EUA intensificam atrito após punição de Bolsonaro

A condenação de Bolsonaro, primeiro ex-presidente punido por atentado à democracia, marca um passo histórico na justiça brasileira / Reprodução

Tarifas, sanções e acusações expõem o conflito entre soberania nacional e interesses geopolíticos norte-americanos


O mundo assistiu a mais um episódio da longa saga de ingerência imperialista dos Estados Unidos nos assuntos internos da América Latina. Dessa vez, o alvo foi o Brasil — não mais uma ditadura militar, mas uma democracia madura, que ousou julgar e condenar um ex-presidente por crimes contra o Estado democrático de direito. A reação veio rápida e arrogante: Marco Rubio, secretário de Estado norte-americano, ameaçou “responder adequadamente” à condenação de Jair Bolsonaro, acusando o ministro Alexandre de Moraes de ser um “violador de direitos humanos” e chamando o julgamento de “caça às bruxas”.

Essa postura não é nova. É a velha lógica do império: quando governos do Sul Global agem de acordo com suas leis e instituições — especialmente quando essas leis punem aliados de Washington —, os EUA reagem como se tivessem sido pessoalmente ofendidos. A soberania alheia é sempre relativa quando contraria os interesses geopolíticos ou ideológicos de Washington.

A condenação de Bolsonaro, por 27 anos e três meses de prisão, não foi um ato político. Foi um veredicto judicial fundamentado em provas robustas, reconhecido por amplos setores da sociedade brasileira como um marco histórico na defesa da democracia. Pela primeira vez, um ex-presidente foi responsabilizado por conspirar para subverter a ordem constitucional após perder uma eleição legítima. Longe de ser uma “perseguição”, como insinua Rubio, trata-se de um exemplo raro — e necessário — de justiça em um continente marcado por impunidade de elites políticas.

Mas, para os EUA, isso parece inaceitável. Afinal, Bolsonaro foi um aliado fiel de Donald Trump, promovendo uma agenda de desmonte ambiental, criminalização de movimentos sociais e alinhamento incondicional com a política externa norte-americana. Durante seu governo, o Brasil virou quase uma colônia de fato: entregou recursos naturais, flexibilizou leis trabalhistas, abriu espaço para bases militares estadunidenses e abandonou qualquer pretensão de política externa soberana. Agora que o povo brasileiro e suas instituições democráticas rejeitaram esse projeto, Washington não esconde sua frustração.

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A resposta dos EUA já começou. Em julho, Trump — que, ironicamente, tornou-se o primeiro ex-presidente norte-americano condenado por crimes — impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, alegando “defender a liberdade” de Bolsonaro. Mais tarde, isentou setores estratégicos, como a indústria aeronáutica, provavelmente sob pressão de corporações que não querem perder acesso ao mercado brasileiro. Além disso, o Departamento do Tesouro sancionou o ministro Alexandre de Moraes, acusando-o de “suprimir a liberdade de expressão”. É uma acusação cínica vinda de um país que espiona jornalistas, prende manifestantes e criminaliza a dissidência política com leis antiterrorismo.

Essas medidas não são defesa da democracia. São retaliações econômicas disfarçadas de moralismo. São tentativas de intimidação contra um Judiciário que ousou fazer o que o sistema norte-americano frequentemente não faz: punir os poderosos. Enquanto nos EUA, banqueiros responsáveis pela crise financeira de 2008 saíram impunes e políticos corruptos continuam no poder, o Brasil avança — ainda que lentamente — na construção de um Estado de Direito que não se curva ao poder econômico ou ao prestígio internacional.

O Itamaraty reagiu com firmeza, classificando as declarações de Rubio como uma “ameaça direta” à soberania nacional. E tem razão. Não se trata apenas de defender um julgamento específico, mas de afirmar que o Brasil não aceitará lições de democracia de um país cuja história recente inclui guerras ilegais, tortura em Guantánamo, apoio a ditaduras e interferência sistemática em eleições estrangeiras. A democracia brasileira, por mais imperfeita que seja, não precisa de tutores imperialistas.

É urgente que o Brasil reforce sua autonomia estratégica. Isso significa diversificar parcerias internacionais, fortalecer organismos regionais como a Unasul e o BRICS, e resistir à lógica binária imposta por Washington: “ou você está conosco, ou contra nós”. A condenação de Bolsonaro não é um ataque à direita ou à oposição. É um recado claro: nenhum cidadão, por mais poderoso que tenha sido, está acima da lei.

Os EUA podem tentar punir o Brasil com tarifas, sanções ou discursos inflamados. Mas não conseguirão apagar o fato de que, em 2025, o país deu um passo histórico rumo à consolidação de sua democracia. E que, apesar das pressões externas, escolheu colocar a Constituição acima dos interesses de governos estrangeiros.

A verdadeira “caça às bruxas” não está em Brasília. Está em Washington, onde a elite política insiste em tratar o mundo como seu quintal. O Brasil, felizmente, decidiu cultivar seu próprio jardim — com leis, justiça e soberania. E isso, por mais que doa aos imperialistas, é inegociável.

Com informações de Reuters*

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