O discurso antológico de Xi contra o fascismo de ontem e de hoje

“Mantenha o Grande Princípio, e o mundo seguirá.” Xi Jinping fechou seu discurso citando essa máxima do Livro dos Ritos, texto clássico confuciano que fala sobre quando “o Grande Caminho é praticado, o mundo pertence a todos”. Uma escolha nada casual para encerrar um dos pronunciamentos mais importantes de sua presidência, conectando a filosofia milenar chinesa aos dilemas geopolíticos atuais.

Foi em Tianjin, no dia 1º de setembro de 2025, durante a reunião “Shanghai Cooperation Organization Plus”. A data carrega um simbolismo pesado: exatos 80 anos da vitória contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial e da criação da ONU. Xi usou esse momento histórico para fazer paralelos diretos entre as ameaças de ontem e as de hoje, posicionando a China como guardiã dos valores antifascistas.

Xi apresentou a Iniciativa de Governança Global, sua proposta para reformar o sistema internacional. Segundo ele, o mundo vive um “novo período de turbulência e transformação”, onde a “mentalidade de Guerra Fria, hegemonismo e protecionismo” ainda persistem. A solução seria seguir cinco princípios: igualdade soberana, estado de direito internacional, multilateralismo, abordagem centrada no povo e ações concretas. Na prática, é a China propondo uma alternativa ao sistema atual.

Xi começou fazendo a conexão histórica: “Há oitenta anos, a comunidade internacional aprendeu lições profundas com o flagelo de duas guerras mundiais e fundou as Nações Unidas, escrevendo assim uma nova página na governança global. Oitenta anos depois, embora as tendências históricas de paz, desenvolvimento, cooperação e benefício mútuo permaneçam inalteradas, a mentalidade de Guerra Fria, o hegemonismo e o protecionismo continuam a assombrar o mundo.”

A partir daí, ele lançou sua cartada: “Desejo propor a Iniciativa de Governança Global. Espero trabalhar com todos os países por um sistema de governança global mais justo e equitativo, avançando em direção a uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade.”

O primeiro princípio é claro: “Devemos manter que todos os países, independentemente de tamanho, força e riqueza, são participantes iguais, tomadores de decisão e beneficiários na governança global. Devemos promover maior democracia nas relações internacionais e aumentar a representação e voz dos países em desenvolvimento.” Uma crítica ao sistema atual.

Xi também criticou o unilateralismo: “Devemos praticar o multilateralismo. Devemos defender a visão de governança global caracterizada por consulta extensiva e contribuição conjunta para benefício compartilhado, fortalecer a solidariedade e coordenação, e nos opor ao unilateralismo.”

Sobre a Organização de Cooperação de Xangai, ele disse: “A OCS aderiu fielmente ao Espírito de Xangai de confiança mútua, benefício mútuo, igualdade, consulta, respeito pela diversidade de civilizações e busca do desenvolvimento comum. Discutimos assuntos regionais juntos, construímos plataformas e mecanismos juntos, e nos beneficiamos da cooperação juntos.”

E não ficou só na retórica. Xi anunciou compromissos práticos: “A China estabelecerá três grandes plataformas para cooperação China-OCS em energia, indústria verde e economia digital, e criará três grandes centros de cooperação para inovação científica e tecnológica, ensino superior e educação vocacional e técnica.”

Para encerrar, ele voltou à citação inicial: “Estamos prontos, junto com todas as partes, a defender corajosamente o grande princípio e o bem comum do mundo, promover uma perspectiva histórica correta sobre a Segunda Guerra Mundial, salvaguardar resolutamente os frutos de nossa vitória na Guerra, e entregar mais benefícios a toda a humanidade através da reforma do sistema de governança global.”

O discurso mostra Xi usando o simbolismo da vitória contra o fascismo para posicionar a China como alternativa ao sistema internacional atual. Uma estratégia que mistura história, filosofia e geopolítica.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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