Porque Andrei Roman está errado e Lula é favorito para 2026

26.08.2025 – Reunião Ministerial. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Reunião Ministerial. Palácio do Planalto – Brasília (DF). Foto: Ricardo Stuckert / PR

“Lula não é favorito em 2026”, diz o título da matéria publicada pela BBC Brasil em 21 de agosto de 2025, baseada em entrevista exclusiva com Andrei Roman, CEO da AtlasIntel.

O diretor do instituto de pesquisas apresenta quatro razões para sustentar sua tese: a suposta perda do apoio nordestino, o distanciamento da classe C, a polarização estrutural do eleitorado e questões econômicas práticas.

A análise de Andrei Roman para 2026 passa ao largo de dados objetivos, inclusive levantamentos da própria AtlasIntel, que apontam um cenário distinto do descrito pelo CEO.

O “bônus Nordeste”

Roman é categórico sobre a região: “Diria que, em uma situação normal, com um candidato competitivo da direita, é uma eleição que o Lula tem mais chances de perder do que de ganhar, principalmente por conta de uma deterioração muito grande da força do petismo no Nordeste”. Segundo ele, “O Nordeste sempre dava um bônus muito grande para o PT que era difícil de ser compensado em outras partes do país. Tudo indica que esse bônus vai se deteriorar muito na próxima eleição”.

Roman acrescenta: “A aprovação dos governadores de esquerda no Nordeste — com exceção do Piauí — não é boa em comparação com o padrão histórico. Eu diria que talvez nem haja, em alguns casos, uma maioria clara de aprovação na Bahia, no Ceará ou no Rio Grande do Norte. E isso é muito diferente do passado”.

Não há evidências que sustentem essa análise, a menos que Roman disponha de pesquisas não divulgadas. Governadores petistas e aliados seguem com aprovação elevada: Jerônimo Rodrigues (PT-BA) registra 59% (Quaest, agosto de 2025), Elmano de Freitas (PT-CE) alcança 66% (Instituto Opinião, janeiro de 2025) e Rafael Fonteles (PT-PI) impressiona com 85,32% (março de 2025). Esses números desmentem a tese da ausência de lideranças progressistas fortes na região.

João Campos (PSB) foi reeleito prefeito do Recife em 2024 com 78,11% dos votos válidos (TSE) – a maior votação da história da cidade. Em 2026, deve se candidatar ao governo de Pernambuco com altas chances de vitória, e esses números, ao contrário do que afirma Andrei Roman, não sugerem perda do chamado “bônus nordeste” do campo progressista.

No Rio de Janeiro, Lula terá em 2026 um aliado mais promissor do que em eleições anteriores: o prefeito Eduardo Paes. Reeleito com ampla margem em 2024, Paes consolidou-se como liderança política de peso na capital, maior colégio eleitoral do estado, com mais de 5 milhões de eleitores. Sua presença oferece a Lula um suporte estratégico num estado decisivo, com 13 milhões de votos (terceiro maior colégio eleitoral do país).

Em São Paulo, a Frente Ampla Democrática também prepara uma chapa robusta para o governo estadual, articulada em torno de Geraldo Alckmin, com possível participação de Fernando Haddad como candidato ao Senado. Esse arranjo tende a reforçar a posição de Lula no Sudeste.

A questão da classe C

Roman afirma que “A classe C é muito mais conectada hoje em dia com uma proposta política da direita. E o anseio da classe C é conseguir a prosperidade por mérito próprio, por esforço próprio, porque se trata de uma prosperidade que não pode ser entregue de maneira assistencialista”.

Mas a generalização é questionável. A classe C é heterogênea: há diferenças de idade, gênero, estado civil, região, religião e renda, da faixa próxima à classe B até a que se aproxima da classe D. Há segmentos que se identificam mais com a direita, outros menos e outros que não se identificam. Termos como “direita” e “esquerda” têm significados fluidos na cultura popular e o processo eleitoral frequentemente muda essas percepções. Além disso, parte da direita já não se associa mais a Bolsonaro.

É importante lembrar que eleições fornecem um retrato muito mais robusto que qualquer pesquisa. Uma pesquisa alcança de 2 a 10 mil eleitores; uma eleição nacional consulta 156 milhões de pessoas.

