A associação de Elon Musk ao governo Trump e políticas impopulares tem afastado consumidores europeus, mais atentos a causas sociais e ambientais
Enquanto a Tesla enfrenta uma forte resistência nos principais mercados europeus, a montadora chinesa BYD vive um momento de expansão acelerada. Dados oficiais do setor automotivo revelados nesta terça-feira mostram um cenário de transformação no mercado de veículos elétricos: as vendas da Tesla caíram mais de 50% em julho na Alemanha e na Grã-Bretanha — dois dos maiores mercados automotivos da Europa — ao passo que as da BYD explodiram, registrando crescimento de quase cinco vezes na Alemanha e mais de quatro vezes na Grã-Bretanha no mesmo período.
Na Grã-Bretanha, os registros de veículos da Tesla em julho caíram 60%, somando apenas 987 unidades emplacadas. Na Alemanha, o número foi de 1.110 carros vendidos, uma queda de 55% em relação ao mesmo mês do ano anterior. O desempenho negativo se repete em escala continental: em dez mercados europeus que, juntos, respondem por mais de 80% das vendas da Tesla na União Europeia, Reino Unido e Associação Europeia de Livre Comércio, o recuo acumulado chegou a 45% neste ano.
Leia também:
Trump prepara plano tarifário para semicondutores e chips
Tarifas farmacêuticas podem chegar a 250%, segundo Trump
Petroleira encontra no Brasil o que não via há 25 anos
Apesar do lançamento da reformulação do Model Y — um dos modelos mais importantes da marca —, a estratégia não foi suficiente para reverter a perda de interesse do consumidor europeu. Analistas apontam que o desencanto vai além de atualizações técnicas ou preços. O que parece estar pesando no bolso da Tesla é uma mudança de percepção em torno da figura de seu fundador e maior acionista, Elon Musk.
O apoio público de Musk à campanha presidencial de Donald Trump no ano passado foi o estopim de uma reação crescente entre consumidores, especialmente em países com maior sensibilidade política e social. A situação se agravou quando ele assumiu um cargo de destaque no governo republicano, à frente do controverso Departamento de Eficiência Governamental, o chamado “Doge”, responsável por cortes massivos em agências federais e pela demissão de milhares de servidores públicos. Essa atuação intensificou o desgaste da imagem da marca, especialmente entre consumidores que valorizam causas progressistas, sustentabilidade e responsabilidade social.
“Não é só sobre carros. É sobre valores”, disse uma concessionária de Munique, que preferiu não se identificar. “Clientes que antes sonhavam com um Tesla agora perguntam sobre alternativas chinesas, alemãs, até norueguesas. O nome Musk virou um ponto de estranhamento.”
E enquanto a reputação de Musk se desgastava, a BYD aproveitou o vácuo. Na Alemanha, a montadora chinesa registrou 1.126 veículos em julho — um salto em relação ao ano anterior — e já soma 7.449 unidades vendidas no acumulado do ano. Na Grã-Bretanha, foram 3.184 carros novos emplacados no mês, um aumento superior a 300% em relação ao mesmo período de 2023. A ascensão da BYD é vista como parte de um movimento mais amplo de consolidação das montadoras asiáticas no mercado europeu, impulsionadas por preços competitivos, boa autonomia e estratégias de marketing alinhadas às preocupações ambientais.
A perda de fidelidade entre os consumidores também é evidente nos Estados Unidos, berço da Tesla. Uma pesquisa recente da S&P Global Mobility, obtida pela agência Reuters, mostra que a taxa de retenção de clientes da marca — ou seja, a porcentagem de donos de Teslas que compram outro Tesla ao trocar de carro — despencou. Em junho de 2024, o índice chegou a 73%, um recorde. Mas em março deste ano, logo após Musk assumir o Doge, caiu para 49,9%, indicando que menos da metade dos proprietários continuam fiéis à marca.
Com a pressão crescente e o desgaste político, Musk deixou o governo Trump no fim de maio. Ainda assim, os estragos já estavam feitos. “A associação entre uma marca de tecnologia e inovação com um ambiente político polarizador gerou desconforto”, explica a pesquisadora em comportamento do consumidor Carla Mendes, da Universidade de Lisboa. “As pessoas não querem apenas um carro elétrico. Querem se identificar com a marca por trás dele.”
