Brasil formaliza queixa na OMC contra tarifaço de Trump e denuncia violação às regras do comércio internacional

RICARDO STUCKERT/PR

O governo brasileiro formalizou nesta quarta-feira, 6, um pedido de consulta contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), em resposta direta às tarifas de até 50% impostas pelo presidente Donald Trump sobre uma série de produtos brasileiros.

A medida representa o primeiro passo de uma disputa comercial dentro do sistema multilateral, e foi protocolada pela missão do Brasil junto à OMC em Genebra, conforme revelou o jornal Folha de S. Paulo.

Apesar de reconhecer as limitações práticas do sistema atual da OMC, especialmente pela paralisação de seu Órgão de Apelação desde 2019 — um impasse causado justamente pelos EUA — o governo Lula classificou a ação como um gesto político fundamental. A iniciativa busca reafirmar o compromisso do Brasil com o comércio internacional baseado em regras e com a defesa do multilateralismo.

Reação coordenada pelo governo federal

A decisão foi tomada após reunião do Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior (Camex), presidido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e com participação de ministros como Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil).

Na véspera, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, já havia anunciado publicamente a intenção de recorrer à OMC. Em nota técnica que fundamentou a decisão, o Itamaraty argumenta que as tarifas decretadas por Trump rompem compromissos assumidos pelos EUA no âmbito da própria organização, entre eles o princípio da “Nação Mais Favorecida” e os tetos tarifários acordados entre os membros.

Primeira etapa: consultas formais

O pedido de consultas bilaterais é a fase inicial do sistema de solução de controvérsias da OMC. Nele, o país reclamante — neste caso, o Brasil — solicita explicações formais e propõe diálogo com a parte acusada, neste caso os Estados Unidos. O prazo legal para essa etapa é de 60 dias. Se não houver acordo, o Brasil poderá solicitar a instalação de um painel arbitral.

O painel, composto por três especialistas independentes, tem como função avaliar a compatibilidade das medidas adotadas pelos EUA com os tratados da OMC. Embora o prazo padrão para uma decisão seja de seis a nove meses, disputas complexas como essa podem se estender por até cinco anos.

Sistema paralisado e desfecho incerto

Mesmo que o painel decida a favor do Brasil, a decisão poderá ser contestada pelos Estados Unidos. Neste caso, o recurso seria julgado pelo Órgão de Apelação da OMC — instância que, desde 2019, está inoperante devido ao bloqueio sistemático de nomeações promovido pelo próprio governo Trump, ainda em seu primeiro mandato.

Na prática, isso tem deixado mais de 20 disputas comerciais sem desfecho desde então. O impasse compromete a aplicação efetiva de sanções e a resolução final de controvérsias, criando um “vácuo jurídico” no comércio internacional.

Gesto simbólico com repercussão diplomática

O Itamaraty reconhece que a disputa tem impacto limitado no curto prazo, mas avalia que a ação é estratégica para preservar o sistema multilateral. A expectativa é que o gesto sirva como sinal político de que o Brasil não aceitará passivamente medidas unilaterais com impacto direto sobre suas exportações.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores destacou que “as sobretaxas foram adotadas com base em legislações internas dos EUA, como a Lei dos Poderes Econômicos de Emergência Internacional e a Seção 301 da Lei de Comércio norte-americana, ferindo compromissos centrais assumidos por aquele país na OMC”.

O pedido brasileiro contesta formalmente duas ordens executivas: a de 2 de abril de 2025, que trata da aplicação de tarifas recíprocas a países com altos superávits comerciais com os EUA; e a de 30 de julho de 2025, que visa diretamente o Brasil sob alegações de violações à liberdade de expressão e perseguições políticas — acusações baseadas em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

Impacto econômico e medidas paralelas

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as novas tarifas americanas podem reduzir as exportações brasileiras em até US$ 54 bilhões e impactar o PIB nacional em R$ 19 bilhões no curto prazo. Os setores mais atingidos incluem café, carnes, petroquímicos e siderurgia — alguns dos quais representam parte significativa do superávit comercial do Brasil com os EUA.

Paralelamente à ação na OMC, o governo brasileiro estuda medidas emergenciais de apoio a exportadores, incluindo linhas de crédito e renegociação de contratos com compradores internacionais. Em nota à imprensa, o Planalto reforçou que mantém aberto o canal diplomático com Washington, mas “não hesitará em defender os interesses estratégicos do país”.

A data e o local das consultas com os EUA deverão ser definidos nas próximas semanas, conforme as regras da OMC. Enquanto isso, a disputa pode ganhar peso no debate geopolítico global, com o Brasil tentando mobilizar apoio de outras economias emergentes e de parceiros comerciais contrários ao protecionismo norte-americano.

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