Ciro começa a implodir a oposição no Ceará

Mal começou sua atuação em torno da disputa pelo governo do Ceará, Ciro Gomes já começou a implodir a oposição. Talvez a analogia mais precisa seja mesmo a do cavalo de Troia: Ciro funciona como um agente involuntário que explode a oposição por dentro, beneficiando exatamente o grupo que deveria estar combatendo. Cada declaração polêmica, cada ataque misógino, cada gesto de autossabotagem fortalece o governo de Elmano de Freitas e o grupo do ex-governador Camilo Santana.

É quase como se Ciro fosse o infiltrado do PT na oposição. Enquanto a oposição precisa se unir, ele a divide. Enquanto ela precisa construir uma imagem respeitável, ele a associa à violência contra a mulher. Enquanto ela precisa de lideranças que agreguem, ele é exatamente o contrário disso: uma bomba ambulante que implode movimentos políticos por onde passa.

O mais recente episódio dessa vocação autodestrutiva aconteceu na festa de 50 anos de Roberto Cláudio, ex-prefeito de Fortaleza e uma espécie de Sancho Pança do Ciro Gomes. Roberto é um político que tem seguido Ciro nesses anos todos, inclusive nesse último período em que o ex-governador partiu para ataques raivosos ao PT. Roberto chegou ao ponto de apoiar André Fernandes, candidato do PL à Prefeitura de Fortaleza nas últimas eleições municipais – lembrando que André Fernandes é um bolsonarista raiz, daqueles linha dura e raivosos, e o apoio de Roberto Cláudio a ele foi considerado uma ruptura radical na sua carreira. Na festa que deveria celebrar o aniversariante, Ciro deu um “presentão” para o amigo: acabou com a festa dele, transformando-a numa festa de misóginos.

O aniversário deveria ter sido um evento estratégico para reerguer Roberto Cláudio após anos de turbulência. Era uma festa organizada chamando amigos políticos para um processo de reconstrução da carreira do ex-prefeito. O político cearense, que saiu do PDT para ingressar na União Brasil, deu uma guinada ideológica radical: de aliado histórico da esquerda para parceiro da direita bolsonarista.

Roberto Cláudio não é figura menor no tabuleiro político cearense. Seu nome já circula como possível candidato ao governo do Ceará em 2026, numa eventual frente de oposição ao governo de Elmano de Freitas. Era exatamente essa projeção que o aniversário deveria consolidar: uma mensagem de união, renovação e força da oposição cearense.

Mas Ciro Gomes conseguiu a proeza de abafar completamente Roberto Cláudio. O ex-governador e ex-ministro, com seus 1,9 metro de altura, literalmente “abafou” o amigo no próprio aniversário. O contraste físico é quase uma metáfora perfeita, visível até nas imagens: Ciro, imponente e alto, ofuscando o aniversariante de 1,60m, numa festa que deveria ser dele. Ninguém mais falou do Roberto Cláudio, da carreira dele, da eventual candidatura. Em vez de apoiar discretamente o homenageado, Ciro aproveitou para sugerir uma possível candidatura própria ao governo do estado.

O ataque gratuito à Janaína Farias

Mas o pior ainda estava por vir. Do nada, sem qualquer provocação ou contexto que justificasse, Ciro resolveu atacar a ex-senadora Janaína Farias, hoje prefeita de Crateús. O ataque foi tão desconectado da realidade quanto incompreensível do ponto de vista estratégico. Janaína não representa absolutamente nenhuma ameaça à oposição cearense. Ela não tem qualquer relação com o debate atual contra Elmano de Freitas. Sua figura é completamente irrelevante para as articulações que Roberto e seus aliados estão construindo.

O ataque não foi sutil nem político. Foi pessoal, baixo e misógino. Na festa do Roberto Cláudio, Ciro disparou: “Todas as secretarias de educação estão loteadas pelo senhor da cueca, pelo senhor da cueca que também quer ser senador pelo Ceará. Também pudera! A pessoa que recrutava moças pobres de boa aparência para fazer o serviço sexual sujo do senhor Camilo Santana, virou senadora do Ceará. Agora é prefeita de um município do Ceará”.

Ciro não citou o nome de Janaína diretamente, mas a referência à “ex-senadora e hoje prefeita” deixava óbvio de quem estava falando. Uma estratégia covarde que busca o impacto da ofensa sem assumir completamente a responsabilidade por ela.

As reações foram imediatas. Janaína Farias divulgou nota de repúdio afirmando ter sido “atacada covardemente pelo sr. Ciro Gomes, figura conhecida por agredir moralmente as pessoas e, principalmente, as mulheres”. A prefeita de Crateús destacou que Ciro “já foi condenado por ataques desse tipo” e o classificou como “um misógino que, cada vez mais, diante de seu fracasso político, busca atingir a honra das pessoas, de forma irresponsável e inconsequente”.

O ministro da Educação, Camilo Santana, também anunciou que processaria Ciro pelas declarações. A equipe de Santana afirmou que o ex-governador “terá que prestar contas na Justiça, como em outros processos”. Mais uma vez, Ciro conseguiu transformar um evento político em fonte de processos judiciais e constrangimentos para seus aliados.

A repercussão nas redes sociais foi devastadora. O caso virou manchete nacional, associando Roberto Cláudio e toda a oposição cearense à violência contra a mulher. Um evento que deveria gerar manchetes positivas sobre a renovação da oposição virou notícia negativa em toda a imprensa do país. Roberto, que buscava reconstruir sua imagem, viu-se associado à violência contra a mulher. A oposição como um todo ficou manchada pela presença e pelas declarações de Ciro.

