Presidente brasileiro condena a sanção a Moraes e aponta traição de políticos brasileiros alinhados a Washington, acusando interferência nos rumos da democracia nacional
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu com firmeza na noite desta quarta-feira (30) após os Estados Unidos imporem uma sanção ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com base na Lei Global Magnitsky. Em nota oficial, Lula chamou a medida de “inaceitável” e afirmou que o ministro é “alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses”.
A Lei Magnitsky é um mecanismo norte-americano utilizado para punir estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos ou corrupção. Esta é a primeira vez que uma autoridade brasileira é incluída na lista de sanções deste tipo. Segundo o governo americano, Moraes teria perseguido políticos da oposição — entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro — além de jornalistas e plataformas de mídia social, inclusive com a emissão de mandados de prisão preventiva contra cidadãos americanos.
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“É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira”, declarou Lula em sua nota, reforçando a defesa da soberania e da democracia do Brasil. O presidente também criticou as tarifas de até 50% impostas pelo governo de Donald Trump sobre produtos brasileiros, formalizadas nesta quarta-feira em um decreto que, embora amplamente divulgado, prevê uma longa lista de isenções.
“O governo brasileiro considera injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas pelo governo norte-americano contra as exportações brasileiras”, disse o texto assinado por Lula. O presidente reiterou que o Brasil está aberto a negociações comerciais com os EUA, mas ressaltou que não abrirá mão dos mecanismos previstos em lei para defender os interesses nacionais.
Antes da nota oficial, dois interlocutores do governo ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado indicaram que há uma percepção predominante no Palácio do Planalto de que as ações de Washington visam interferir no cenário político interno do Brasil. A sanção a Moraes e a imposição das tarifas seriam vistas como parte de uma estratégia maior de pressão.
Diplomacia tenta conter escalada
No mesmo dia em que as sanções foram anunciadas, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, estava em Washington e se reuniu com o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio. Em pronunciamento breve, Vieira afirmou que o Brasil “se reserva o direito de responder às medidas adotadas pelos Estados Unidos”.
“Enfatizei que é inaceitável e descabida a ingerência na soberania nacional no que diz respeito a decisões do Poder Judiciário do Brasil, inclusive a condução do processo judicial no qual é réu o ex-presidente Bolsonaro”, declarou Vieira. Ele reforçou que o Judiciário brasileiro é independente e “não se curvará a pressões externas”.
Rubio, por sua vez, afirmou que a sanção a Moraes deve servir como um alerta. “Que este seja um aviso para aqueles que atropelam os direitos fundamentais de seus compatriotas — as togas judiciais não podem protegê-los”, disse o secretário de Estado.
Apesar da tensão, fontes governamentais descartaram a possibilidade de o Brasil recorrer a fóruns multilaterais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) ou a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) para contestar a sanção. Segundo um interlocutor ouvido pela BBC, países como a Argentina, com alinhamento próximo aos EUA, poderiam inviabilizar qualquer condenação à ação americana contra Moraes.
A crise coloca o Brasil diante de um novo desafio diplomático em suas relações com os Estados Unidos. A resposta oficial do governo brasileiro, embora contundente, evita uma ruptura aberta, mantendo espaço para negociações futuras — mas deixando claro que não aceitará ingerências em suas instituições.
Brasil vê sanções de Trump como pressão política e não econômica, dizem fontes do governo
Fontes governamentais ouvidas pela BBC News Brasil afirmaram que o governo brasileiro interpreta as recentes sanções dos Estados Unidos ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes como uma ação de caráter político, e não econômico. Segundo essas fontes, a administração de Donald Trump estaria tentando influenciar o cenário interno brasileiro, especialmente visando prejudicar o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Uma das fontes destacou que não há previsão de conversa telefônica entre Lula e Trump no momento. A preocupação, segundo ela, é que o presidente brasileiro possa ser alvo de desrespeito semelhante ao sofrido por outros líderes, como Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul.
A análise dentro do Palácio do Planalto é de que as medidas tomadas por Washington — tanto a sanção a Moraes quanto a imposição de tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros — têm como objetivo pressionar o Brasil a reabilitar o ex-presidente Jair Bolsonaro para disputar as eleições de 2026. Bolsonaro, atualmente inelegível por decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é réu em um processo que apura suposta trama de golpe de Estado após sua derrota em 2022.
Em sua carta oficial divulgada nesta quarta-feira, Trump vinculou diretamente a imposição das tarifas ao julgamento de Bolsonaro no STF, classificando o processo como uma “caça às bruxas”. Essa associação reforça a percepção no governo brasileiro de que as ações dos EUA são movidas por interesses políticos específicos.
Lei Magnitsky: ferramenta de pressão internacional
A sanção imposta a Moraes foi feita com base na Lei Global Magnitsky, mecanismo criado em 2016 durante o governo Barack Obama para punir estrangeiros acusados de graves violações de direitos humanos ou corrupção. Originalmente direcionada a responsáveis pela morte do advogado russo Sergei Magnitsky, a lei teve seu escopo ampliado para ter alcance global.
Desde então, já foi aplicada contra autoridades de países como Rússia, Turquia e Hong Kong, em casos envolvendo perseguição política, julgamentos irregulares e repressão a opositores. As punições incluem bloqueio de ativos e proibição de entrada nos EUA, podendo ser determinadas por ato administrativo sem necessidade de processo judicial.
O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e radicado nos EUA desde fevereiro, comemorou a sanção ao ministro brasileiro em uma publicação no X (antigo Twitter). Ele chamou o momento de “histórico” e afirmou que Moraes “está enfrentando consequências reais” por suas decisões no STF.
“Pela primeira vez, o arquiteto da censura, da repressão política e da perseguição judicial no Brasil está enfrentando consequências reais, juntando-se ao infame grupo de abusadores de direitos humanos ao redor do mundo, como o ditador Nicolás Maduro”, escreveu.
Apesar da ofensiva externa, o governo brasileiro mantém sua postura firme. Lula, em nota oficial, reafirmou o compromisso com a soberania nacional e com a independência do Judiciário. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, também destacou que o Brasil se reserva o direito de responder às medidas unilaterais dos EUA.
A crise coloca o Brasil diante de um novo desafio diplomático, em um momento delicado de definição do cenário político interno e das relações internacionais. A resposta oficial evita uma ruptura aberta, mas deixa claro que o país não aceitará ingerências em suas instituições.