Entenda a medida adotada pelo STF para Bolsonaro

Com 235 mil pessoas fora das prisões comuns, o uso da prisão domiciliar ganha espaço como alternativa que une segurança e respeito aos direitos humanos / Reprodução

A decisão do STF sobre prisão domiciliar com tornozeleira marca um novo capítulo no sistema penal brasileiro e questiona os limites da liberdade e controle


O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpra prisão domiciliar com monitoramento por tornozeleira eletrônica, uma medida que funciona como alternativa à prisão provisória e é aplicada em diferentes situações no sistema judicial brasileiro. Mas o que exatamente significa essa decisão e qual é a frequência desse tipo de prisão no país?

A prisão domiciliar é uma medida cautelar que permite que o acusado permaneça em casa durante o andamento do processo, evitando a prisão em uma unidade prisional tradicional. Ela pode ser aplicada tanto antes da condenação, como forma de garantir que o julgamento ocorra sem interferências externas, quanto, em casos menos comuns, após a condenação, especialmente quando há razões humanitárias envolvidas. Por exemplo, essa modalidade foi adotada para o ex-presidente Fernando Collor, que cumpriu pena em casa devido a problemas de saúde.

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No caso de Bolsonaro, a prisão domiciliar foi decretada antes de qualquer sentença definitiva, classificando-se como uma alternativa à prisão provisória, que ocorre quando o acusado ainda não foi julgado. Essa prática busca equilibrar a necessidade de manter a ordem do processo judicial e preservar direitos individuais, evitando a detenção em ambientes prisionais que podem ser mais severos e problemáticos.

De acordo com dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Brasil registra atualmente cerca de 235 mil pessoas que estão detidas provisoriamente ou cumprindo suas penas fora das prisões convencionais. Deste total, aproximadamente 32 mil estão em prisão domiciliar antes da condenação, situação na qual se enquadra Bolsonaro, enquanto cerca de 4 mil pessoas já condenadas cumprem suas sentenças em casa, como foi o caso de Collor.

Um dado relevante é que, em 93% dos casos, a prisão domiciliar é acompanhada do uso da tornozeleira eletrônica, ferramenta tecnológica que permite o monitoramento constante do cumprimento da medida pelo sistema de Justiça. A tornozeleira assegura maior controle sobre o acusado, oferecendo uma alternativa mais flexível e menos restritiva do que a prisão em estabelecimentos penais tradicionais.

A prisão domiciliar com tornozeleira tem ganhado espaço como uma solução intermediária que protege os direitos dos acusados, garantindo que o processo legal siga seu curso sem prejuízos à segurança pública ou à ordem judicial. Ao mesmo tempo, essa medida reforça o compromisso do sistema judiciário com o respeito à dignidade humana, especialmente em casos que não demandam uma detenção mais rigorosa.

O caso de Bolsonaro, portanto, insere-se nesse contexto mais amplo do uso da prisão domiciliar no Brasil, refletindo as complexidades do sistema penal e a busca por alternativas que conciliem o rigor das leis com a proteção dos direitos individuais. A medida agora imposta segue os parâmetros legais estabelecidos e demonstra a importância de um judiciário que atua dentro das normas, garantindo a justiça e o respeito ao Estado de Direito.

Prisão domiciliar de Bolsonaro: como funciona a medida, para quem é destinada e o contexto da decisão do STF

Além da prisão domiciliar, o sistema penal brasileiro conta com outros regimes de cumprimento de pena que, apesar de parecerem semelhantes, apresentam diferenças importantes. Conforme explica o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, há distinção clara entre prisão domiciliar e regimes semiaberto ou aberto, que são formas distintas de cumprimento de pena fora das prisões tradicionais.

“No regime aberto, o preso tem que fazer um comparecimento ao fórum, tem que comunicar mudanças de endereço. Na prisão domiciliar, não se pode sair de casa. Há um raio, e você tem que permanecer ali. Os regimes semiaberto e aberto têm algumas condições diferentes de cumprimento da prisão domiciliar”, esclarece Botelho.

