O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a responsabilidade de Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete acusados por tentativa de golpe de Estado ganhou novo contorno nesta quarta-feira (10) com o voto do ministro Luiz Fux.
Em plenário, Fux sustentou que o STF não é competente para analisar o caso porque nenhum dos réus detinha prerrogativa de foro no período em que os supostos crimes teriam ocorrido, entre 2020 e 2023.
“Não estamos julgando pessoas com prerrogativa de foro. As pessoas não têm prerrogativa de foro”, afirmou. Segundo o ministro, a definição do juízo competente deve ser aferida no início do processo, por ser requisito de validade do procedimento e de observância ao princípio do juiz natural.
O argumento retoma discussões sobre os limites da competência originária do STF. No voto, Fux registrou que o entendimento da Corte sofreu alterações ao longo do tempo e que a regra em vigor até 2023 era objetiva: com o fim do cargo, o foro cessava.
“Os réus perderam seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento, que é recente”, disse, apontando que aplicar a interpretação posterior poderia suscitar dúvidas sobre segurança jurídica e juiz natural. Na leitura do ministro, as ações deveriam tramitar na instância competente conforme a situação funcional existente quando os fatos foram praticados.
A sessão desta quarta-feira foi reservada para ouvir Fux. Caso a manifestação fosse concisa, a ministra Cármen Lúcia seria chamada a votar na sequência. O julgamento prossegue com sessões marcadas para 11 e 12 de setembro, quando os demais ministros deverão apresentar seus votos em ordem definida. O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, será o último a se pronunciar.
O processo reúne oito réus: o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do GSI Augusto Heleno; o ex-presidente Jair Bolsonaro; o ex-ajudante de ordens Mauro Cid; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira; e o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto.
As imputações abrangem tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As acusações narram atos para invalidar o resultado eleitoral, comprometer bens públicos e empregar violência ou ameaça com o objetivo de impedir o funcionamento regular das instituições.
Se prevalecer a tese de Fux, a consequência prática imediata seria a remessa dos autos à primeira instância competente, observada a conexão entre os fatos e a eventual necessidade de desmembramento.
Essa hipótese também exigiria revisão de atos processuais praticados no Supremo, a depender do alcance que a maioria dê ao tema da competência. Ministros que divergem podem reconhecer a competência do STF em razão de outros critérios, como a unidade do contexto investigado, a conexão entre investigados e a preservação da jurisdição já exercida.
Pelo rito da Primeira Turma, a decisão se forma por maioria simples, o que na prática requer três votos convergentes na mesma linha para fixar competência, definir mérito e, eventualmente, aplicar penas.
Divergências podem gerar placares diferentes por capítulo, inclusive com agrupamento de réus conforme os crimes atribuídos ou a participação descrita nas denúncias. Em cenário de votos parcialmente coincidentes, a turma pode modular efeitos, decidir pela cisão do processo ou estabelecer teses de aplicação restrita.
A defesa dos acusados vem sustentando que, sem prerrogativa de foro, o STF não poderia julgar o caso. A acusação, por sua vez, mantém que a competência decorre do alcance nacional dos fatos e da conexão entre condutas, além de apontar que a tramitação no Supremo assegura uniformidade na apreciação do conjunto probatório e celeridade em um caso com múltiplos réus.
O calendário do julgamento prevê que, após os votos de Cármen Lúcia e dos demais integrantes, a turma delibere sobre competência, tipificação penal e eventuais penas ou medidas cautelares. Em caso de pedido de vista ou pedido de destaque, os prazos podem ser interrompidos e os autos, levados ao plenário físico em data futura. Se houver maioria pela incompetência, a Receita será expedir ofícios ao juízo destinatário e, se necessário, resguardar atos urgentes já formalizados.
A discussão sobre foro ocupa posição central no voto de Fux e reabre uma linha de análise que o Supremo consolidou em diferentes momentos: qual a extensão da competência originária e como compatibilizá-la com o princípio do juiz natural quando ex-autoridades são investigadas por fatos supostamente praticados fora do exercício de suas funções. Ao reforçar que a definição do juízo deve ser feita na largada, o ministro sinaliza que alterações posteriores no entendimento da Corte não podem redesenhar a competência de casos em que os réus não detinham cargo no período dos fatos.
Com a continuidade do julgamento nos dias 11 e 12 de setembro, a Primeira Turma terá de fixar a moldura processual antes de avançar em mérito. O desfecho pode incluir condenação, absolvição, desmembramento ou declínio de competência. A depender do resultado parcial e da extensão das divergências, a turma ainda poderá uniformizar teses para orientar processos conexos em outras instâncias.
Enquanto isso, as defesas e a acusação ajustam estratégias para responder aos votos e apresentar memoriais complementares, atentos a dois eixos que se tornaram determinantes após a intervenção de Fux: quem julga e o que exatamente será julgado no âmbito do STF.