Ao defender Moraes e criticar Trump, deputado Antônio Carlos Rodrigues é expulso do PL sob pressão da ala bolsonarista, que chamou o gesto de traição
Sob pressão da bancada partidária, o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, decidiu expulsar o deputado federal Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) após declarações em que elogiou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e enviou um recado ao presidente americano Donald Trump.
Em entrevista publicada nesta quinta-feira (31) pelo portal Metrópoles, Rodrigues classificou como “absurda” a sanção imposta por Washington ao ministro brasileiro por meio da Lei Magnitsky. “É o maior absurdo que já vi na minha vida política. O Alexandre é um dos maiores juristas do país, extremamente competente. Trump tem que cuidar dos Estados Unidos. Não se meter com o Brasil como está se metendo”, afirmou o parlamentar.
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A Lei Magnitsky permite que os Estados Unidos imponham punições a cidadãos estrangeiros acusados de violações graves de direitos humanos ou corrupção em larga escala. As sanções anunciadas na quarta-feira (30) podem dificultar o acesso de Moraes a diversos serviços financeiros e tecnológicos.
Diante da repercussão negativa entre os colegas de partido, Valdemar Costa Neto confirmou a expulsão em nota oficial. “Antônio Carlos Rodrigues acaba de ser expulso do Partido Liberal (PL). A pressão da nossa bancada foi muito grande. Nossos parlamentares entendem que atacar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é uma ignorância sem tamanho”, declarou o presidente da legenda.
Valdemar ressaltou que, na avaliação da bancada, é preciso manter uma postura diplomática diante das tensões com os EUA. “Trump é o presidente do país mais forte do mundo. O que precisamos é de diplomacia e de diálogo, não de populismo barato, que só atrapalha o desenvolvimento da nossa nação. Chega de arrumar confusão. Temos que arrumar o Brasil”, completou.
A decisão marca mais um desgaste interno no PL, partido que abriga tanto apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro quanto figuras mais moderadas. A expulsão de Rodrigues demonstra as divisões que persistem dentro da sigla diante das crescentes tensões entre o Brasil e os Estados Unidos.
O deputado Antônio Carlos Rodrigues, que é médico e político, tem histórico de posições consideradas independentes dentro do espectro político do PL. Sua expulsão ocorre em um momento delicado das relações bilaterais, quando o país busca minimizar os impactos econômicos do tarifaço imposto pelo governo Trump sobre produtos brasileiros.
A sanção contra Moraes, que já estava impedido de entrar nos EUA, agora pode afetar seu acesso a serviços bancários e plataformas digitais, além de congelar eventuais bens que possua no território norte-americano.
Com a expulsão, o PL tenta sinalizar que busca uma aproximação mais moderada com a administração americana, evitando declarações que possam agravar ainda mais o clima de tensão entre os dois países.
Lei Magnitsky: entenda a norma usada pelos EUA para punir Moraes
O governo dos Estados Unidos aplicou nesta quarta-feira (30) uma das sanções mais severas disponíveis em seu arsenal diplomático contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A punição foi feita por meio da Lei Magnitsky, instrumento que permite aos norte-americanos penalizar cidadãos estrangeiros acusados de violações graves de direitos humanos ou corrupção em larga escala.
Com a medida, todos os eventuais bens de Moraes nos EUA ficam bloqueados, e qualquer empresa eventualmente ligada a ele também sofre restrições. Além disso, cidadãos americanos ficam proibidos de fazer negócios com o ministro. A administração das sanções será feita pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), um órgão ligado ao Departamento do Tesouro dos EUA.
A decisão marca um momento sem precedentes nas relações entre Brasil e Estados Unidos, sendo a primeira vez que sanções dessa magnitude são impostas contra uma autoridade brasileira em exercício. A justificativa norte-americana está ligada ao processo que corre no STF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado após perder as eleições para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.
A tensão começou a escalar em julho, quando o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, anunciou que avaliava o uso da lei contra Moraes. O ministro já havia tido seu visto americano revogado no dia 18 do mesmo mês.
