Plano em debate prevê mudanças na lei para permitir que o Estado compre diretamente de exportadores afetados por tarifa dos EUA
Diante da escalada comercial promovida pelo presidente norte-americano Donald Trump, que impôs tarifas de 50% sobre diversos produtos brasileiros, o governo federal estuda a possibilidade de realizar compras governamentais de mercadorias que deixaram de ser exportadas para o mercado norte-americano. A iniciativa, discutida em reunião com empresários na última segunda-feira (4), visa amenizar os impactos econômicos sobre setores produtivos afetados pela medida.
Segundo informações de fontes do setor produtivo presentes ao encontro, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, indicou que o governo pode absorver excedentes de diversos produtos. Entre os itens mencionados estão café, frutas, pescados e mel – produtos que, segundo os participantes, têm forte presença nas exportações para os Estados Unidos.
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Apesar do sinal positivo dado pelos ministros, ainda não há definição sobre os detalhes da política pública. Critérios específicos, volumes a serem adquiridos e mecanismos de execução ainda precisam ser estabelecidos. Ainda após a reunião, quando questionado pela imprensa sobre a possibilidade, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), confirmou que o plano de contingência do governo para auxiliar empresas impactadas pode incluir efetivamente compras governamentais.
A ideia ganhou força na última semana, quando o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), propôs durante reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que governos estaduais pudessem adquirir alimentos que deixaram de ter mercado externo devido às tarifas. A sugestão foi endossada pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, ampliando o espectro da discussão para esferas diferentes da administração federal direta.
Mudança na legislação pode ser necessária
A implementação da medida exigiria alterações na legislação vigente, podendo ser feita por meio de medida provisória ou projeto de lei. Isso porque o sistema tradicional de compras governamentais segue critérios específicos, como a realização de pregões eletrônicos pelo menor preço, com margem de preferência para produtos nacionais e reserva de cota mínima de 30% para produtos da agricultura familiar, especialmente no caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A proposta discutida representaria uma mudança significativa nesse modelo, ao direcionar compras específicas para beneficiar exportadores afetados pelas tarifas norte-americanas, em vez de seguir os critérios habituais de aquisição pública.
Em entrevista à CNN no último sábado (2), o próprio ministro Paulo Teixeira destacou que os alimentos adquiridos poderiam ser utilizados para reforçar a merenda escolar em escolas públicas, ampliando o impacto social da medida. Outra possibilidade seria integrar os produtos ao PAA, que tradicionalmente compra alimentos da agricultura familiar para distribuir às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional.
A estratégia, se implementada, representaria uma tentativa do governo de transformar uma crise comercial em oportunidade de apoio à produção nacional, ao mesmo tempo em que busca minimizar os impactos sobre empregos e renda em setores tradicionalmente dependentes das exportações para o mercado norte-americano.
Dólar recua e bolsa brasileira recupera terreno em dia de alívio nos mercados
Os investidores respiraram aliviados nesta segunda-feira (4) com uma jornada marcada pela melhora nos principais indicadores financeiros do país. O dólar comercial fechou abaixo da marca de R$ 5,51, enquanto a bolsa de valores brasileira avançou quase meio ponto percentual, aproximando-se novamente dos 133 mil pontos.
A moeda norte-americana encerrou o pregão cotada a R$ 5,506, registrando uma queda de R$ 0,038, ou 0,69% em relação ao fechamento da sexta-feira. A cotação, que começou o dia estável, começou a desabar ainda nos primeiros minutos de negociação e chegou a tocar R$ 5,49 por volta das 11h30, sua menor marca desde o dia 9 de julho – data em que Donald Trump anunciou as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
Com o recuo desta segunda, o dólar acumula uma desvalorização de 10,91% ao longo do ano, movimento que surpreendeu muitos analistas diante da tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos nas últimas semanas.
O euro também seguiu a tendência de enfraquecimento frente ao real, fechando a R$ 6,37, com queda de 0,7%. A cotação representa o menor patamar desde o início de julho, refletindo o movimento de fortalecimento da moeda brasileira diante das principais divisas internacionais.
Bolsa reage positivamente
No mercado acionário, o Ibovespa, principal indicador da B3, recuperou parte das perdas dos dias anteriores ao fechar aos 132.971 pontos, com alta de 0,4%. A recuperação ocorreu após duas sessões consecutivas de queda e foi impulsionada tanto por movimentos externos quanto por fatores domésticos.
