Traição de Fux injeta ainda mais dramaticidade no julgamento

A traição do ministro Luiz Fux ao direito, à democracia e aos princípios mais elementares e profundos da Constituição brasileira equipara-se em degradação moral à articulação de Eduardo Bolsonaro com o governo americano para atacar o Supremo Tribunal Federal. Talvez seja ainda pior, pois representa uma traição dupla: ao país e aos fundamentos sagrados do direito que antecedem a própria democracia.

Em seu voto sobre a tentativa de golpe de Estado, Fux atacou seus próprios colegas de corte e submeteu o Direito à violência política. Não apresentou argumentos convincentes, mas fez uma troca infame: vendeu sua função de magistrado ao medo, ao cinismo e à pressão autoritária.

O contexto torna a traição ainda mais infame, porque ele não está falando de um crime qualquer, ele está falando de um crime que envolveu um complô para matar o seu colega ali do lado, sobre o qual há provas cabais. Houve um plano dentro do Palácio do Planalto, elaborado por um dos mais altos assessores do governo, um general do exército, Mário Fernandes, uma pessoa da mais absoluta confiança e contato constante com Bolsonaro, o presidente da república. A participação de Mauro Cid na tentativa de golpe de Estado, que o próprio Fux reconhece, é uma das provas mais fortes da conexão direta de Bolsonaro com o crime. Sua comunicação pessoal, inspecionada pela justiça e pela sociedade brasileira, revela subordinação total à autoridade de Jair Bolsonaro. Os crimes de Cid foram todos cometidos a serviço do ex-presidente: vendeu relógio de ouro nos Estados Unidos para entregar-lhe o dinheiro, falsificou carteira de vacinação em seu benefício, tentou intervir na Receita Federal para liberar o colar de diamantes de Michele Bolsonaro. Além das atividades criminosas, Cid exercia função política, sendo elo de comunicação entre o presidente e as lideranças mais extremistas do meio militar e dos acampamentos golpistas.

Mais perversa ainda é a estratégia de Fux de citar os grandes clássicos do garantismo – Cesare Beccaria, Ferrajoli, Zaffaroni – para legitimar uma decisão que representa tudo o que esses pensadores jamais aceitariam. Como usar o amor ao direito e à civilização para negar qualquer proteção real à democracia? Como aceitar um ataque físico de grandes proporções ao próprio STF, onde a sala onde ele trabalha foi vandalizada com ódio? Seus pares foram vítimas de complôs sinistros que poderiam culminar com assassinatos covardes, tudo planejado dentro do Palácio do Planalto.

Paradoxalmente, a traição de Fux pode servir a um propósito maior. Ao injetar dramaticidade no julgamento, mobiliza a comunidade jurídica brasileira – uma das mais sofisticadas do mundo – e eletriza a cidadania democrática. Os votos de Carmen Lúcia e Zanin serão agora escrutinados com um grau de ansiedade raramente visto. E essa ironia tão característica da História pode transformar a infâmia em catalisador: a traição que pretendia enfraquecer a democracia pode acabar fortalecendo-a, numa dialética que torna a luta pela soberania tão fascinante, tão surpreendente, tão heroica.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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