Em ofensiva de última hora, Trump impõe tarifas pesadas e celebra acordos que desafiam a ordem comercial global às vésperas do prazo final
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, protagonizou nesta quarta-feira (30) uma verdadeira enxurrada de anúncios comerciais surpresa, lançando uma série de acordos tarifários e exigências estratégicas em véspera do prazo final de sexta-feira. A ofensiva faz parte da tentativa do mandatário de reconfigurar por completo a ordem comercial global sob sua visão protecionista.
Entre as medidas mais impactantes estão as tarifas de 15% sobre as importações da Coreia do Sul — alinhadas ao nível aplicado ao vizinho Japão — e uma pesada taxa de 25% sobre produtos indianos, acompanhada de duras críticas às relações comerciais e militares entre Nova Déli e Moscou. Trump não poupou críticas ao governo indiano, denunciando suas compras de energia e armamento russos como práticas que comprometem a segurança internacional.
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A estratégia comercial também incluiu acordos com Tailândia e Camboja, países que, segundo a administração americana, concordaram com um cessar-fogo na segunda-feira. A iniciativa reforça a autoproclamada missão de Trump de ser reconhecido como um pacificador global, utilizando o comércio como instrumento de política externa.
Choque nos mercados e reações inesperadas
O presidente surpreendeu novamente os mercados ao anunciar novas regras tarifárias sobre o cobre, movimento que derrubou os preços do metal em Nova York para níveis históricos. A medida isentou as formas mais comercializadas do metal de tarifas de 50%, gerando confusão entre traders e investidores que tentam acompanhar a constante mudança nas regras comerciais.
A ofensiva ocorre exatamente antes do prazo final de 1º de agosto, quando a Casa Branca havia ameaçado impor taxas recíprocas para países que não conseguissem fechar acordos bilaterais — condição que a maioria das nações ainda não conseguiu atingir. Trump defendeu que as taxas globais passarão de 15% para 50%, implementando uma política que, segundo ele, trará a produção de volta ao mercado interno, aumentará a receita governamental e lhe dará “poder de barganha monumental” sobre países cujas economias dependem do acesso ao consumidor americano.
“O objetivo é trazer empregos de volta aos Estados Unidos e fazer com que outras nações tratem os americanos com respeito”, declarou Trump durante pronunciamento à imprensa.
Análise dos especialistas: mais barulho do que substância?
Apesar da avalanche de anúncios, especialistas questionam se as medidas terão o impacto transformador prometido pelo presidente. “Hoje tivemos uma enxurrada de detalhes, e é o caso do velho ditado: ‘você não consegue ver a floresta por causa das árvores'”, analisou Rob Subbaraman, economista-chefe da Nomura Holdings Inc. “Recuando, Trump, em geral, cumpriu suas ameaças tarifárias. No momento, é só muito barulho.”
A maioria dos países que conseguiram negociar acordos comerciais com os EUA obteve tarifas mais favoráveis, em comparação com os níveis que seriam aplicados no chamado “Dia da Libertação” — data em que as taxas padrão passariam de 15% para 50%. Países como Vietnã e Indonésia conseguiram taxas de 10% e 20% respectivamente, enquanto a Índia enfrentará a pesada tarifa de 25%.
Incerteza afeta economia global
Apesar dos acordos alcançados, a maioria das nações ainda não possui entendimentos comerciais concretos com os EUA, e os detalhes disponíveis sobre os que existem são escassos — incluindo possíveis isenções, promessas de investimento e mudanças nas regras de origem. Essa incerteza e confusão já começam a afetar o crescimento econômico global e pesar sobre os investimentos, mesmo diante de algum otimismo inicial dos mercados.
“Esses acordos contra o relógio — realmente não são um bom sinal”, avaliou Alicia Garcia Herrero, economista-chefe para a região Ásia-Pacífico da Natixis. Segundo ela, essa abordagem força os países a negociarem sob pressão para evitar tarifas mais altas, mas pode acabar sendo mais custosa para suas economias a longo prazo.
Relação com a China: tom mais conciliador
Enquanto se mostra duro com diversos parceiros comerciais, Trump adotou um tom surpreendentemente conciliador em relação à China. Em discurso na Casa Branca na quarta-feira, o presidente afirmou que os EUA estarão muito próximos de um “acordo muito justo com a China”.
Negociações realizadas nesta semana na Suécia teriam fortalecido a confiança bilateral e aumentado as perspectivas de resolução de disputas econômicas por meio do diálogo, segundo informou o jornal oficial do Partido Comunista chinês. A aproximação com Pequim contrasta com a postura agressiva adotada com outros parceiros, sugerindo que a administração americana busca manter canais abertos com sua principal rival econômica.