Na cidade de São Paulo, com 9,3 milhões de eleitores, Lula passou de 2,4 milhões de votos (39,62%) em 2018 para 3,7 milhões (53,54%) em 2022 — um salto de 1,25 milhão de votos que reverteu uma derrota de 21 pontos em vitória de 7. No Rio de Janeiro, com 5,1 milhões de eleitores, Lula cresceu de 1,1 milhão (33,65%) em 2018 para 1,7 milhão (47,34%) em 2022 — um ganho de 628 mil votos, que reduziu a desvantagem de 33 para apenas 5 pontos.

Se Lula cresce justamente em capitais como São Paulo e Rio, é questionável afirmar que ele esteja “perdendo a classe C”.

Outro ponto pouco abordado por Roman é a recuperação da classe média. A própria AtlasIntel registra alta aprovação de Lula em faixas de renda mais altas: 57,1% entre quem ganha de R$ 5.000 a R$ 10.000 e 60,2% entre os que ganham acima de R$ 10.000. Se Lula mantiver o apoio das classes populares — impulsionado pela extensão dos programas sociais e pela queda no preço dos alimentos — e preservar o respaldo de segmentos de maior renda, que exercem grande influência nas redes, terá uma campanha competitiva e vigorosa em 2026.

Quanto ao “bônus Nordeste”, os números eleitorais mostram continuidade, não declínio. Em 2022, Lula conquistou 69,67% dos votos na região, praticamente o mesmo índice de Haddad em 2018 (69,64%). A consistência confirma a força histórica do petismo no Nordeste.

Polarização: metade do quadro

Roman acerta ao apontar a polarização estrutural: “Chegar acima de 55% seria um desafio. Os 55% seriam uma espécie de teto estrutural, considerando a configuração política do eleitorado: temos cerca de 33% do eleitorado que se define como bolsonarista. E um segmento que não se define como bolsonarista, mas se declara antipetista, que adiciona mais ou menos 10 pontos percentuais, totalizando entre 45% e 55%”.

Mas isso vale para ambos os lados. Se existe um teto, há também um piso sólido de apoio a Lula, que garante base para estruturar sua campanha.

A força subestimada dos programas sociais

Roman sustenta que a relevância política do Bolsa Família caiu com o tempo, pois virou algo “estrutural” e deixou de gerar capital político.

Os dados, porém, indicam o contrário: os programas sociais cresceram de R\$ 153,41 bilhões em junho de 2022 para R\$ 290,58 bilhões em junho de 2024, alta de 89,4%. O número de beneficiários também aumentou de forma inédita.

É verdade que a população tem hoje mais segurança quanto à continuidade desses programas, mas isso não reduz sua importância. Pelo contrário: a expansão no terceiro mandato de Lula reforça a centralidade do Bolsa Família e do BPC. A direita, por outro lado, segue propondo cortes, o que será explorado na campanha.

Fundamentos econômicos

Roman observa: “Estamos falando de uma taxa baixa de desemprego, mas o crescimento continua medíocre”.

Mas não é preciso crescimento acelerado para favorecer um incumbente; basta que haja melhora do poder de compra. E esse é justamente o ponto. Embora o crescimento agregado seja modesto, as camadas mais pobres vêm registrando ganhos maiores, reduzindo desigualdades.

O IPCA-15 de agosto de 2025 mostrou deflação de -0,14% no mês e desaceleração em 12 meses, de 5,30% em julho para 4,95% em agosto. O alívio veio sobretudo de alimentos e energia: arroz (-3,12%), feijão preto (-1,86%), energia elétrica (-4,93%) e gás de botijão (-0,25%).

No acumulado de 12 meses, arroz e feijão caíram respectivamente 19% e 22%. Essa combinação — redução de alimentos básicos e energia elétrica — melhora diretamente o orçamento popular.

Pesquisas recentes

A Quaest de 21 de agosto mostra Lula com 34-35% das intenções de voto no primeiro turno, enquanto adversários recuam. No segundo turno, a vantagem aumenta: 8 pontos sobre Tarcísio e 12 sobre Bolsonaro.

Já a própria AtlasIntel registrou em julho a primeira vez no ano em que a aprovação de Lula (50,2%) superou a desaprovação (49,7%). A avaliação ótimo/bom chegou a 46,6%, o maior índice desde a posse.

Cenário menos adverso

Roman diz que há hoje “maior chance de Lula perder do que de ganhar”, mas admite que conjunturas podem alterar esse quadro. As pesquisas e indicadores econômicos das últimas semanas sinalizam uma melhora consistente das perspectivas de reeleição de Lula em 2026. Se essa tendência se mantiver por mais alguns meses, talvez o CEO da Atlas tenha que conceder uma nova entrevista para dizer exatamente o contrário do que afirmou nesta.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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