Democratas ameaçam shutdown nos EUA; entenda

Os democratas Hakeem Jeffries (à esquerda) e Chuck Schumer falam com repórteres este mês. Os problemas do partido decorrem do fato de sua abordagem de governança não ser popular / J. Scott Applewhite / AP

Enquanto Trump cresce, os democratas arriscam a última cartada em um teatro que beira o colapso


O relógio avança para o fim de setembro — data em que o financiamento do governo federal dos Estados Unidos precisa ser renovado —, e o Partido Democrata enfrenta uma escolha dolorosa, mas necessária: ceder ao autoritarismo disfarçado de governo ou assumir o custo político de resistir, mesmo que isso signifique paralisar temporariamente a máquina estatal.

Não se trata de encenação. Não é drama. É defesa institucional.

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Desde que Donald Trump retornou à Casa Branca, sua conduta não mudou — só se intensificou. Ataques sistemáticos à imprensa, intimidação de opositores, uso da força federal contra manifestantes, promessas de vingança política e uma agenda que despreza direitos civis, proteções ambientais e o Estado de Direito. Diante disso, os democratas não podem fingir que “negociar o orçamento” é um ato neutro. Financiar este governo sem condições é, sim, tornar-se cúmplice de sua escalada autoritária.

Sim, a popularidade do partido está em baixa. Sim, muitos eleitores estão frustrados. Mas isso não se deve à “radicalização” da esquerda — e sim ao fracasso em comunicar, com clareza e coragem, o que está em jogo: não apenas políticas públicas, mas a própria sobrevivência da democracia americana.

Quando se diz que “quem inicia um shutdown perde”, esquece-se de mencionar que, em 1995, Bill Clinton saiu fortalecido porque defendeu investimentos em saúde e educação. Em 2013, os republicanos foram derrotados porque tentaram sabotar o acesso à saúde de milhões. Em 2018, perderam apoio porque insistiram num muro racista e ineficaz. Ou seja: o povo não pune quem para o governo por capricho — pune quem para por motivos errados.

Hoje, o motivo é certo: impedir que um governo com tendências autocráticas continue operando sem limites.

É fácil ridicularizar os ativistas que comparecem às assembleias pedindo “resistência até a prisão”. Mas por trás desse apelo emocional está uma verdade incômoda: quando as instituições falham, quando os tribunais são capturados, quando a mídia é silenciada, resta ao povo — e aos seus representantes — dizer “não”. Mesmo que isso custe caro. Mesmo que isso cause desconforto.

Os democratas não estão propondo um shutdown por vingança ou por teimosia. Estão propondo porque não há outra alavanca institucional disponível. O Congresso é o último reduto de equilíbrio de poderes — e se recusar usá-lo é entregar o jogo antes mesmo de começar.

Claro, o partido precisa — e deve — repensar sua agenda. Precisa falar com os trabalhadores esquecidos, com as periferias urbanas e rurais, com os jovens endividados, com as mães que não conseguem cuidar dos filhos porque não há creches nem salários dignos. Precisa apresentar propostas reais de controle migratório — sim, com humanidade, mas também com ordem. Precisa responsabilizar universidades que exploram estudantes, e redirecionar recursos para formações técnicas, cursos profissionalizantes e políticas de emprego de verdade.

Mas isso não pode — nem deve — ser feito em troca de silêncio diante do abuso de poder. Reformas e resistência não são opostos — são complementares. Não se constrói um futuro justo em cima de um presente autoritário.

Trump não é apenas um político impopular. É um risco sistêmico. E esperar que ele se autocorrija, ou que o mercado o discipline, ou que a “moderação republicana” o contenha, é ilusão perigosa.

Se os democratas se calarem agora, sob o pretexto de “evitar o shutdown”, estarão abrindo caminho para algo muito pior: a normalização do autoritarismo. E aí, quando o próximo passo vier — talvez o fechamento de tribunais, talvez a censura à imprensa, talvez a prisão de opositores —, não haverá mais freios. Nem shutdowns. Nem Congresso. Nem democracia.

Resistir não é teatro. É dever. E, neste momento, talvez seja o último dever que resta.

O ponto de virada não está em recuar. Está em dizer, com clareza: “Até aqui, e não um passo além”. Mesmo que isso custe caro. Porque o preço de não fazer nada será muito maior.

Com informações de Financial Times*

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