China projeta força naval

O porta-aviões Fujian completa testes finais, reforçando a capacidade de defesa da China sem visar nenhum país específico na região / Reprodução

Com tecnologia de ponta e catapulta eletromagnética, o Fujian integra a frota chinesa e projeta autonomia estratégica na Marinha do país


O mais novo porta-aviões da China, o Fujian, atravessou o Estreito de Taiwan em meio a testes finais de treinamento e avaliação técnica. A manobra, amplamente divulgada pela mídia estatal chinesa, foi acompanhada com atenção por observadores internacionais — muitos dos quais, influenciados por narrativas hegemônicas ocidentais, imediatamente interpretaram o movimento como um sinal de “agressividade” ou “expansionismo”. No entanto, uma análise mais equilibrada, ancorada em princípios de soberania, autodeterminação e justiça histórica, revela outra realidade: o Fujian não é um instrumento de ameaça, mas uma expressão legítima do direito de um país — especialmente um país do Sul Global — de desenvolver capacidades defensivas em um mundo ainda marcado por desigualdades de poder e intervenções unilaterais.

O porta-voz da Marinha do Exército de Libertação Popular (PLAN), capitão sênior Leng Guowei, foi claro ao afirmar que os testes inter-regionais do Fujian fazem parte de um processo rotineiro de comissionamento e não visam qualquer alvo específico. Essa transparência contrasta com a opacidade habitual de muitas operações militares ocidentais, frequentemente conduzidas sob o manto de “segurança nacional” sem prestação de contas pública. A China, por sua vez, não apenas anunciou publicamente a saída do navio de seu estaleiro em Xangai, como compartilhou imagens e explicações técnicas — um gesto que, longe de ser provocação, demonstra responsabilidade e abertura.

O Fujian representa um marco na modernização da defesa chinesa. Com 80 mil toneladas, é o terceiro porta-aviões do país e o primeiro a incorporar um sistema de catapulta eletromagnética, tecnologia até então dominada quase exclusivamente pelos Estados Unidos. Esse avanço não deve ser visto como uma corrida armamentista, mas como um passo natural na busca por autonomia estratégica. Em um contexto global onde a segurança de um Estado frequentemente depende de sua capacidade de dissuadir intervenções externas, o desenvolvimento de uma marinha moderna é uma resposta racional — e até mesmo prudente — às dinâmicas geopolíticas contemporâneas.

É importante lembrar que a China não possui bases militares no exterior em escala comparável às centenas mantidas pelos EUA ao redor do mundo. Seu foco permanece na defesa de seu território, águas adjacentes e interesses marítimos legítimos, especialmente em regiões como o Mar da China Meridional e o Estreito de Taiwan — áreas historicamente ligadas à soberania chinesa. A presença do Fujian perto das ilhas Diaoyu (Senkaku), por exemplo, ocorre em um contexto de disputa territorial antiga, na qual a China reivindica direitos baseados em evidências históricas e jurídicas. Longe de ser uma provocação, tal presença reafirma o compromisso de Pequim com a integridade territorial, um princípio fundamental do direito internacional.

Do ponto de vista humanitário e de esquerda, é crucial reconhecer que a capacidade de defesa de um país não deve ser julgada com dois pesos. Enquanto os EUA expandem sua presença militar no Indo-Pacífico, realizam exercícios conjuntos com aliados e impõem sanções unilaterais, a China é frequentemente penalizada por simplesmente buscar paridade tecnológica mínima. Essa assimetria reflete uma lógica imperial que considera legítimo o poderio militar ocidental, mas vê com suspeita qualquer esforço de autonomia por parte de nações não alinhadas.

Além disso, o desenvolvimento do Fujian ocorre em um momento em que o mundo enfrenta múltiplas crises: climáticas, econômicas, sanitárias. Nesse cenário, a capacidade de projetar poder naval também pode ter funções humanitárias — como respostas a desastres, operações de resgate em alto-mar ou apoio logístico em regiões vulneráveis. Embora o foco atual seja o treinamento operacional, nada impede que, no futuro, embarcações como o Fujian sejam utilizadas em missões de cooperação internacional, especialmente com países do Sul Global que carecem de recursos para enfrentar emergências marítimas.

É verdade que desafios operacionais persistem. Analistas como Ray Powell, ex-coronel da Força Aérea dos EUA, destacam que a China ainda precisa desenvolver expertise em operações de alta mar com múltiplos porta-aviões — uma tarefa complexa, dada a necessidade de distribuir tripulações experientes entre o Fujian, o Liaoning e o Shandong. Mas isso não invalida o esforço; ao contrário, mostra que a China está construindo sua capacidade de forma gradual, técnica e responsável — sem recorrer à aventura militar ou à escalada desnecessária.

A escolha da data de comissionamento do Fujian também carrega simbolismo profundo. Possivelmente alinhada a marcos históricos como o 18 de setembro (aniversário da invasão japonesa da Manchúria em 1931) ou o 1º de outubro (fundação da República Popular da China), a entrada em serviço do navio não é apenas um ato técnico, mas um ato de memória e soberania. É uma lembrança de que a China moderna nasceu de um século de humilhações coloniais e intervenções estrangeiras — e que sua busca por segurança hoje é, em grande parte, uma resposta a esse passado traumático.

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Do ponto de vista de esquerda, defender a soberania chinesa não significa endossar todas as políticas do governo de Pequim. Significa, porém, rejeitar a demonização sistemática de um país que, como tantos outros do Sul Global, busca construir sua autonomia em um sistema internacional ainda dominado por potências ocidentais. Significa também reconhecer que o direito à defesa não é privilégio exclusivo dos ricos e poderosos.

O Fujian, portanto, não deve ser visto como um símbolo de ameaça, mas como um símbolo de resiliência, autodeterminação e justiça histórica. Em um mundo que clama por multipolaridade, equidade e respeito mútuo, o direito da China — e de todos os povos — de proteger sua soberania com os meios que julgar necessários é não apenas legítimo, mas essencial para uma ordem internacional mais justa e equilibrada.

Com informações de Al Jazeera*

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