Agora, a Tesla precisa reconstruir não só sua estratégia de vendas, mas também sua imagem. Enquanto isso, a BYD e outras montadoras aproveitam o momento para consolidar presença, investir em redes de carregamento e fortalecer campanhas que destacam compromisso com neutralidade política e sustentabilidade.
O mercado europeu, cada vez mais competitivo, parece ter mudado de vez. E, desta vez, a liderança não está mais garantida apenas por quem chegou primeiro — mas por quem consegue se conectar com o espírito do tempo.
Em fevereiro, Brasil se consolidou como principal mercado internacional da BYD
Enquanto a Tesla enfrenta resistência na Europa por conta da controvérsia em torno de Elon Musk, a montadora chinesa BYD acelera em ritmo alucinante em outro ponto estratégico do globo: o Brasil. Em fevereiro de 2025, dados divulgados pela Xinhua e confirmados pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) revelaram um marco histórico: o Brasil se tornou o maior mercado da BYD fora da China.
O ápice dessa trajetória foi atingido em dezembro de 2024, quando a empresa registrou 10.091 veículos vendidos em um único mês — o maior volume já alcançado pela marca em território brasileiro desde sua entrada no país. Esse número não apenas superou recordes anteriores, como consolidou a BYD como uma das forças dominantes no segmento de veículos elétricos no Brasil.
No acumulado de 2024, a montadora vendeu 76.713 carros no país, um crescimento vertiginoso de 327,68% em relação aos 17.937 veículos comercializados em 2023. Esse avanço expressivo coloca o Brasil à frente de outros mercados internacionais importantes da BYD, como Tailândia, Austrália e Alemanha, tornando-o o principal pilar da expansão global da empresa no exterior.
Um dos grandes responsáveis por esse sucesso é o modelo Dolphin, que rapidamente conquistou o gosto dos consumidores brasileiros. Disponível nas versões Dolphin Plus, por 179,8 mil reais, e Dolphin Diamond, por 149,8 mil reais, o carro se destacou por combinar design moderno, autonomia competitiva e um preço mais acessível em comparação a outros elétricos de marcas premium. Em pouco tempo, o Dolphin já figura entre os veículos elétricos mais vendidos do país, oferecendo uma alternativa viável para quem busca deixar os combustíveis fósseis para trás sem comprometer o orçamento.
“O recorde de vendas não apenas representa o importante avanço da BYD no Brasil, mas também reflete o compromisso da BYD com inovação e desenvolvimento sustentável”, afirmou Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD no Brasil, em entrevista coletiva realizada em Brasília. “Estamos investindo em infraestrutura de carregamento, parcerias locais e programas de pós-venda para garantir que o consumidor brasileiro tenha a melhor experiência possível.”
A estratégia da BYD no Brasil vai além da venda de carros. A empresa já inaugurou fábricas no Ceará e em São Paulo, com planos de aumentar a produção local e reduzir custos. Também tem investido pesado em campanhas de conscientização sobre mobilidade elétrica, além de parcerias com prefeituras para a implantação de frotas de ônibus elétricos nas principais capitais.
Especialistas veem nisso um movimento inteligente de longo prazo. “A BYD entendeu que o Brasil não é apenas um mercado emergente, mas um território com potencial de transformação real na matriz de transporte”, diz o analista automotivo Rafael Toledo. “Eles chegaram com produtos bem posicionados, preço competitivo e uma narrativa alinhada com sustentabilidade — tudo o que o consumidor atual valoriza.”
Enquanto isso, a Tesla ainda engatinha no país, com preços elevados e uma rede de serviço limitada, o que tem dificultado sua penetração. No cenário global, o contraste é claro: enquanto a marca de Musk perde força em mercados-chave por conta de decisões políticas controversas, a BYD ganha terreno com uma abordagem mais neutra, técnica e focada no consumidor.
Com o Brasil agora no centro do tabuleiro internacional da mobilidade elétrica, a ascensão da BYD parece apenas estar começando. E se os números de 2024 são um indicativo, 2025 pode ser o ano em que o país se consolida não só como um hub de vendas, mas como um exemplo de transição energética impulsionada por escolhas inteligentes, acessíveis e alinhadas ao futuro.
Com informações do O Globo e a Agência de Notícias Xinhua*