Botelho, que participou da elaboração da Lei das Medidas Cautelares, sancionada em 2011, destaca que essa legislação (Lei 12.403/2011) foi fundamental para regulamentar as alternativas à prisão provisória no Brasil e popularizar a prisão domiciliar como medida cautelar. A lei prevê critérios específicos para sua aplicação, como:

  • Ser maior de 80 anos;
  • Estar gravemente debilitado por doença;
  • Ter a responsabilidade de cuidar de criança menor de 6 anos ou com deficiência;
  • Ser gestante a partir do 7º mês de gravidez ou em gestação de alto risco.

Entretanto, especialistas ouvidos pela reportagem destacam que esses critérios não limitam a possibilidade de aplicação da prisão domiciliar a pessoas fora desses perfis, reforçando a flexibilidade que a medida pode ter no sistema judicial.

Por que Bolsonaro está em prisão domiciliar?

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Inicialmente, o ex-presidente teve o uso da tornozeleira eletrônica imposto como medida cautelar em 18 de junho. A decisão considerou que Bolsonaro e seu filho Eduardo teriam atuado em conjunto para tentar influenciar sanções impostas pelos Estados Unidos contra o Brasil.

Porém, em 4 de agosto, Moraes decidiu que Bolsonaro descumpriu as restrições ao se comunicar com manifestantes, além de ter um vídeo divulgado pelo senador Flávio Bolsonaro, outro filho, que sugeria descumprimento das medidas. Em razão dessas violações, a cautelar foi agravada, passando da simples monitoração eletrônica para a prisão domiciliar.

A advogada criminalista Carolina Gerassi avalia que essa progressão da medida cautelar reflete a atuação do juiz responsável, que agiu após múltiplos descumprimentos de Bolsonaro. “Trata-se de decisão que beneficia o réu e contrasta com a realidade da costumeira aplicação de prisões preventivas sob fundamentos genéricos, uma das principais causas da superlotação carcerária que tem como recorte pessoas racializadas (negras e pardas) e de baixa renda e escolaridade”, comenta.

Quem pode ser submetido à prisão domiciliar antes da condenação?

A prisão domiciliar é uma das várias medidas cautelares que um juiz pode determinar antes do julgamento definitivo. O objetivo dessas medidas é garantir que o processo judicial transcorra com segurança, evitando situações que possam atrapalhar a apuração dos fatos, como fuga, combinação de versões entre investigados ou intimidação de testemunhas.

Essa modalidade de prisão antes da condenação é uma alternativa menos drástica que a prisão preventiva, que exige que o acusado fique detido em estabelecimento prisional até o julgamento.

Gabriel Sampaio, advogado e diretor da ONG Conectas, destaca que, embora a lei apresente critérios específicos para aplicação da prisão domiciliar, ela pode ser empregada em outras circunstâncias. “Há um conjunto de alternativas à prisão preventiva, e uma delas é a prisão domiciliar. Há algumas possibilidades na lei, como pessoa maior de 80 anos, ou que tenha doença grave, ou que ela cuide de uma criança com menos de 6 anos. No entanto, defendo que este rol não é excludente, e a prisão domiciliar pode ser aplicada em outras hipóteses”, explica.

Outras medidas cautelares possíveis durante o processo judicial

Além da prisão domiciliar, o sistema jurídico brasileiro conta com uma série de outras medidas cautelares que visam preservar a ordem do processo e a segurança das partes envolvidas. Entre elas estão:

  • Fiança;
  • Medida protetiva, em casos de violência doméstica;
  • Proibição de contato ou acesso a determinadas pessoas e lugares;
  • Proibição de deixar a comarca, ou seja, o local do juizado;
  • Comparecimento periódico ao juízo;
  • Recolhimento domiciliar com restrição de horários e/ou dias;
  • Suspensão de função pública, em casos envolvendo agentes públicos;
  • Monitoramento eletrônico, como o uso da tornozeleira;
  • Internação provisória, aplicável a pessoas inimputáveis por questões mentais.

Essas alternativas garantem que a Justiça tenha ferramentas para agir com equilíbrio e adequação, evitando prisões desnecessárias e ao mesmo tempo assegurando o bom andamento dos processos.