Com o prazo final se aproximando, os próximos dias prometem trazer mais anúncios e decisões que poderão redefinir as relações comerciais globais — e testar a capacidade dos países de se adaptarem a um novo paradigma comercial liderado por Washington.
A partir de 29 de agosto, tarifas serão aplicadas sobre remessas de minimis — importações com valor abaixo de US$ 800 — que até agora desfrutavam de isenção tarifária.
A medida representa um golpe significativo para consumidores e varejistas que utilizam plataformas de comércio eletrônico para adquirir produtos diretamente de fornecedores no exterior, especialmente na China. Essas remessas de baixo valor haviam se tornado uma verdadeira bênção para milhões de americanos que acessam produtos variados a preços competitivos, sem a burocracia tradicional das importações comerciais.
Impactos globais e reações positivas
Enquanto alguns países enfrentam novas tarifas, outros registraram melhorias inesperadas em suas relações comerciais com Washington. Uma surpreendente redução nos preços de diversos produtos brasileiros impulsionou não apenas a moeda local, mas também as bolsas brasileiras, que registraram valorização significativa com a perspectiva de acesso facilitado ao mercado norte-americano.
A Bloomberg News também divulgou que Trump se reunirá com sua colega mexicana, Claudia Sheinbaum, na manhã desta quinta-feira, informação que imediatamente impactou positivamente o peso mexicano, que se valorizou frente ao dólar americano.
Tensões com aliados tradicionais
Nem todas as negociações seguem um caminho tranquilo. O primeiro-ministro canadense, Mark Carney, admitiu na quarta-feira que as conversas com os EUA podem não terminar dentro do prazo estipulado por Trump para esta sexta-feira. As perspectivas de um acordo favorável diminuíram ainda mais quando o presidente americano publicou em sua rede social Truth Social uma declaração polêmica sobre o Canadá.
A decisão canadense de apoiar a criação de um Estado palestino “tornará muito difícil para nós fecharmos um acordo comercial com eles”, escreveu Trump, introduzindo questões geopolíticas nas negociações comerciais.
Acordos estratégicos com aliados asiáticos
Para a Coreia do Sul, o acordo firmado traz tarifas de 15% — nível semelhante ao aplicado ao Japão — mas inclui benefícios significativos. O pacote prevê um fundo sul-coreano de US$ 350 bilhões para investimentos nos EUA, com foco em setores estratégicos como energia e construção naval.
Segundo o presidente Trump, esses investimentos serão direcionados de forma a maximizar benefícios para a economia americana. O secretário de Comércio, Howard Lutnick, detalhou em publicação no X (antigo Twitter) que 90% dos lucros gerados por esses fundos retornariam aos Estados Unidos.
Pressão sobre a Índia e desafios russos
A Índia continua sendo um dos alvos mais visados pela política comercial de Trump. Além da tarifa de 25% sobre importações indianas, o presidente ameaçou aplicar penalidades adicionais ainda não quantificadas sobre as compras de energia russa realizadas por Nova Déli.
A estratégia americana de pressionar países que mantêm relações comerciais com a Rússia ganha nova dimensão com a possibilidade de negociações envolvendo a China. Pequim também recebe volumes substanciais de petróleo bruto russo, alvo de sanções americanas desde a invasão da Ucrânia em 2022.
O mercado de petróleo respondeu às tensões com preocupação: os preços se mantiveram na quinta-feira próximos ao nível mais alto em quase seis meses, refletindo a incerteza sobre o impacto das medidas comerciais sobre o fornecimento global de energia.
Cenário complexo e desafios à frente
Com múltiplas negociações em andamento e prazos apertados, o panorama comercial global enfrenta uma fase de extrema volatilidade. As decisões de Trump criaram um mosaico complexo onde aliados tradicionais precisam equilibrar relações diplomáticas com pressões comerciais, enquanto consumidores e empresas se preparam para lidar com custos adicionais e mudanças nas regras que regem o comércio internacional.
A reunião entre Trump e Sheinbaum nesta quinta-feira será observada com atenção especial, especialmente após os recentes desenvolvimentos que mostram como questões geopolíticas estão cada vez mais entrelaçadas com acordos comerciais. Enquanto isso, mercados globais permanecem em alerta, aguardando os próximos movimentos em uma partida comercial que promete definir as regras do jogo econômico global nos anos vindouros.