Ainda existe esperança na esquerda europeia: seu nome é Sahra Wagenknecht

Sahra Wagenknecht © LOOKSfilm/​MDR

A política alemã denuncia a submissão energética, a russofobia irracional e a destruição da autonomia europeia pelos interesses americanos.

Sahra Wagenknecht representa uma raridade na política europeia. Uma figura com cérebro, senso de decência e visão de mundo independente, em meio a elites políticas completamente bitoladas. Em entrevista ao canal de Glenn Diesen, em 31 de agosto de 2025, a ex-deputada alemã expôs com clareza a subordinação da Europa aos Estados Unidos e o entusiasmo pela guerra que está destruindo o continente.

A importância de sua voz fica evidente quando contrastada com a reação típica das elites europeias aos desenvolvimentos geopolíticos. Quando Putin se encontrou com Modi e Xi Jinping, líderes como Friedrich Merz reagiram apenas demonizando o presidente russo como “criminoso de guerra”. Essa estratégia de pintar Putin como um “bicho-papão” serve para evitar debates reais sobre política, geopolítica, paz e diplomacia.

Putin é chefe de Estado eleito pelo povo russo, com uma das maiores aprovações entre líderes mundiais. Modi da Índia o recebeu “com todo carinho”, o Brasil mantém contato, a China coopera, países africanos o respeitam. Por que só a Europa não consegue? A guerra na Ucrânia tem antecedentes claros: o avanço da OTAN e violações de acordos pelos Estados Unidos.

A destruição do Nord Stream e a submissão energética

O caso mais emblemático dessa vassalagem é a destruição dos gasodutos Nord Stream 1 e 2 pelos Estados Unidos – infraestrutura alemã que trazia gás russo barato à Alemanha. Em fevereiro de 2025, durante visita de Merz à Casa Branca, Trump confessou abertamente, rindo na cara do primeiro-ministro alemão no Salão Oval: Eu destruí o Nord Stream. Agora vocês compram nosso gás, que é muito bom, disse Trump, com outras palavras. O problema é que o gás americano custa muito mais que o russo.

Wagenknecht denuncia essa vassalagem energética como parte de uma política “extremamente tola” da União Europeia. Em sua análise, a Alemanha trocou energia barata e confiável por dependência de um fornecedor mais caro e menos confiável. A indústria alemã, base da economia europeia, perde competitividade com custos energéticos elevados.

A política alemã aponta que os acordos comerciais impostos pelos americanos completam o quadro de submissão. Produtos americanos entram na Europa sem tarifas, enquanto exportações europeias para os EUA enfrentam taxas de 15%. Para Wagenknecht, isso não é parceria, mas subordinação econômica clara.

Ela critica duramente o plano de rearmamento liderado por Merz. Investir em armamentos americanos, em vez de resolver problemas internos como infraestrutura decadente e crise habitacional, apenas aprofunda a dependência. O “keynesianismo militar” beneficia lobistas como a BlackRock, não o povo alemão.

A visão de Wagenknecht para uma Europa soberana

Wagenknecht defende que a Alemanha precisa abandonar a atual política de confronto com a Rússia. A cooperação energética beneficiava a Europa, e a atual postura só serve aos interesses americanos de enfraquecer tanto a Rússia quanto a Europa.

A ex-deputada elogia o modelo de países como China e Índia, que mantêm autonomia estratégica. Esses países cooperam com todos, mas não se submetem a ninguém. A Índia prioriza seus próprios interesses, não os de Washington.

Wagenknecht propõe uma Europa diferente: descentralizada, com mais poder para os Estados-nação, focada em cooperação estratégica real. Em vez da burocracia centralizadora de Bruxelas, projetos concretos como infraestrutura digital e indústria de chips.

A política alemã defende ainda a visão de uma “Casa Comum Europeia” de Lisboa a Vladivostok, incluindo a Rússia. Essa é a única forma de garantir segurança duradoura e evitar uma guerra nuclear devastadora no continente. A atual política de confronto leva a Europa ao abismo.

Wagenknecht lidera o BSW (Bündnis Sahra Wagenknecht – Vernunft und Gerechtigkeit), partido fundado em 2023 após sua saída do Die Linke. Nas eleições europeias de 2024, o BSW conquistou 6,2% dos votos alemães e 6 cadeiras no Parlamento Europeu. Em eleições estaduais, obteve resultados expressivos: 15,8% na Turíngia, 11,8% na Saxônia e 13,5% em Brandenburgo, sempre em terceiro lugar. Contudo, nas eleições federais de 2025, ficou com 4,98% dos votos, fracassando por pouco em superar a barreira de 5% para ter representação no Bundestag.

A voz de Sahra Wagenknecht ecoa o que muitos europeus pensam, mas poucos políticos ousam dizer. A subordinação aos Estados Unidos está destruindo a autonomia, a economia e as perspectivas de paz da Europa. Enquanto as elites se mantêm bitoladas em russofobia e militarismo, o continente caminha para a irrelevância geopolítica e o empobrecimento de seus povos.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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