Um novo conjunto de mensagens extraídas pela Polícia Federal do celular de Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante a pandemia, revela que o então presidente determinou a distribuição de comprimidos de proxalutamida a aliados políticos, religiosos e empresariais. O conteúdo foi divulgado pelo Estadão e reforça a estratégia paralela adotada pelo governo no enfrentamento da covid-19.
O que é a proxalutamida
Trata-se de um antiandrogênio não esteroidal, desenvolvido na China para pesquisas sobre câncer.
Em 2021, foi defendida por apoiadores de Bolsonaro como “tratamento” contra a covid-19, sem comprovação científica.
Anvisa autorizou inicialmente testes clínicos, mas suspendeu a importação após encontrar irregularidades, como entrada de lotes acima do permitido.
Órgãos reguladores como a FDA (EUA) e a EMA (Europa) nunca autorizaram seu uso.
Conversas que ligam Bolsonaro à entrega
As mensagens revelam o envolvimento direto do então presidente:
Em junho de 2021, diante da internação do pastor R. R. Soares, Cid consultou Bolsonaro sobre o envio. A resposta foi: “Aguarde”. Dias depois, Bolsonaro autorizou.
Em outra ocasião, ao ser questionado, foi direto: “Mande a proxalutamida”.
Aliados que receberam o medicamento, segundo registros:
Familiares do ex-deputado Luciano Bivar;
O empresário sertanejo Uugton Batista;
Parentes do cantor Amado Batista.
Bivar confirmou a entrega, mas disse que o remédio não foi usado.
O papel de Eduardo Pazuello
Mesmo fora do Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello continuou participando das tratativas:
Sugeriu que Bolsonaro falasse sobre a proxalutamida em suas lives semanais;
Recebeu informações de que Mauro Cid havia obtido 280 comprimidos;
Pediu a elaboração de um protocolo de uso da droga, apesar da ausência de base científica.
“Levanta defunto” e pedidos militares
Em áudios, Cid descreveu a proxalutamida como um “meio levanta defunto”, mesmo sem comprovação. Militares próximos ao Planalto também solicitaram o medicamento para pacientes graves.
Pesquisas irregulares e investigação da PF
O médico Flávio Cadegiani, responsável por estudos clínicos no Brasil, também aparece nas mensagens. Ele negou ter autorizado uso fora do ambiente científico.
Em 2022, a PF deflagrou a Operação Duplo Cego, investigando contrabando e falsidade ideológica envolvendo a droga.
O Ministério Público Federal segue apurando possíveis desvios e importações ilegais.
Riscos jurídicos
Juristas afirmam que a conduta pode se enquadrar no artigo 273 do Código Penal, que prevê 10 a 15 anos de prisão para quem distribui medicamentos sem registro. Até agora, contudo, as mensagens reveladas não foram formalmente incluídas no inquérito principal.
Contexto político
O episódio reforça o padrão de Bolsonaro durante a pandemia: priorizar remédios sem eficácia (como cloroquina e proxalutamida) e ignorar recomendações científicas, em uma estratégia paralela ao sistema oficial de saúde.