Quem sai ganhando no acordo comercial entre UE e EUA?

As tarifas de 15% impostas por Trump sobre produtos europeus expõem desequilíbrios e escancaram a fragilidade da UE em negociações estratégicas


Após semanas de negociações intensas e ameaças de retaliação, a União Europeia e os Estados Unidos anunciaram um acordo político que promete redefinir a relação comercial entre os dois maiores blocos econômicos do mundo. O entendimento, que envolve um volume comercial de € 1,7 trilhão (US$ 2 trilhões), marca um ponto de virada nas tensões comerciais que caracterizaram a gestão do presidente americano Donald Trump.

O centro do acordo gira em torno de uma tarifa de 15% que será aplicada pela União Europeia sobre a maioria de suas exportações para o mercado norte-americano. Em contrapartida, as tarifas europeias sobre produtos americanos devem cair abaixo da média atual de aproximadamente 1%, assim que o pacto for efetivamente implementado.

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Apesar da apresentação otimista por parte das autoridades, o entendimento foi recebido com uma mistura de frustração e resignação nas capitais europeias. Alguns líderes nacionais criticaram a Comissão Europeia por não adotar uma postura tão firme quanto a do presidente Trump durante as negociações, enquanto outros reconheceram que desafiar abertamente Washington poderia colocar em risco relações diplomáticas estratégicas.

A decisão europeia chega em um momento delicado, pouco depois de os membros da OTAN terem feito esforços consideráveis para manter Trump comprometido com a aliança militar que garante a segurança do continente europeu.

Trump impõe condições rigorosas

O presidente americano, que tem defendido uma agenda protecionista como forma de revitalizar a indústria nacional e proteger os trabalhadores americanos, acusou repetidamente a UE de adotar práticas comerciais mais prejudiciais aos EUA do que a China. Em diversos momentos, Trump ameaçou impor tarifas de até 200% sobre determinados produtos europeus, justificando sua postura como uma forma de corrigir desequilíbrios econômicos e financiar cortes fiscais ambiciosos.

“O melhor acordo que conseguimos em circunstâncias muito difíceis”, foi a avaliação do comissário europeu de Comércio, Maros Sefcovic, sobre o entendimento preliminar alcançado.

Acordo ainda não é definitivo

Apesar das declarações otimistas, especialistas alertam que o acordo ainda está longe de ser concretizado. O entendimento anunciado por Trump e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no dia 27 de julho, se baseia em uma declaração não vinculativa, ou seja, sem força legal.

O próximo passo será a divulgação, até o dia 1º de agosto, de uma declaração conjunta mais completa entre as duas partes. Embora essa nova declaração amplie os elementos já negociados, ela também não terá peso jurídico. Apenas após essa etapa as partes começarão a negociar um acordo comercial verdadeiramente vinculativo, processo que pode levar vários meses para ser concluído.

Mudanças imediatas e ajustes futuros

A partir de 1º de agosto, os Estados Unidos ajustarão sua tarifa para 15% sobre praticamente todas as exportações da UE, incluindo setores estratégicos como automotivo e componentes automotivos. Essa taxa será aplicada a cerca de 70% do total das exportações europeias para o mercado americano, o equivalente a € 380 bilhões (US$ 435 bilhões), segundo informações de um alto funcionário europeu.

Uma característica importante do acordo é que essa tarifa de 15% será o teto máximo aplicável. Nenhuma taxa adicional será imposta sobre esses produtos, mesmo que os EUA decidam aumentar tarifas em setores específicos como farmacêuticos e semicondutores no futuro.

Haverá isenções para um pequeno número de produtos, enquanto bens que já estavam sujeitos a tarifas acima de 15% sob os acordos de “nação mais favorecida” continuarão sendo tributados nos níveis existentes.

As duas partes também planejam negociar cotas específicas para importações de aço dos EUA originários da UE, como parte de uma estratégia mais ampla para proteger cadeias de suprimentos contra capacidades excedentes de produção em outros mercados.

A União Europeia, por sua vez, só começará a implementar suas contrapartidas — como a redução de tarifas sobre produtos americanos — quando o texto final e juridicamente vinculativo for aprovado e assinado.

E o grande vencedor?

Embora ambos os lados tenham feito concessões, analistas apontam que Donald Trump conseguiu impor suas condições principais, forçando a UE a aceitar uma tarifa fixa de 15% sobre a maioria de suas exportações. Para especialistas, isso representa uma vitória tática do presidente americano, que transformou as ameaças comerciais em resultados concretos.

Agora, a atenção se volta para as próximas semanas, quando as negociações para um acordo definitivo começarão a ganhar forma — e onde o equilíbrio entre cooperação e competição comercial continuará sendo testado.

Por que a UE aceitou as exigências de Trump? Interesses comerciais se misturam a segurança

A decisão da União Europeia de aceitar um acordo comercial que impõe tarifas de 15% sobre a maioria de suas exportações para os Estados Unidos não foi tomada apenas com base em considerações econômicas. Para autoridades europeias, as negociações envolviam interesses muito mais amplos, que incluem segurança continental, guerra na Ucrânia e até mesmo a transição energética do bloco.

