre o setor privado e os órgãos governamentais para ser bem-sucedida”, observou Ravichandran.

A Ford, por sua vez, já está ajustando seu portfólio para atender às expectativas do novo consumidor. Cerca de 70% dos registros da marca são de SUVs, picapes e crossovers — categorias que estão em alta entre a população jovem, que representa mais de 60% da região. Para o presidente da Ford, “o cliente atual busca veículos modernos, conectados e cheios de tecnologia”.

O peso da influência chinesa vai além do automóvel

O impacto da China na Ásia Ocidental não se limita aos carros. Empresas chinesas, tanto estatais quanto privadas, têm firmado parcerias estratégicas em diversos setores. Um exemplo recente foi o aumento das exportações de petróleo do Irã para a China, apesar das sanções impostas pelos Estados Unidos. Outra iniciativa marcante foi o contrato de US$ 4 bilhões assinado entre a PowerChina e o Iraque para construção da primeira usina grande de dessalinização em Basra.

Também chamou atenção a parceria entre a Aramco, petrolífera nacional da Arábia Saudita, e a BYD, uma das maiores fabricantes chinesas de veículos elétricos, para desenvolver soluções de mobilidade de baixa emissão. Além disso, empresas chinesas firmaram acordos de longo prazo com a ADNOC, da Emirados Árabes Unidos, para a compra de gás natural liquefeito (GNL).

Nova rota, novas possibilidades

Uma das medidas mais simbólicas da expansão chinesa na região foi a inauguração de uma nova rota ferroviária que liga o leste da China a Teerã, passando pela Ásia Central. A iniciativa reduz o tempo de transporte de cargas de 30 para 15 dias, evitando rotas marítimas sob domínio dos EUA. Isso não só fortalece a logística da China, mas também potencializa o comércio regional, incluindo a distribuição de veículos e peças automotivas.

Diante desse cenário dinâmico, a Ford sabe que precisa agir rápido. “A concorrência é saudável, mas exige inovação, adaptação e um profundo conhecimento do que o consumidor local realmente deseja”, afirmou Ravichandran. A digitalização, a transição energética e a entrada de novos players estão moldando um futuro onde a adaptação será fundamental.

Para a Ford, o caminho está claro: acompanhar as transformações ou correr o risco de perder terreno. Com a China cada vez mais presente e influente, a batalha por espaço no mercado da Ásia Ocidental promete ser intensa — e quem souber se posicionar melhor pode garantir uma vantagem duradoura.

PowerChina conquista contrato para maior usina de dessalinização do Iraque

A PowerChina, gigante estatal da construção e infraestrutura chinesa, marcou um novo capítulo na sua expansão pelo Oriente Médio ao vencer um contrato de US$ 4 bilhões para a construção da primeira grande usina de dessalinização de água do mar no Iraque. A obra será realizada em Basra, uma das cidades mais afetadas pela crise hídrica do país, em parceria com o grupo local Al Ridha Group, conforme anunciado oficialmente nesta quinta-feira (24) pelas autoridades iraquianas.

O anúncio contou com a presença do primeiro-ministro iraquiano, Mohammed Shia al-Sudani, que destacou a importância do projeto para a melhoria do abastecimento de água potável no sul do país. “Essa iniciativa é um passo fundamental para enfrentar os desafios ambientais e sociais que atingem milhões de pessoas”, afirmou ele durante a cerimônia simbólica de início dos trabalhos.

A Usina de Dessalinização de Água do Mar de Basra terá capacidade de produção diária de 1 milhão de metros cúbicos de água potável — equivalente ao consumo médio de uma cidade com cerca de 2 milhões de habitantes. Para garantir a operação contínua do complexo, a instalação também contará com uma usina de energia de 300 megawatts (MW). O projeto está previsto para ser concluído até junho de 2028, após três anos de obras.

Combate à escassez de água no sul do Iraque

A construção da usina faz parte de um plano amplo do governo iraquiano para resolver a grave escassez de água na região sul do país, um problema agravado por mudanças climáticas, conflitos políticos e a redução do fluxo dos rios Tigre e Eufrates. Durante a fase inicial da obra, serão erguidas unidades menores de dessalinização em diferentes pontos da província de Basra, servindo como soluções temporárias enquanto a unidade principal entra em operação.