Histórico de ataques misóginos

Não é a primeira vez que Ciro destila seu veneno contra Janaína Farias. Em abril de 2024, durante entrevista ao programa Jornal Jangadeiro, ele já havia cruzado todas as linhas do decoro e da civilidade básica. Na ocasião, chamou a senadora de “cortesã” – palavra que, segundo o dicionário, significa “prostituta que atende clientes de classes economicamente altas”.

As declarações textuais foram ainda mais explícitas e degradantes: “Ela é simplesmente a pessoa que organizava as farras de Camilo Santana. O que tenho a ver com a vida particular de Santana? Nada. E dela? Nada. Agora, botar no Senado. A voz do Ceará no Senado, a mulher cearense é representada por uma cortesã”. E continuou: “Tirou ela do caminho para fazer chegar no lugar que foi de Virgílio Távora, de Tasso Jereissati, de Patrícia Saboya”.

As consequências judiciais não tardaram. Em maio de 2025, a juíza Priscila Faria da Silva, da 12ª Vara Cível de Brasília, condenou Ciro a pagar R$ 52 mil em danos morais à Janaína Farias. O valor foi calculado em R$ 13 mil por cada uma das quatro entrevistas em que proferiu os ataques misóginos.

A fundamentação da sentença é devastadora. A magistrada considerou que as declarações “ultrapassaram os limites da crítica política” e constituíram “ataques pessoais com caráter misógino”. A decisão destacou ainda que houve “abuso da liberdade de expressão” e que as falas continham “adjetivos e colocações que aludem até mesmo à promoção da prostituição”.

Ou seja, Ciro não apenas se comportou como um político de baixo nível, mas foi formalmente condenado por isso. A Justiça reconheceu o que qualquer pessoa minimamente civilizada já sabia: que os ataques eram inaceitáveis e configuravam violência contra a mulher. Mesmo assim, no aniversário de Roberto, ele voltou à carga.

Repúdio nacional das senadoras

A dimensão nacional que os ataques de 2024 alcançaram foi impressionante. Todas as 15 senadoras da República, independentemente de partido ou posição, assinaram um voto de repúdio contra Ciro na época. Foi uma união histórica que incluiu desde petistas até oposicionistas ferrenhas como Damares Alves e Tereza Cristina. Quando consegue unir Damares e uma senadora do PT contra você, é sinal de que realmente passou de todos os limites.

O documento oficial classifica as declarações como “violência política de gênero” e “declarações preconceituosas, misóginas e agressivas”. As senadoras denunciaram o que chamaram de “retrocesso inaceitável às conquistas das mulheres” e uma “postura de desvalorização” que representa “resistência à participação feminina em espaços de poder”.

A Procuradoria Especial da Mulher do Senado também emitiu nota oficial de repúdio, classificando as falas como “uma das faces mais grotescas da violência contra a mulher” e manifestando solidariedade institucional à Janaína.

O estrago político

É o tipo de autossabotagem que só Ciro consegue promover com tamanha eficiência. Ele não apenas atira no próprio pé, mas consegue acertar os pés de todos que estão ao seu redor.

O resultado é previsível: se continuar nesse ritmo, a oposição ao governo Elmano de Freitas terá “3% nas eleições de 2026” – coincidentemente, o mesmo percentual que Ciro obteve nas últimas eleições presidenciais. É uma profecia que pode se autocumprir, considerando que ele parece determinado a transformar cada evento da oposição numa fonte de constrangimento e divisão.

Ciro conseguiu a proeza de se tornar o melhor cabo eleitoral do adversário. E o mais impressionante é que faz isso de graça, por pura vocação para a autodestruição. Roberto que o diga: queria fazer uma festa para se promover e acabou virando coadjuvante no show de horrores de quem deveria ser seu parceiro.

A militância anti-voto

Ainda há um fator negativo adicional: a militância que Ciro cultivou ao longo dos anos. Essa militância hoje é muito menor do que já foi, até porque sobraram apenas os mais raivosos, um punhado de despolitizados cuja estratégia esquizofrênica é impor um projeto nacional de desenvolvimento via bolsonarismo. É uma contradição absurda, já que o bolsonarismo é exatamente o oposto de qualquer projeto nacional estruturado.

Essa militância é caracterizada apenas pelo ódio. Ela não faz mais política, vive numa esfera completamente fora da realidade. É um ódio sobretudo ao PT e à própria esquerda. Qualquer economista de esquerda que apoie o governo Lula, para eles é porque “se vendeu”. O governo Lula para eles é “neoliberal” – revelando o lado esquizofrênico de quem aceita se aliar ao bolsonarismo mas adota postura bolchevique e comunista.

A violência e truculência política que viraram marca do Ciro agora são também marca deles. Nas redes sociais, atuam somente via xingamento e campanhas de linchamento. Esqueceram que para realizar qualquer projeto político é preciso agregar, ter um partido, um movimento que some forças. Tornaram-se sectários, perderam qualquer compromisso com a construção real de um movimento político.

Os bolsonaristas sofrem de vários problemas de dissonância cognitiva, mas pelo menos têm massa e são perigosos. O cirismo não é perigoso – é apenas melancólico. Mas se torna elemento negativo porque alimenta o ódio nas redes. Os vídeos de Ciro são compartilhados só pela extrema direita, não por quem votaria nele, mas por quem o considera um palhaço útil.

O lado irônico é que essa militância tão negativa tira voto. Assim como Ciro se tornou radioativo e tira voto de quem se aproxima dele, a militância cirista também afasta quem deveria apoiar. Ela cerca suas ideias com tanta truculência que não torna nada atrativo. Tornou-se uma militância anti-voto, bem na característica do Ciro.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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