A xícara amarga da política tarifária de Trump

O café atinge preço recorde nos EUA, impulsionado pela crise climática, oferta reduzida e tarifas impostas por Trump contra o Brasil, maior fornecedor do grão / Agência Brasil

Preços do café disparam nos EUA em meio à crise global e tarifas de Trump sobre o Brasil


Os norte-americanos estão pagando mais caro do que nunca pelo café no supermercado. Em meio a uma crise de oferta no mercado internacional e à nova política tarifária contra o Brasil, o preço da bebida símbolo das manhãs disparou, registrando o aumento mais acelerado desde a década de 1990.

De acordo com dados divulgados nesta quinta-feira pelo Bureau of Labor Statistics, o café moído atingiu o valor recorde de US$ 8,87 por libra em agosto. O índice de preços ao consumidor do produto subiu 21% em relação ao ano anterior, o maior salto desde 1997. A escalada acompanha a disparada nos mercados globais desde o ano passado, quando más colheitas em grandes países exportadores reduziram drasticamente a oferta.

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A pressão das tarifas contra o Brasil

A situação se agravou a partir de julho, quando o presidente Donald Trump determinou uma tarifa de 50% sobre as importações brasileiras. O Brasil é o maior produtor mundial de café arábica de alta qualidade e, historicamente, responde por cerca de um terço dos grãos consumidos nos Estados Unidos.

O impacto foi imediato. As exportações brasileiras para o mercado norte-americano caíram pela metade no acumulado do ano, segundo dados da empresa de inteligência logística Vizion. O tombo se intensificou em agosto, quando os embarques caíram mais de 75% em comparação ao mesmo mês de 2024.

Outros fornecedores não conseguem suprir a demanda

Para compensar, os torrefadores norte-americanos recorreram a outros grandes produtores, como Vietnã e Colômbia. Mas, de acordo com a Vizion, essas origens não foram capazes de cobrir a lacuna deixada pelo Brasil.

Por enquanto, estoques acumulados estão amortecendo os impactos imediatos. Mas o alívio pode ser temporário.
“Em algum momento, se os americanos continuarem bebendo café no ritmo habitual, esses estoques também terão limites”, alerta Thijs Geijer, economista sênior de alimentos e agricultura do ING. “Será necessário enviar remessas adicionais novamente, mas a questão é: de onde elas virão?”

O peso das mudanças climáticas

Além da guerra tarifária, o clima tem atuado como força adicional na alta de preços. As mudanças climáticas vêm tornando as condições cada vez mais imprevisíveis em países-chave. O Brasil, líder na produção de arábica, e o Vietnã, maior fornecedor do robusta usado em cafés instantâneos, enfrentaram colheitas fracas recentemente, o que reduziu a disponibilidade global.

O resultado é que os contratos futuros do café já estão em valorização, refletindo a expectativa de mais aperto no fornecimento.

Combinados, os fatores geopolíticos, climáticos e logísticos desenham um cenário preocupante para os consumidores e para a indústria do café nos EUA. O que antes parecia apenas um ajuste temporário de preços começa a assumir contornos de crise prolongada — com a tarifa sobre o Brasil servindo como agravante em um mercado já pressionado.

Enquanto isso, milhões de americanos seguem dependentes de sua xícara diária. Mas a pergunta que ecoa entre especialistas e consumidores é a mesma: quanto custará esse hábito nos próximos meses?

Pressão do setor alimentício por isenções

O impacto das tarifas sobre o café não passou despercebido pela indústria de alimentos. O setor tem pressionado a Casa Branca a criar exceções para produtos que não podem ser cultivados em solo americano de maneira competitiva. Na semana passada, o governo divulgou uma lista preliminar de mercadorias que poderiam receber tarifas mais baixas em caso de novos acordos comerciais — entre elas, o café.

Para especialistas, o efeito das tarifas ainda está em curso. “Os consumidores de café podem ainda não ter sentido o impacto total”, explicou Thijs Geijer, economista do ING. Segundo ele, os embarques que saem do porto de Santos, no Brasil, levam até 20 dias para chegar aos Estados Unidos, onde ainda passam pelo processo de torrefação antes de chegarem às prateleiras.

A dúvida, segundo Geijer, é sobre o ritmo com que os aumentos serão sentidos no bolso. “Mesmo assim, depende: os preços mais altos são repassados pelas torrefadoras imediatamente ou gradualmente?”, questionou. Ele acrescentou que parte significativa do impacto só deve ser percebida pelos consumidores a partir de outubro ou novembro. O dado é preocupante, considerando que dois terços dos adultos americanos consomem café todos os dias, de acordo com a Associação Nacional do Café.

Supermercados tentam segurar preços

A pressão chega também às redes varejistas. A Kroger, maior cadeia de supermercados dos EUA, afirmou estar absorvendo parte do aumento dos custos para evitar repasses diretos aos consumidores. “Ocasionalmente, as tarifas terão impacto em alguns dos nossos preços”, reconheceu Ron Sargent, presidente-executivo interino da empresa, em teleconferência com analistas.

Ainda assim, especialistas alertam que, com os estoques limitados e o avanço da inflação, será difícil segurar os reajustes por muito tempo.

A inflação dos alimentos em alta

A escalada do café faz parte de um cenário mais amplo de alta nos alimentos. De acordo com o Bureau of Labor Statistics, os preços ao consumidor nos EUA subiram 2,9% em agosto em relação ao mesmo período do ano anterior, o maior aumento desde janeiro.

No caso específico dos alimentos consumidos em casa, houve alta de 0,6% em agosto em relação a julho, revertendo a queda de 0,1% registrada no mês anterior. O movimento confirma a tendência de que a inflação alimentar volta a ganhar força, pressionando não apenas o café, mas toda a cesta de compras das famílias americanas.

Com informações de Financial Times*

Rhyan de Meira: Rhyan de Meira é jornalista, escreve sobre política, economia, é apaixonado por samba e faz a cobertura do carnaval carioca. Instagram: @rhyandemeira
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