Malásia acusa Israel de espalhar guerra além de Gaza

O premiê malaio Anwar Ibrahim condenou Israel por atacar seis países em poucas semanas e prometeu levar a denúncia à cúpula árabe-islâmica em Doha / Reprodução

O premiê confirmou presença na cúpula em Doha, que discutirá os ataques de Israel e o colapso das negociações de paz mediadas pelo Catar


Há momentos em que o mundo precisa ouvir uma voz que não está subordinada aos interesses das grandes potências. Uma voz que não se cala diante da violência sistemática, nem se conforma com a normalização do horror. Nesse sentido, as palavras do primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim — pronunciadas no encerramento do Encontro Nacional de Agências Religiosas (IJPAM) 2025 — ecoam como um chamado ético urgente: “Um único país pode se comportar de forma tão insolente ao atacar seis países em apenas uma ou duas semanas.”

Essa frase, aparentemente simples, carrega um peso histórico e moral imenso. Não se trata apenas de uma crítica diplomática; é uma denúncia contundente contra um Estado que, impunemente, desafia as leis internacionais, viola soberanias nacionais e transforma a guerra em política de Estado. E, neste caso, o Estado em questão é Israel — cujas ações recentes, em rápida sucessão, atingiram Palestina, Líbano, Síria, Iêmen, Catar e até a Tunísia, colocando em risco não apenas vidas civis, mas a própria estabilidade regional.

Desde outubro de 2023, quando Israel iniciou sua ofensiva em Gaza, mais de 64 mil pessoas foram mortas — a maioria mulheres, crianças e idosos. O número é tão colossal que transcende estatísticas: é um grito coletivo de dor, um trauma que se perpetua em cada funeral, em cada hospital superlotado, em cada criança que cresce entre escombros. E mesmo assim, o mundo — ou melhor, a parte do mundo que detém o poder militar, econômico e midiático — escolheu olhar para o outro lado. Ou pior: legitimar a violência sob o manto de “autodefesa”.

Mas quando Israel ataca um complexo residencial em Doha — sede de negociações de paz mediadas pelo Catar, Egito e Estados Unidos — matando membros do Hamas e um oficial de segurança catariano, a linha entre defesa e agressão se dissolve completamente. Aquilo não foi um ataque militar estratégico; foi um assassinato político, um golpe deliberado contra o processo de paz. Foi uma demonstração de que, para Israel, nenhum espaço é sagrado — nem mesmo os corredores diplomáticos onde se tenta construir um futuro menos sangrento.

O fato de Israel ter atacado seis países em poucos dias — incluindo a Tunísia, onde um drone supostamente atingiu a Flotilha Global Sumud em águas territoriais — revela um padrão de comportamento que vai muito além da autodefesa. Trata-se de uma lógica imperialista: acreditar que, por ser aliado dos Estados Unidos e possuir armas nucleares não declaradas, Israel tem o direito de ignorar fronteiras, tratar governos soberanos como alvos e transformar toda a região em campo de batalha.

A Tunísia, por exemplo, não estava envolvida diretamente no conflito. Seus serviços de inteligência estão agora investigando o ataque — porque, como bem disse o Ministério do Interior tunisino, “a opinião pública, não apenas na Tunísia, mas no mundo todo, precisa saber quem planejou, quem conspirou e quem executou”. Essa exigência de transparência é fundamental. Porque, enquanto Israel age com impunidade, os povos afetados — palestinos, libaneses, sírios, iemenitas, catarianos, tunisianos — pagam o preço com suas vidas.

Anwar Ibrahim, ao anunciar sua presença na cúpula extraordinária árabe-islâmica em Doha, não apenas reafirma o compromisso da Malásia com a causa palestina — ele assume uma posição de liderança moral. Em um mundo onde muitos países se calam por medo de retaliação econômica ou diplomática, a Malásia escolheu levantar a voz. E isso é profundamente significativo.

A cúpula, que será a terceira desde o início da guerra em Gaza, tem uma agenda clara: condenar os ataques israelenses, denunciar a ocupação e a anexação ilegal da Cisjordânia, e exigir o fim imediato da violência. Mas mais do que isso, ela representa uma oportunidade de unificar vozes do Sul Global — países que, historicamente marginalizados nas decisões internacionais, estão começando a se organizar para defender seus próprios valores: a soberania, a autodeterminação e o direito à paz.

A esquerda humanitária não pode ficar indiferente a esse movimento. Não podemos aceitar que a guerra seja vista como inevitável, nem que a resistência palestina seja criminalizada enquanto Israel comete crimes de guerra com total impunidade. A solidariedade com a Palestina não é uma escolha ideológica — é uma obrigação ética.

A escalada de violência israelense não ameaça apenas os palestinos. Ela ameaça o próprio conceito de ordem internacional baseada no respeito às soberanias nacionais. Quando um Estado ataca outros Estados soberanos sem consequências, ele estabelece um precedente perigoso: que a força prevalece sobre o direito, que a diplomacia pode ser descartada quando for conveniente, e que os direitos humanos são aplicáveis apenas aos que têm poder suficiente para defendê-los.

Isso é inaceitável. E é por isso que a condenação da Malásia deve ser amplificada, não apenas por países muçulmanos, mas por todos aqueles que ainda acreditam em um mundo regido pela justiça, e não pela força bruta.

O mundo precisa entender que a paz não se constrói com bombas, nem com silêncio cómplice. Ela se constrói com diálogos sinceros, com reconhecimento dos erros históricos, com reparação das injustiças e com o respeito incondicional à dignidade humana.

A Malásia, ao denunciar a “insolência desumana dos sionistas”, não está apenas falando por si. Está falando por todos os que sofrem com a guerra, por todos os que perderam entes queridos, por todos os que ainda sonham com um futuro em que a Palestina seja livre, e Israel deixe de ser um Estado de exceção — onde a lei internacional é aplicada apenas quando convém.

A esquerda humanitária tem um dever: estar ao lado dos oprimidos, denunciar os opressores e exigir que a comunidade internacional finalmente assuma sua responsabilidade. Porque, no fim, a verdadeira medida de uma civilização não é o quanto ela produz, mas o quanto ela protege — especialmente aqueles que não têm voz, nem armas, nem aliados poderosos.

E a Palestina, hoje mais do que nunca, precisa dessa proteção. Precisa de paz. Precisa de justiça. E precisa que o mundo pare de olhar para o outro lado — antes que seja tarde demais.

Com informações de Agência Anadolu*

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