A aplicação da Lei Magnitsky pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ampliou a crise diplomática entre Brasília e Washington e colocou a corte sob pressão inédita. A medida ocorre na fase final do julgamento de Jair Bolsonaro, acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de tentativa de golpe de Estado em 2022.
Criada em 2012, a Lei Magnitsky foi inicialmente direcionada a autoridades russas acusadas de violações graves de direitos humanos e, desde 2016, passou a ter alcance global. A legislação permite ao governo norte-americano impor sanções econômicas e restrições de viagem a indivíduos em qualquer país acusados de corrupção ou abusos sistemáticos de direitos.
No caso brasileiro, Washington acusa Moraes de autorizar detenções arbitrárias e restringir a liberdade de expressão. A sanção ocorre após os EUA já terem barrado a entrada do ministro e de outros integrantes do STF em território norte-americano e anunciarem tarifas adicionais de 50% sobre produtos brasileiros, medida associada à condução do julgamento de Bolsonaro. A embaixada norte-americana indicou que outros aliados de Moraes no Judiciário e em diferentes esferas também podem ser alvo de sanções.
Reação das instituições brasileiras
O STF respondeu afirmando que não se desviará do dever de cumprir a Constituição e a legislação brasileira. O tribunal reforçou que a análise de crimes atribuídos ao ex-presidente é de competência exclusiva da Justiça. No Legislativo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), criticaram a interferência estrangeira.
A tensão aumentou após Moraes decretar a prisão domiciliar de Bolsonaro por descumprimento de medida cautelar que proibia o uso de redes sociais. A decisão provocou reação de apoiadores do ex-presidente e intensificou a campanha pelo impeachment do ministro. Embora tenha havido divergências internas no STF, ministros como Gilmar Mendes manifestaram apoio público a Moraes.
Avaliações jurídicas e políticas
Para Diego Nunes, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a aplicação da Lei Magnitsky contra uma autoridade brasileira é uma tentativa de enfraquecer a credibilidade da Justiça do país e um uso distorcido de uma legislação voltada originalmente a líderes autoritários e criminosos internacionais.
A constitucionalista Adriana Cecilio afirma que a sanção afeta não apenas o indivíduo, mas a instituição que ele integra, configurando ação contra o próprio Estado brasileiro. Segundo ela, eventuais questionamentos às decisões de ministros do STF devem seguir o rito previsto na Constituição, como o processo de impeachment.
Já Álvaro Palma de Jorge, professor da FGV Direito Rio, vê a medida como precedente para que legislações estrangeiras sejam usadas para punir decisões de tribunais de outros países, o que, segundo ele, pode atingir futuras autoridades, incluindo membros da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal.
Impactos diplomáticos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou como inaceitável a sanção a Moraes e acusou políticos brasileiros de colaborarem com interesses externos ao apoiar a medida. A escalada de tensões inclui elementos de política interna e relações internacionais, com repercussões diretas nas negociações comerciais entre Brasil e Estados Unidos.
A crise coloca o STF no centro de uma disputa que extrapola fronteiras, em um cenário que combina julgamento de alta repercussão, pressões diplomáticas e debates sobre soberania e independência do Judiciário.