A realidade é que, após anos de subinvestimento em defesa nacional, a Europa continua criticamente dependente dos Estados Unidos para sua proteção militar. Essa dependência se intensificou ainda mais com a iniciativa europeia de reduzir gradualmente as importações de gás russo, o que aumentou a necessidade de fontes alternativas de energia — e, consequentemente, a dependência do fornecimento norte-americano.

Trump sai na frente?

Para especialistas, não há dúvida de que Donald Trump conseguiu impor suas condições principais nas negociações. Os negociadores europeus já esperavam um acordo assimétrico que favorecesse Washington — a única incógnita era o tamanho da vantagem concedida.

Os termos acordados inegavelmente fortalecem a posição competitiva das indústrias americanas no mercado europeu. No entanto, economistas alertam que os custos das tarifas geralmente recaem sobre o consumidor final, pelo menos inicialmente. Neste caso, isso significa que os próprios americanos podem sentir os impactos dos preços mais altos de produtos europeus.

A preocupação em Bruxelas é que essa nova barreira comercial possa enfraquecer a demanda por produtos europeus e incentivar empresas a transferirem investimentos para o território americano. Construir novas fábricas nos EUA seria uma estratégia eficaz para evitar as tarifas adicionais.

Reações na Europa: frustração e decepção

O presidente francês Emmanuel Macron não poupou críticas ao avaliar o acordo. “Para ser livre, é preciso ser temido. Não fomos temidos o suficiente”, declarou em pronunciamento oficial. Seu primeiro-ministro, François Bayrou, foi ainda mais direto em sua avaliação: “É um dia sombrio quando uma aliança de povos livres, unidos para afirmar seus valores e defender seus interesses, resolve se submeter”.

O mercado financeiro também reagiu com preocupação. O euro atingiu a mínima de cinco semanas, cotado a US$ 1,1527 no dia 29 de julho, após desvalorizar-se cerca de 1,8% desde o anúncio do acordo comercial. A reação contrasta com a euforia registrada dias antes, quando a moeda única havia subido para máxima de quase três anos, impulsionada pela perspectiva de um entendimento positivo com Washington.

Impacto sobre a indústria automobilística

O setor automotivo europeu será um dos mais afetados pelas mudanças. Exportações de carros e peças para o mercado americano estarão sujeitas à tarifa de 15% — um alívio em relação aos 27,5% impostos anteriormente por Trump sobre o setor. Quando o acordo for totalmente implementado, os automóveis americanos entrarão na UE com tarifa zero.

A redução das tarifas foi recebida com alívio por países como a Alemanha, que exportou US$ 34,9 bilhões em carros novos e componentes automotivos para os EUA apenas em 2024. No entanto, representantes da indústria alemã não esconderam sua insatisfação com o resultado.

Wolfgang Niedermark, membro do conselho executivo da federação industrial alemã BDI, classificou o acordo como um “compromisso inadequado” que enviou um sinal desastroso. “A UE está aceitando tarifas dolorosas. Mesmo uma tarifa de 15% terá consequências negativas imensas para a indústria exportadora da Alemanha,” advertiu.

Promessas ambiciosas e realidade dos números

Um dos pontos mais polêmicos do acordo refere-se às promessas de investimentos e compras de energia. A União Europeia afirmou sua intenção de adquirir gás natural liquefeito, petróleo e produtos de energia nuclear dos EUA avaliados em US$ 750 bilhões nos próximos três anos. Além disso, empresas europeias teriam “manifestado interesse” em investir pelo menos US$ 600 bilhões em diversos setores americanos.

No entanto, especialistas questionam a viabilidade dessas metas ambiciosas. As importações totais de energia dos EUA representaram menos de US$ 80 bilhões no ano passado — um valor muito aquém da promessa feita por Ursula von der Leyen a Trump. As exportações totais de energia norte-americanas somaram pouco mais de US$ 330 bilhões em 2024.

A situação se complica ainda mais pelo fato de que a UE não compra energia diretamente para seus estados-membros, nem pode determinar onde as empresas europeias adquirem seus insumos energéticos. Da mesma forma, o compromisso de investir US$ 600 bilhões nos EUA é apenas um conjunto de promessas empresariais, não uma meta vinculativa que o bloco possa assumir oficialmente.

“O investimento é apenas um conjunto de promessas de empresas e não uma meta vinculativa, pois a UE não pode se comprometer com tal objetivo,” esclareceu um representante europeu sobre a questão.

O desafio dos próximos meses

Enquanto as negociações para um acordo juridicamente vinculativo continuam, a Europa enfrenta o desafio de equilibrar suas ambições comerciais com as realidades geopolíticas do momento. A decisão de aceitar as exigências de Trump pode representar um ajuste tático necessário, mas também levanta questões importantes sobre a capacidade do bloco de defender seus interesses em um cenário internacional cada vez mais competitivo.

Para especialistas, o verdadeiro teste virá nas próximas etapas das negociações, quando a UE terá que transformar promessas em resultados concretos — sem comprometer sua autonomia estratégica nem sua posição no cenário global.

Com informações de Bloomberg*

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