O mundo já é multipolar.
Uma ordem mundial multipolar, no entanto, ainda precisa nascer. Essa tese foi articulada por um dos mais influentes intelectuais públicos da China, o Professor Zhang Weiwei. Ex-intérprete de líderes como Deng Xiaoping e hoje uma voz importante em Pequim, Zhang apresentou sua perspectiva em uma entrevista ao podcast sul-africano SMWX, no final de agosto de 2025.
Sua análise central é que a transição de poder global é inevitável. Ele prevê que a supremacia do dólar americano, pilar da ordem ocidental, terminará em no máximo uma década. Essa mudança redefine o poder, deslocando o eixo de um Ocidente financeirizado para um Sul Global focado na economia real.
A arquitetura da nova economia
A guerra comercial iniciada por Donald Trump em 2018 é vista por Zhang como um erro de cálculo. A análise, segundo ele, era simples: os EUA dependem muito mais da China do que o contrário. A China, desde 2014, já é uma economia maior em paridade de poder de compra e possui o ecossistema industrial mais completo do mundo, algo que décadas de neoliberalismo e desindustrialização impedem o Ocidente de replicar.
A política de tarifas, ao invés de isolar a China, acelerou a união dos países do BRICS. Quando os EUA impuseram barreiras ao Brasil, a China vem aumentando suas compras do café brasileiro. Quando a África do Sul foi alvo, Pequim ofereceu tarifa zero a 53 nações africanas. Zhang descreve isso como a cooperação Sul-Sul em ação: um sistema que usa o imenso mercado consumidor chinês como um escudo econômico.
O sistema financeiro ocidental, simbolizado pelo SWIFT, é descrito como obsoleto e instrumentalizado. Suas transações são lentas, caras e podem ser usadas como arma política. Em contraste, alternativas como o CIPS (Cross-border Interbank Payment System) da China operam em segundos, a custo quase zero, usando tecnologias de blockchain e moeda digital.
A Rússia, ao enfrentar sanções, demonstrou uma nova lógica de poder. Transformou a “guerra de moedas” em uma “guerra de bens contra dinheiro”. A lição, segundo Zhang, é que ter recursos, energia e capacidade industrial torna o dinheiro ocidental menos relevante. A economia real, baseada em bens tangíveis, se sobrepõe à especulação financeira.
O tabuleiro geopolítico em movimento
Os BRICS são o motor dessa nova ordem. Juntos, os 11 membros já representam 40% do PIB mundial, superando os 33% do G7. Este bloco não é apenas uma aliança econômica, mas o núcleo de uma nova governança global. Eles não esperam por reformas em instituições como o FMI ou o Banco Mundial; eles criam as suas próprias, como o Novo Banco de Desenvolvimento e a Organização para Cooperação de Xangai.
A China, diz Zhang, age enquanto o Ocidente delibera. O modelo chinês, que combina um Estado forte na infraestrutura com um setor privado competitivo, mostra sua força. O Estado constrói as autoestradas digitais e físicas, garantindo conexão 5G até nas aldeias mais remotas. Sobre essa base, a iniciativa privada floresce, criando gigantes como BYD e TikTok.
No campo militar, a posição é clara. A expansão da OTAN para o leste é apontada como a causa principal da crise na Ucrânia. Para Zhang, a Ucrânia falhou em seu papel histórico de “ponte” entre civilizações, optando por ser uma “fortaleza” a serviço de uma delas. Ele é enfático ao traçar uma linha vermelha: a China não permitirá a expansão da aliança militar para a Ásia.
A visão de Zhang Weiwei articula o sentimento de um Sul Global que busca seu próprio caminho. A transição para uma nova ordem é impulsionada pela força econômica, pela inovação tecnológica e por uma diplomacia que prioriza o desenvolvimento. O antigo poder não enfrenta um rival que deseja tomar seu lugar, mas um novo paradigma que torna suas ferramentas tradicionais cada vez mais irrelevantes.