Trump e a guerra econômica contra a transparência trimestral

Trump fez seu apelo para eliminar os relatórios trimestrais em uma postagem da Truth Social / Bloomberg

Em sua rede social, Trump pediu que empresas dos EUA abandonem a obrigação de divulgar balanços a cada três meses


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a agitar o debate sobre a forma como as grandes corporações americanas prestam contas ao mercado financeiro. Em uma publicação feita nesta segunda-feira (15) em sua rede social, a Truth Social, Trump defendeu que as empresas listadas em bolsa abandonem a prática de divulgar resultados a cada três meses, propondo que a prestação de contas passe a ocorrer apenas duas vezes por ano.

Segundo ele, o modelo atual impõe custos desnecessários e desvia a atenção dos executivos daquilo que realmente importa: a gestão de suas companhias.

“Sujeito à aprovação da SEC, as empresas e corporações não devem mais ser forçadas a ‘relatar’ trimestralmente… mas sim a relatar em uma ‘base de seis (6) meses’”, afirmou Trump.

“Isso economizará dinheiro e permitirá que os gestores se concentrem na administração adequada de suas empresas.”

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Crítica ao “curto-prazismo” americano

Na mesma mensagem, Trump comparou o modelo norte-americano ao da China, país que, segundo ele, adota uma visão estratégica de longo prazo.

“Você já ouviu a afirmação de que a China tem uma visão de 50 a 100 anos sobre a gestão de uma empresa, enquanto nós administramos nossas empresas trimestralmente??? Não é bom!!!”

A provocação reflete um antigo debate em Wall Street: até que ponto os relatórios trimestrais estimulam práticas de curto prazo, pressionando executivos a priorizarem ganhos imediatos em vez de investimentos estruturais.

O que está em jogo

Atualmente, a legislação dos EUA obriga empresas listadas a entregar à Securities and Exchange Commission (SEC) dois tipos de relatórios: os trimestrais, chamados de 10-Q, e os anuais, conhecidos como 10-K. Essas divulgações incluem informações financeiras não auditadas, dados operacionais e, muitas vezes, revelações sobre investigações e processos legais que podem afetar os negócios.

Esse nível de transparência é considerado vital pelos investidores, pois permite acompanhar de perto o desempenho das companhias e avaliar os rumos da economia americana como um todo. Relatórios de lucros, inclusive, fornecem pistas sobre os impactos de políticas públicas — como aconteceu recentemente, quando investidores conseguiram medir os efeitos das tarifas comerciais impostas pelo próprio Trump.

O cenário internacional

Embora a prática de relatórios trimestrais seja consolidada nos Estados Unidos, outros mercados já flexibilizaram essa exigência. A União Europeia e Cingapura, por exemplo, dispensaram as empresas dessa obrigatoriedade, permitindo que a prestação de contas seja feita de forma semestral.

O impacto em Wall Street

Nos EUA, cada temporada de resultados é acompanhada com lupa por analistas, investidores e jornalistas especializados. Mais do que números, as teleconferências realizadas após a divulgação dos balanços se tornaram um ritual: nelas, executivos são questionados sobre estratégias, riscos e planos para o futuro.

Na última rodada de resultados, referente ao segundo trimestre deste ano, o desempenho foi considerado sólido para grande parte das empresas que compõem o índice S&P 500, o principal termômetro do mercado de ações americano.

Essa rotina trimestral, no entanto, é justamente a que Trump questiona. Para ele, a frequência das divulgações não apenas gera custos adicionais, mas também sufoca a capacidade de planejar no longo prazo.

Proposta polêmica

A ideia de abandonar os relatórios trimestrais certamente divide opiniões. Para os defensores, a mudança poderia reduzir a pressão por resultados imediatos, estimulando investimentos de longo prazo e diminuindo gastos com burocracia. Já os críticos alertam que reduzir a frequência de informações aumentaria a opacidade do mercado, dificultando a tomada de decisões por parte dos investidores e até ampliando riscos de manipulação.

Ainda assim, a proposta de Trump recoloca o tema no centro do debate sobre transparência corporativa e competitividade global. Se a SEC levar a sugestão adiante, os EUA podem seguir o caminho de outros mercados internacionais — mas isso também significaria uma transformação profunda na forma como Wall Street e milhões de investidores ao redor do mundo acompanham as maiores empresas do planeta.

EUA retiram tarifas sobre celulose e ferro-níquel brasileiros

Enquanto Donald Trump reacende o debate sobre mudanças na forma de prestação de contas das empresas americanas, outra frente das relações econômicas entre Brasil e Estados Unidos registrou novidades significativas. No último dia 5, o governo norte-americano publicou a Ordem Executiva nº 14.346, que isenta de tarifas adicionais a maior parte das exportações brasileiras de celulose e ferro-níquel para o mercado americano.

A medida representa um alívio imediato para setores estratégicos da indústria brasileira, já que elimina a incidência tanto da taxa de 10% anunciada em abril quanto da sobretaxa de 40% aplicada em 30 de julho sobre esse grupo de produtos.

Em 2024, o Brasil exportou aproximadamente US$ 1,84 bilhão em celulose e ferro-níquel para os Estados Unidos, o equivalente a 4,6% de todas as vendas brasileiras ao mercado americano. A maior fatia desse montante veio da celulose, em especial as pastas químicas de madeira não conífera e de madeira conífera, que somaram US$ 1,55 bilhão.

Com a nova exclusão, 25,1% das exportações brasileiras aos EUA passam a estar livres das sobretaxas impostas anteriormente pelo governo estadunidense.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, comemorou a decisão, mas ressaltou que ainda há espaço para avanços:

“O governo segue empenhado em diminuir a incidência de tarifas dos EUA sobre os produtos brasileiros. A mais recente ordem executiva dos EUA representa um avanço sobretudo para o setor de celulose do Brasil. Mas ainda há muito a ser feito e seguimos trabalhando para isso.”

O peso das tarifas

Apesar da boa notícia, os dados mais recentes do MDIC, divulgados no dia 11, mostram que o cenário geral ainda exige cautela. Do total de US$ 40 bilhões exportados pelo Brasil aos Estados Unidos, a distribuição diante das tarifas adicionais permanece desafiadora:

  • 34,9% (US$ 14,1 bilhões) seguem sujeitos às alíquotas extras de 10% e 40%, somadas;
  • 16,7% (US$ 6,8 bilhões) enfrentam a taxa de 10%;
  • 25,1% (US$ 10,1 bilhões) ficaram livres das sobretaxas após a nova medida;
  • 23,3% (US$ 9,4 bilhões) estão sob incidência de tarifas específicas, aplicadas igualmente a todos os países.

Relevância estratégica

A retirada das tarifas sobre celulose e ferro-níquel reforça a importância desses produtos na balança comercial entre Brasil e Estados Unidos. A celulose, em especial, é uma das forças da pauta exportadora brasileira, abastecendo a indústria de papel, embalagens e outros segmentos no mercado internacional.

O movimento também sinaliza uma flexibilização do governo americano em relação às barreiras tarifárias, tema sensível que frequentemente gera atritos entre os dois países. Para o Brasil, representa uma oportunidade de ampliar a competitividade no maior mercado consumidor do mundo, ao mesmo tempo em que mantém a pressão diplomática para que outros produtos sejam igualmente beneficiados.

Com informações de Financial Times e Agências de notícias*

Rhyan de Meira: Rhyan de Meira é jornalista, escreve sobre política, economia, é apaixonado por samba e faz a cobertura do carnaval carioca. Instagram: @rhyandemeira
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