Quase duas décadas após o surgimento das criptomoedas, o uso prático como meio de pagamento começa a se consolidar — mas não com o bitcoin, como imaginava Satoshi Nakamoto. Quem ocupa esse espaço são as stablecoins, moedas digitais atreladas a ativos de referência, principalmente o dólar.
Stablecoins: o motor das remessas internacionais
O grande trunfo das stablecoins está nas transferências internacionais. Em vez de dias, como no sistema bancário tradicional, o envio é concluído em minutos, com custos reduzidos.
O mercado global já soma US$ 288 bilhões, segundo o CoinGecko.
Mais de 90% está vinculado ao dólar, dominado por USDT (Tether) e USDC (Circle), que juntas somam US$ 235 bilhões.
Só em 2025, o estoque cresceu 40%.
No Brasil, o movimento é ainda mais expressivo: o volume de Tether (USDT) triplicou em um ano, alcançando US$ 1,67 bilhão, 2,2 vezes maior que o do bitcoin.
Bancos entram no jogo, mas pedem regras
Grandes instituições já oferecem stablecoins, como Itaú, Nubank e BTG Pactual. O CEO do BTG, Roberto Sallouti, destaca que a tecnologia é inevitável:
“Blockchain, tokenização e stable currencies vão transformar o mercado”, disse no encontro anual do Santander.
Mas os bancos aguardam a regulamentação para avançar. A Lei 14.478/2022 criou o marco legal dos criptoativos, e o Banco Central conduz consulta pública para definir regras específicas.
O papel das fintechs: agilidade e risco
Enquanto os bancos esperam, fintechs lideram a adoção prática.
A Onda Finance saltou de US$ 300 mil para US$ 100 milhões mensais em operações de câmbio cripto em menos de um ano.
Outras como Oz, Ebanx, Lumx e Matera também expandem no segmento.
Segundo Caio Barbosa, da Lumx:
“Antes toda empresa de tecnologia queria ser fintech. Agora, toda fintech quer ser empresa de stablecoin.”
O desafio está no off-ramp: a conversão das moedas digitais para a moeda local no destino, que exige presença global e parcerias caras. Isso cria uma barreira de entrada que favorece players maiores.
Transparência: vantagem ou ameaça?
As stablecoins funcionam sobre o blockchain, que permite rastrear cada transação. Isso garante confiança e segurança, mas também pode expor informações comerciais sensíveis.
Charles Aboulafia, CEO da Cainvest, resume:
“O blockchain te entrega tudo, não tem discussão. Mas essa visibilidade total pode afastar empresas que valorizam privacidade.”
Números que impressionam
Mesmo representando apenas 8% do valor total das criptos, as stablecoins já superam Visa e Mastercard em volume anual de transferências. Em 2024, foram US$ 27,6 trilhões, contra US$ 14 trilhões combinados das bandeiras de cartão.
USDT: volume diário médio de US$ 78 bilhões, mais que o dobro do bitcoin.
USDC: embora menor, atrai instituições pela maior transparência regulatória.
Riscos e concentração de mercado
O setor ainda enfrenta riscos relevantes:
Concentração: USDT e USDC respondem por mais de 80% do mercado.
Estabilidade questionada: o colapso da TerraUSD em 2022 mostrou que a paridade com o dólar pode falhar.
Reservas sob escrutínio: a Tether publica auditorias, mas críticos questionam a solidez dos ativos que sustentam o USDT.
Perspectiva global
Regulações recentes em Hong Kong e nos Estados Unidos (Genius Act) já atraem gigantes como Citi e Bank of America, que estudam lançar suas próprias stablecoins.
Para Guilherme Prado, da Bitget:
“Estamos vendo uma mudança de paradigma, principalmente no comércio internacional. Stablecoins já superam o Swift em agilidade e custo.”
Conclusão
As stablecoins consolidam-se como o elo entre o dinheiro tradicional e o digital. No Brasil, fintechs abrem caminho, mas os grandes bancos estão prontos para assumir o protagonismo assim que houver clareza regulatória.
Se a tendência se confirmar, em poucos anos será comum pagar contas, enviar remessas e até negociar contratos internacionais com moedas digitais lastreadas em dólar.
Com informações do NeoFeed