Efeitos da regulamentação das apostas no Brasil e em outros países

A regulamentação das apostas sempre levanta dúvidas: será que as empresas vão sobreviver aos impostos? Os apostadores vão fugir do mercado legalizado? No Brasil, pelo menos até o momento, o que se vê é exatamente o contrário: um crescimento vertiginoso, impulsionado pela formalização e pela entrada de grandes players. 

E esse fenômeno não é exclusivo: países como EUA, Reino Unido e Espanha passaram por trajetórias semelhantes. Por isso, a pergunta é inevitável: o que a experiência internacional nos ensina sobre os efeitos da regulamentação e o que podemos esperar daqui para frente? E mais, como o Brasil deve agir para garantir o melhor dos mundos para a sua imensa população? 

As mudanças na quantidade de apostadores

Mais ou menos pessoas apostando? O que um cenário de regulamentação e maior fiscalização gera? Vamos olhar cada país e já identificar o que o mercado brasileiro vem mostrando:

  • Estados Unidos — Após a legalização em 2018, o volume apostado saltou de aproximadamente US$ 4,9 bi para cerca de US$ 121 bi em 2023 (Dados de New York Post). Estima-se que 68 milhões de americanos apostaram legalmente no Super Bowl, uma expansão massiva da base de usuários.
  • Espanha — o número de apostadores continuou crescendo, mas principalmente após o retorno dos bônus de boas-vindas em 2024, o número de jogadores online cresceu 21,6%, com quase 2 milhões de contas ativas (Dados do El País). Jovens de 18 a 45 anos lideraram essa nova adesão.
  • Reino Unido — Desde a Gambling Act de 2005, o setor físico perdeu força, mas o online consolidou cerca de 2,1 milhões de clientes regulares. A digitalização foi o principal motor do crescimento.
  • Austrália — Cerca de 72,8% dos adultos apostam anualmente, sendo 38% semanalmente. O país lidera globalmente em volume apostado (AUD 244 bi em 2022–23), com mercado amplamente consolidado.

A regulamentação, em vez de reduzir, tende a ampliar o número de apostadores ao legalizar práticas já comuns e atrair novos usuários que buscam segurança. Em países como a Espanha, bônus de boas-vindas impulsionaram fortemente o crescimento de contas. 

No Brasil, eles foram bloqueados imediatamente após a regulamentação, que engloba tanto o cassino, em jogos caça-níqueis desde valores muito baixos partindo de slots de 5 centavos, como as apostas esportivas, líderes do setor.

A arrecadação do Estado e o redirecionamento dos recursos

Em países que regulamentaram as apostas, o impacto fiscal é significativo. Nos Estados Unidos, a arrecadação com impostos ultrapassou US$ 1,8 bilhão só em 2023, com estados como Nova Jersey arrecadando mais de US$ 50 milhões em um único ano. 

Ainda assim, a destinação para políticas de prevenção ao vício é tímida. Em Kentucky, por exemplo, apenas 2,5% da receita é reservada para esse fim. No Reino Unido, o setor gera cerca de £3,6 bilhões por ano ao tesouro, segundo o jornal The Sun, com parte dos recursos financiando áreas como saúde e educação, embora os investimentos em tratamento de dependentes ainda fiquem aquém do necessário. 

Na Austrália, jogos de azar chegam a representar até mais de 10% da arrecadação tributária em alguns estados, consolidando o setor como uma fonte relevante de receita local. 

No caso do Brasil, antes da regulamentação, a maior parte do dinheiro das apostas ia para o exterior, sem retorno fiscal. Agora, com o mercado sendo formalizado, projeta-se um volume de US$ 3 bilhões em receita bruta em 2025, dentro de um cenário estimado de US$ 34 bilhões movimentados em apostas. 

A regulamentação, portanto, transforma um fluxo financeiro antes invisível em fonte concreta de arrecadação. Se bem estruturado, esse novo modelo pode converter evasão fiscal em investimento público, desde que haja transparência, controle e um plano claro de redirecionamento dos recursos.

Sobre a situação fiscal e financeira das empresas de apostas

A regulamentação tem oferecido às empresas de apostas algo valioso: estabilidade e previsibilidade. Em geral, o setor se beneficiou com o aumento da base de usuários e do volume financeiro movimentado. Nos Estados Unidos, gigantes do ramo cresceram após a legalização, impulsionadas por investimentos em tecnologia e marketing. 

Na Espanha, o cenário também é positivo: o setor online gerou cerca de €1,45 bilhão em lucros em 2024, mesmo após restrições à publicidade. No entanto, medidas mais duras, como o Royal Decree de 2020, impactaram o crescimento de curto prazo, com queda de centenas de milhares de contas e também do valor apostado. 

De forma geral, os impostos e as obrigações fiscais não têm afugentado as grandes operadoras em mercados regulados. Apesar da redução nas margens, o aumento do volume de apostas e a segurança jurídica compensam. 

As empresas que permanecem são aquelas capazes de se adaptar ao novo cenário, enquanto as que operavam à margem da lei tendem a sair. O que define a sustentabilidade do setor é justamente esse equilíbrio entre crescimento, compliance e viabilidade tributária.

O equilíbrio entre controle e liberdade: qual garante o cenário ideal?

A chave para um modelo sustentável de apostas está no equilíbrio entre controle estatal e liberdade regulada. A experiência internacional mostra que legislações rígidas demais podem empurrar o mercado para a clandestinidade, enquanto uma liberação excessiva favorece abusos, vício e desequilíbrio social. Encontrar esse ponto de equilíbrio é o grande desafio.

No Reino Unido, a Gambling Commission impõe exigências às operadoras, restringe publicidade e exige sistemas de autoexclusão, mas ainda é criticada pelo excesso de marketing e pouca verba para tratamento do vício. A Irlanda vai além: proibiu anúncios, bônus e apostas de alto valor, apostando em um controle mais severo para reduzir danos.

Já países como Turquia e Tailândia, que optaram pela proibição total, apenas empurraram o jogo para a clandestinidade, sem arrecadação nem proteção ao consumidor. A Estônia oferece um caminho intermediário: licenciamento seletivo e bloqueio de sites não autorizados garantem um mercado seguro e funcional.

O modelo mais eficaz une regulação firme, fiscalização ativa, limites bem definidos e proteção real ao jogador, reconhecendo que a proibição total só fortalece o mercado ilegal. 

Para o Brasil, o ideal é equilibrar controle e liberdade: com regras claras para publicidade, promoções moderadas, sistemas de exclusão e um fundo dedicado à saúde mental. Assim, é possível explorar o potencial econômico do setor sem negligenciar seus riscos sociais.

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