Uma análise do programa Vantage, do canal indiano Firstpost, comenta a principal consequência das políticas de Donald Trump: a aproximação entre Índia e China, que até pouco tempo eram rivais geopolítico na Ásia.
O programa Vantage, do canal Firstpost, é conhecido por sua perspectiva indiana única sobre eventos globais, oferecendo uma cobertura de 360 graus que desafia a sabedoria convencional. E a análise apresentada por Palki Sharma expõe uma ironia geopolítica fascinante: ao tentar isolar a China e pressionar a Índia com suas tarifas agressivas, Trump inadvertidamente forçou um degelo entre duas nações que mantinham relações tensas há anos.
Não se trata ainda de uma reconciliação completa, mas sim de um realinhamento tático que está muito em progresso. Os sinais de normalização têm se multiplicado nos últimos meses, culminando no que pode ser considerado o maior desenvolvimento até agora: a possível visita do ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, à Índia.
O cenário da aproximação
Wang Yi não visita a Índia há três anos. Em sua última visita, ele se encontrou com duas figuras-chave: o conselheiro de Segurança Nacional Ajit Doval e o ministro das Relações Exteriores S. Jaishankar. Se esta nova visita se concretizar, espera-se um itinerário similar, sinalizando a retomada de canais diplomáticos importantes.
O timing é particularmente significativo. Dois grandes desenvolvimentos estão no horizonte. Primeiro, os voos diretos entre Índia e China estão prestes a ser retomados. O anúncio pode ser feito ainda este mês, com o governo já tendo conversado com companhias aéreas como Air India e IndiGo, pedindo que iniciem os preparativos.
Segundo, o primeiro-ministro Modi está programado para viajar à China para participar da Cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) em Tianjin. Esta seria a primeira visita de Modi à China em sete anos, e espera-se que ele se encontre com o presidente Xi Jinping. Os voos diretos devem ser retomados logo após esse encontro.
Outros sinais concretos de aproximação incluem a reabertura, pela primeira vez em cinco anos, de dois locais de peregrinação sagrados para os indianos: o Monte Kailash e o Lago Mansarovar. A tradicional peregrinação Kailash Mansarovar foi revivida, representando um gesto simbólico importante.
Além disso, a China aliviou as restrições à exportação de ureia para a Índia, um movimento economicamente significativo. A Índia consome grandes quantidades de ureia, e sua economia agrícola depende de fornecimentos estáveis de fertilizantes. Como a produção doméstica não atende à demanda, as importações preenchem essa lacuna, tornando a ureia central para o sistema agrícola indiano.
A causa comum
Por que essa aproximação está acontecendo agora? A resposta está na pressão econômica comum exercida pelos Estados Unidos. Tanto a Índia quanto a China enfrentam tarifas americanas elevadas e o risco de perder acesso ao mercado americano. Essa pressão criou um terreno comum inesperado.
Ambos os países querem evitar uma desaceleração econômica, atrair investimentos, aumentar o investimento estrangeiro direto e garantir acesso a energia barata. Esses são pontos claros de convergência que explicam a cooperação emergente.
A missão chinesa em Nova Delhi entrou em ação total desde que Trump anunciou novas tarifas sobre a Índia. A embaixada chinesa emitiu múltiplas declarações de apoio, com o embaixador chinês na Índia criticando abertamente as tarifas de Trump e apoiando a busca indiana por soberania econômica.
Este é um resultado direto da guerra comercial de Trump. Com suas tarifas, ele queria isolar a China e forçar a Índia a se submeter. Em vez disso, aproximou ambos os lados. É provável que Trump até mesmo reivindique crédito por isso no futuro.
Limitações e perspectivas
É importante notar que as tensões ainda persistem ao longo da fronteira sino-indiana. Há um déficit de confiança profundo, especialmente após conflitos passados e o fornecimento chinês de armas e inteligência ao Paquistão. Ambas as nações continuam sendo rivais em uma luta mais ampla por influência na Ásia.
Este realinhamento é tático, não estratégico. É limitado em escopo e motivado principalmente por necessidades econômicas imediatas. No entanto, ele demonstra uma lição fundamental da diplomacia: não há amigos ou inimigos permanentes, apenas interesses permanentes.
Neste momento, para a Índia e a China, esses interesses se alinham. A pressão de um Washington imprevisível e de um Donald Trump volátil criou incentivos para cooperação que superam, pelo menos temporariamente, décadas de desconfiança mútua.
A ironia final é clara: ao tentar dividir e conquistar, Trump inadvertidamente uniu dois gigantes asiáticos contra uma causa comum. Este episódio serve como um lembrete de que, na geopolítica moderna, as consequências não intencionais podem ser tão poderosas quanto as estratégias deliberadas.


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