Decisão de Pequim de barrar a Nvidia pressiona empresas locais a acelerar alternativas e mostra que a disputa pela inteligência artificial entrou em nova fase
A disputa global pela liderança em inteligência artificial ganhou um novo capítulo. O governo chinês decidiu proibir que algumas das maiores empresas de tecnologia do país adquiram chips da americana Nvidia, em um movimento que reforça a estratégia de Pequim de reduzir a dependência de componentes estrangeiros e impulsionar sua própria indústria de semicondutores.
A determinação partiu da Administração do Ciberespaço da China (CAC), que nesta semana comunicou grupos como ByteDance e Alibaba para que encerrassem testes e suspendessem pedidos do modelo RTX Pro 6000D, chip criado especialmente pela Nvidia para atender ao mercado chinês. A ordem, confirmada por três pessoas próximas ao assunto, pegou empresas e fornecedores de surpresa.
De acordo com fontes, companhias chinesas já planejavam encomendas de dezenas de milhares de unidades do chip e haviam iniciado a fase de testes e integração com servidores da Nvidia. A decisão do regulador obrigou as empresas a interromperem imediatamente os trabalhos em andamento. A notícia repercutiu também em Wall Street: as ações da Nvidia caíram cerca de 3% na quarta-feira.
A proibição marca uma escalada em relação às orientações anteriores de Pequim, que até então miravam apenas o chip H20, também desenvolvido pela Nvidia exclusivamente para a China e amplamente usado em aplicações de inteligência artificial. O endurecimento veio depois que autoridades concluíram que fabricantes nacionais já alcançaram níveis de desempenho comparáveis aos modelos estrangeiros.
O executivo-chefe da Nvidia, Jensen Huang, falou sobre o impasse em Londres, onde acompanha a visita de Estado do presidente americano Donald Trump ao Reino Unido. Ele admitiu frustração com as barreiras impostas, mas afirmou compreender o pano de fundo político. “Só podemos estar a serviço de um mercado se o país quiser”, disse. “Estou decepcionado com o que vejo. Mas eles têm agendas maiores a resolver, entre a China e os EUA, e eu entendo isso. Estamos sendo pacientes.”
A decisão chinesa, contudo, não foi vista apenas como mais uma restrição, mas como um recado contundente para todo o setor. “A mensagem agora é clara e contundente”, afirmou um executivo de uma grande empresa de tecnologia chinesa. “Antes, as pessoas tinham esperanças de renovar o fornecimento da Nvidia caso a situação geopolítica melhorasse. Agora, todos estão empenhados em construir o sistema doméstico.”
Pequim tem pressionado cada vez mais suas companhias a desenvolver alternativas nacionais. O esforço ganhou força após o governo de Joe Biden, então presidente dos EUA, proibir a Nvidia de exportar para a China seus chips mais avançados, em uma tentativa de desacelerar o avanço chinês em inteligência artificial. A resposta da fabricante americana foi criar versões adaptadas, como o RTX Pro 6000D e o H20, que agora também enfrentam restrições no país asiático.
Nos bastidores, reguladores chineses têm convocado players estratégicos do setor para medir a maturidade da indústria local. Fabricantes como Huawei e Cambricon, além de gigantes digitais como Alibaba e Baidu, que também investem em semicondutores próprios, foram chamados a relatar como seus produtos se comparam aos chips da Nvidia disponíveis na China.
A decisão de banir os chips estrangeiros reforça a ambição de Pequim de transformar sua cadeia de semicondutores em uma base sólida e competitiva frente ao poderio tecnológico americano. Mais do que um gesto protecionista, a medida é parte de uma corrida tecnológica que promete definir quem terá a dianteira na próxima revolução da inteligência artificial.
China diz ter chips de IA comparáveis aos da Nvidia e acelera corrida por independência tecnológica
Fontes próximas às negociações afirmam que os reguladores chineses chegaram à conclusão de que os processadores de inteligência artificial desenvolvidos no país já atingiram desempenho comparável — e em alguns casos superior — ao dos chips da Nvidia ainda permitidos pelos controles de exportação dos Estados Unidos. Esse diagnóstico fortaleceu a confiança de Pequim em restringir a presença da empresa americana em seu mercado e acelerar a substituição por soluções nacionais.
O movimento acontece em paralelo a um esforço de larga escala para multiplicar a capacidade produtiva local. De acordo com o Financial Times, fabricantes chineses de semicondutores estão trabalhando para triplicar a produção de processadores de IA já no próximo ano. Se o plano for concretizado, a indústria doméstica passará a ter musculatura suficiente para atender praticamente toda a demanda interna sem recorrer a fornecedores externos.
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“O consenso geral agora é que haverá oferta doméstica suficiente para atender à demanda sem precisar comprar chips da Nvidia”, afirmou uma fonte do setor, resumindo o novo clima de confiança no mercado chinês de semicondutores.
A Nvidia, por sua vez, havia lançado em julho a RTX Pro 6000D, chip especialmente projetado para contornar as restrições americanas e atender clientes na China. A apresentação coincidiu com a visita de seu presidente-executivo, Jensen Huang, a Pequim, momento em que a companhia acreditava ter obtido uma trégua: Washington havia sinalizado certa flexibilização em relação à proibição do chip H20, outro modelo criado sob medida para os chineses.
Essa expectativa, porém, rapidamente se esvaneceu. Reguladores chineses, incluindo a própria CAC (Administração do Ciberespaço da China), começaram a alertar empresas de tecnologia para não adquirirem o H20, solicitando inclusive justificativas formais de companhias que optassem pelos produtos da Nvidia em vez de soluções nacionais. O recado era claro: a prioridade deveria ser fortalecer a indústria doméstica de semicondutores, e não sustentar fornecedores estrangeiros.
A RTX Pro 6000D, que a Nvidia anunciava como uma solução versátil capaz de apoiar até a fabricação automatizada, acabou se tornando o último grande produto autorizado a entrar na China em volumes significativos. Com a nova determinação, essa janela também se fecha, deixando evidente a guinada estratégica de Pequim em direção à autossuficiência.
A mensagem que ecoa em toda a indústria é inequívoca: a China não apenas quer reduzir sua dependência tecnológica dos Estados Unidos, mas também busca se posicionar como concorrente direta na corrida global pela inteligência artificial.
Com informações de Financial Times*