Segundo reportagem publicada pelo jornal “The Washington Post” no dia 17, novas sanções contra o ministro estavam sendo articuladas pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto com membros do governo de Donald Trump.
Origem e evolução da Lei Magnitsky
A lei tem origem em um caso trágico da política russa. Foi nomeada em homenagem a Sergei Magnitsky, um advogado russo que foi preso e alegadamente torturado numa prisão russa por investigar crimes ligados à lavagem de dinheiro e corrupção no país. Magnitsky morreu na prisão em 2009, o que motivou legisladores americanos a sancionar e punir pessoas envolvidas nesta investigação e ligadas à sua morte.
A Lei Magnitsky foi inicialmente aprovada pelo Congresso dos EUA e sancionada pelo então presidente democrata Barack Obama em 2012. Na época, seu foco era punir oligarcas russos e pessoas ligadas ao governo russo que tivessem envolvimento no caso.
Em 2016, durante o segundo mandato de Obama, a lei foi expandida e se tornou uma norma global. Passou a poder ser aplicada a casos de corrupção, vínculos com crime organizado e violações mais amplas dos direitos humanos em qualquer parte do mundo.
Desde então, dezenas de pessoas foram incluídas sob esta lei como potenciais violadores de direitos humanos, criminosos ou corruptos, recebendo sanções dos Estados Unidos.
O que a lei prevê na prática
As sanções previstas pela Lei Magnitsky são consideradas bastante severas, e alguns especialistas chegam a chamá-la de “pena de morte financeira”. Quando aplicada, a pessoa sancionada enfrenta uma série de restrições:
- Não pode ter cartão de crédito de nenhuma das grandes bandeiras que operam nos Estados Unidos;
- Fica impedida de ter conta em banco nos EUA. Caso o banco permita, ele próprio pode ser alvo de sanções secundárias;
- Instituições financeiras do mundo todo podem ser obrigadas a congelar ativos, fechar contas e cancelar cartões de crédito da pessoa sancionada;
- Pode ser impedida de entrar nos Estados Unidos ou ter seu visto cancelado;
- Sofre impacto reputacional ao entrar para uma lista de sancionados que inclui violadores sistemáticos de direitos humanos.
Projeto em tramitação na Câmara norte-americana
Atualmente, tramita na Câmara dos Estados Unidos um projeto de lei que prevê a proibição de entrada ou deportação de qualquer pessoa considerada um “agente estrangeiro” que tente censurar cidadãos americanos em território nacional.
O projeto, intitulado “Sem Censores em Nosso Território”, foi apresentado pelos deputados republicanos Maria Elvira Salazar e Darrell Issa e não menciona diretamente Alexandre de Moraes. No entanto, ao anunciar o projeto em setembro de 2024, Issa afirmou que se tratava de uma resposta às decisões do STF no Brasil.
O texto foi aprovado pelo Comitê Judiciário da Câmara em feverero deste ano — órgão equivalente à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados no Brasil. O projeto ainda não foi votado no plenário da Câmara e não está em vigor, não havendo data prevista para a votação.
Reação de Moraes
Dias após a aprovação do texto no comitê norte-americano, Moraes reagiu à ofensiva e afirmou que o Brasil deixou de ser uma colônia em 1822. “Pela soberania do Brasil, pela independência do Poder Judiciário e pela cidadania de todos os brasileiros e brasileiras. Pois deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822 e, com coragem, estamos construindo uma República independente e cada vez melhor, independente e democrática. E construindo com coragem. Como sempre lembra a eminente ministra Cármen Lúcia, citando Guimarães Rosa: ‘O que a vida quer da gente é coragem'”, disse.
A aplicação da Lei Magnitsky contra uma autoridade brasileira em exercício demonstra o grau de tensão atingido nas relações entre os dois países, colocando em xeque não apenas aspectos comerciais, mas também questões fundamentais de soberania e independência judicial.
Com informações do g1, Metrópoles e Agências de Notícias*