A reação positiva dos mercados globais, especialmente em Nova York, somada às crescentes expectativas de redução dos juros básicos nos Estados Unidos, ajudaram a impulsionar os investimentos de risco. A probabilidade de corte na taxa Selic norte-americana em setembro aumentou após dados mostrarem uma desaceleração no mercado de trabalho estadunidense em julho.
Além disso, a renúncia de uma diretora regional do Federal Reserve (Fed) abriu caminho para uma nova indicação do presidente Trump, fator que também contribuiu para a elevação das expectativas sobre uma política monetária mais branda nos próximos meses.
Cenário interno favorece otimismo
No front doméstico, os números de emprego divulgados recentemente também colaboraram com o otimismo dos investidores. A desaceleração na criação de vagas em junho no Brasil foi vista pelo mercado como um sinal positivo para a inflação, que pode facilitar uma redução dos juros básicos ainda neste ano.
A combinação entre perspectivas externas favoráveis e sinais internos de desaquecimento econômico criou um ambiente propício para a valorização de ativos de risco, como as ações brasileiras, e a desvalorização do dólar frente ao real.
Vale lembrar que tanto o mercado cambial quanto o acionário encerraram as atividades desta segunda-feira antes do anúncio oficial da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, medida determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Brasil pode negociar minerais críticos e terras raras com os EUA, diz Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu nesta segunda-feira (4) que minerais críticos e terras raras podem ser incluídos nas negociações comerciais com os Estados Unidos como forma de equilibrar a relação bilateral diante das recentes tarifas de 50% impostas pelo governo de Donald Trump.
“Temos minerais críticos e terras raras. Os Estados Unidos não são ricos nesses minerais. Podemos fazer acordos de cooperação para produzir baterias mais eficientes”, declarou Haddad em entrevista à BandNews no início da tarde.
A declaração surge em um momento delicado das relações comerciais entre os dois países, quando o Brasil busca alternativas para minimizar os impactos das medidas protecionistas norte-americanas. Minerais como lítio e nióbio são componentes essenciais para a fabricação de baterias elétricas e equipamentos de inteligência artificial, setores estratégicos para a economia global.
O governo brasileiro tem discutido desde maio um novo marco regulatório para a inteligência artificial e datacenters (centros de processamento de dados), o que torna ainda mais relevante o controle e a negociação desses recursos minerais.
Plano de contingência será anunciado na quarta
Em relação ao plano de contingência para proteger os setores mais afetados pelo tarifaço, Haddad confirmou que as medidas já estão prontas e devem ser divulgadas até quarta-feira (6), data em que as tarifas norte-americanas entram oficialmente em vigor.
Mais cedo, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, havia afirmado que o pacote de medidas está concluído. Entre as iniciativas previstas estão linhas especiais de crédito e programas de compras governamentais de produtos que deixarem de ser exportados para o mercado norte-americano.
Haddad não descartou a possibilidade de novos produtos serem incluídos na lista de exceções do governo estadunidense até a data limite. O ministro reforçou que o Brasil continuará negociando e que as condições atuais são inaceitáveis, mas podem ser revistas.
“Creio que alguma coisa [ampliação da lista de exceções] ainda pode acontecer até o dia 6. Pode acontecer, mas estou dizendo que não trabalhamos com data fatídica. Não vamos sair da mesa de negociação até que possamos vislumbrar um acordo, que precisa de interesses em comum. Nesses termos, o Brasil, evidentemente, não vai fazer um acordo, porque não tem o menor sentido na taxação que está sendo imposta ao país”, argumentou o ministro.
Setor do café pode ser beneficiado
Um dos setores que pode ganhar tratamento especial é o do café. Após reunião com Alckmin nesta segunda-feira, o presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcio Ferreira, avaliou em 50% as chances de o setor ser excluído da tarifa de 50%.
A possibilidade tem gerado otimismo entre os exportadores, já que o café brasileiro representa um dos principais produtos comercializados com os Estados Unidos. A inclusão do setor na lista de exceções poderia significar alívio importante para milhares de produtores e empresas ligadas à cadeia produtiva do grão.
Enquanto as negociações seguem em andamento, o governo prepara estratégias para proteger a economia nacional e manter abertas as portas para um acordo comercial equilibrado, baseado em interesses mútuos e respeito às regras do comércio internacional.
Com informações da CNN e Agência Brasil e Reuters*