Entre as estações menores, destaca-se a de Shatt al-Arab, com capacidade de 5.000 metros cúbicos por hora — o equivalente a duas piscinas olímpicas — e as usinas de Al-Faw, Al-Siba e Abu Flous, cada uma com produção de 3.000 metros cúbicos por hora. A usina de Safwan completará o pacote com 1.000 metros cúbicos por hora.

Esses empreendimentos menores são considerados essenciais para aliviar o sistema de distribuição de água em áreas urbanas e rurais, especialmente nos períodos mais críticos da seca, antes da entrada em funcionamento da usina principal.

A China como parceira estratégica na região

O projeto de Basra é apenas mais um sinal do reforço da presença chinesa na Ásia Ocidental, onde empresas nacionais têm feito investimentos significativos em setores-chave como energia, logística e recursos hídricos. A PowerChina, que já atuou em grandes obras em países como Paquistão e Turquia, agora expande seu alcance para o Iraque, trazendo tecnologia avançada e experiência consolidada em projetos de infraestrutura.

No mês passado, por exemplo, a Sinopec e a Aramco Asia Singapore firmaram um acordo de US$ 4 bilhões para a criação da Fujian Sinopec Aramco Refining & Petrochemical Co., uma joint venture voltada para a logística de petróleo bruto no Porto de Gulei, na China. O projeto reflete a crescente aposta da Aramco em exportações diretas para a China, visando aproveitar a demanda energética do gigante asiático.

Além disso, entre 2021 e outubro de 2024, a China tornou-se a maior fonte de investimento estrangeiro direto (IED) greenfield na Arábia Saudita, injetando US$ 21,6 bilhões no país — sendo um terço desse valor destinado a projetos de energia limpa. As parcerias envolvem não apenas setor energético, mas também inteligência artificial, mobilidade urbana e inovação digital.

Parcerias sólidas no Irã e na Turquia

A influência chinesa também é notável no Irã, onde os investimentos somam menos de US$ 5 bilhões desde 2007, mas englobam projetos de extrema relevância, como o campo petrolífero de Yadavaran, a ferrovia Teerã-Mashhad e o bonde de Qazvin. Entre os planos futuros, estão a construção de uma usina solar de €1 bilhão (US$ 1,09 bilhão) e uma siderúrgica de US$ 350 milhões. Apesar de alguns adiamentos, como o caso do projeto no campo de gás South Pars — prejudicado por sanções americanas —, a cooperação entre Pequim e Teerã segue firme.

Na Turquia, empresas chinesas como China Sunergy, Talesun, Yingli e NARI têm apostado fortemente na fabricação de painéis fotovoltaicos. Um exemplo é a China Sunergy, que investiu cerca de US$ 600 milhões em Istambul para produzir painéis solares exportados principalmente para a Europa.

Uma nova era para a infraestrutura regional

Com a ampliação de sua atuação em projetos de infraestrutura crítica, a China tem redefinido seu papel como parceira estratégica para muitos países da Ásia Ocidental. Além de trazer capital e know-how tecnológico, a presença chinesa está ajudando a repensar modelos tradicionais de desenvolvimento e a buscar soluções sustentáveis para problemas urgentes.

Para o Iraque, a parceria com a PowerChina representa muito mais do que um simples contrato de obras: é uma aposta na modernização do setor hídrico e na melhoria da qualidade de vida da população. Com o horizonte de 2030 cada vez mais perto, a corrida por investimentos verdes e projetos inovadores ganha velocidade — e a China parece estar bem posicionada para liderar essa transformação.

Enquanto isso, no cenário global, a concorrência entre gigantes industriais e novos players está moldando o futuro da infraestrutura e da economia regional. E, no meio disso tudo, projetos como o de Basra mostram que, quando há vontade política e parcerias sólidas, até os maiores desafios podem ser superados.

Com informações de The Cradle e Agências de Notícias*

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