No caso de Jair Bolsonaro, a combinação de prisão domiciliar e uso de tornozeleira eletrônica representa um mecanismo de controle judicial que visa manter o equilíbrio entre a necessidade de investigação e o respeito aos direitos do investigado, mostrando como o sistema jurídico brasileiro tem buscado aprimorar suas respostas diante de casos complexos e de alta repercussão.

Prisão domiciliar após condenação: quando e por que é aplicada

A prisão domiciliar após a condenação é uma medida aplicada de forma mais restrita, geralmente vinculada a questões humanitárias, como problemas de saúde ou idade avançada do condenado. Especialistas ouvidos pela reportagem explicam que, em regra, essa modalidade é reservada para aqueles que, por suas condições físicas ou médicas, não conseguiriam receber o tratamento adequado dentro do sistema penitenciário tradicional.

“O benefício da prisão domiciliar pode ser concedido para a pessoa condenada que tenha uma situação específica em que ela não conseguiria tratamento, por exemplo, no sistema penitenciário. E, aí, vai cumprir o resto da pena em prisão domiciliar”, explica o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho.

Um exemplo emblemático é o caso do ex-presidente Fernando Collor, condenado a uma pena de 8 anos e 10 meses em regime fechado por crimes investigados na Operação Lava Jato. Collor cumpre sua pena em prisão domiciliar, residindo em um apartamento de cobertura com vista para o mar em Maceió (AL). O ministro Alexandre de Moraes justificou essa decisão com base na idade do ex-presidente — 75 anos — e em doenças que ele apresenta, como apneia grave do sono, Doença de Parkinson e transtorno afetivo bipolar.

A prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica

O uso da tornozeleira eletrônica é bastante comum entre pessoas que cumprem prisão domiciliar, seja antes ou depois da condenação. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça, cerca de 36 mil pessoas cumprem penas ou medidas cautelares em prisão domiciliar no país. Dessas, quase 34 mil (93%) usam tornozeleira eletrônica, enquanto pouco mais de 2,6 mil (7%) não têm o monitoramento eletrônico.

Para o advogado Gabriel Sampaio, a decisão sobre o uso ou não da tornozeleira fica a critério do juiz responsável pelo caso, que define a forma e o nível de fiscalização que considera adequado para garantir o cumprimento da medida.

“É uma questão de conveniência do juízo, que pode determinar ou não. A rigor, a monitoração eletrônica em si já é vista como uma cautelar específica e pode ser combinada com outras cautelares. Pode haver, por exemplo, restrição a ir até determinados locais e a tornozeleira permite monitorar essa vedação”, explica Sampaio.

Prisão domiciliar x regime aberto: entenda as diferenças

Embora possam parecer semelhantes para quem está de fora, prisão domiciliar e regime aberto apresentam diferenças importantes. O regime aberto é tradicionalmente usado como etapa final no cumprimento de uma pena que começou em regime fechado ou semiaberto — um processo conhecido como progressão de pena. Também é possível que uma pessoa seja condenada a cumprir a pena desde o início em regime aberto, embora isso seja menos frequente.

No regime aberto, o condenado tem permissão para sair de casa para trabalhar, estudar ou realizar outras atividades, mas deve comparecer periodicamente ao fórum para comprovar o cumprimento das obrigações impostas pela Justiça.

Já a prisão domiciliar é muito mais restritiva: o preso deve permanecer dentro da residência o tempo todo, não podendo sair do local, sob risco de violar a medida judicial.

A advogada criminalista Carolina Gerassi destaca que, em situações onde não há vagas suficientes em albergues para o regime aberto, existem outras alternativas para evitar a prisão, como o comparecimento mensal ao fórum com comprovação de atividades lícitas ou o recolhimento domiciliar noturno. Essas medidas limitam a liberdade, mas não configuram prisão.

“O regime aberto é o regime mais próximo da ressocialização do condenado, porque permite o deslocamento para trabalho e estudo, com a permanência em casas do albergado, que não são estabelecimentos prisionais, mas albergues”, esclarece Gerassi.

Com informações do g1*

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