Em meio a tensões sobre o TikTok, Pequim defende a despolitização da tecnologia e pede o fim das restrições unilaterais impostas por Washington
Em um momento em que o mundo enfrenta crescentes tensões geopolíticas, desigualdades estruturais e ameaças à cooperação multilateral, a postura firme da China nas recentes negociações comerciais com os Estados Unidos em Madri surge como um sinal de resistência à lógica imperialista que ainda domina as relações internacionais. Longe de ceder às pressões unilaterais ou sacrificar seus princípios em nome de acordos desiguais, Pequim reafirmou, com clareza e dignidade, que nenhum pacto comercial será selado às custas da soberania nacional, dos direitos das empresas chinesas ou dos valores de justiça e equidade que devem nortear o comércio global.
Durante coletiva de imprensa realizada após dois dias de intensas negociações na capital espanhola, o representante comercial internacional chinês, Li Chenggang, deixou explícito que a China não aceitará submeter-se a exigências que comprometam sua autonomia estratégica ou que instrumentalizem questões econômicas e tecnológicas como armas geopolíticas. “Nunca buscaremos qualquer acordo comercial com os EUA em detrimento de nossos princípios, dos interesses legítimos de nossas empresas ou da justiça internacional”, afirmou Li, ecoando uma posição que vai muito além da diplomacia comercial — trata-se de uma defesa intransigente da soberania popular e do direito de cada nação determinar seu próprio caminho de desenvolvimento.
A luta contra a politização da tecnologia
Um dos pontos centrais das conversas foi o futuro do TikTok, plataforma que se tornou símbolo da disputa tecnológica entre as duas maiores economias do mundo. Enquanto Washington insiste em enquadrar a rede social como uma ameaça à segurança nacional — sem apresentar provas concretas —, Pequim denuncia com razão a “politização, instrumentalização e militarização” de questões que deveriam ser tratadas com base em critérios técnicos, jurídicos e comerciais. A China não está apenas defendendo uma empresa; está resistindo a uma lógica perigosa que transforma a inovação tecnológica em campo de batalha ideológico, onde os países do Sul Global são frequentemente forçados a escolher lados sob ameaça de sanções ou exclusão do sistema financeiro internacional.
Felizmente, as partes chegaram a um entendimento sobre o TikTok que, segundo Li Chenggang, “está de acordo com os interesses de ambos os lados”. Esse consenso, ainda que parcial, demonstra que é possível avançar por meio do diálogo respeitoso — desde que os EUA abandonem a postura de hegemonia e passem a tratar a China como parceira, e não como rival a ser contido.
Um apelo por responsabilidade global
O vice-primeiro-ministro chinês, He Lifeng, também presente nas negociações, fez um apelo contundente: que os Estados Unidos suspendam imediatamente as restrições tecnológicas e comerciais impostas à China. Essas medidas, muitas delas justificadas sob o pretexto de “segurança nacional”, na prática funcionam como barreiras artificiais que prejudicam não apenas empresas chinesas, mas também consumidores e trabalhadores norte-americanos e globais. Ao mesmo tempo, He Lifeng pediu “ações concretas” de Washington para preservar os avanços já conquistados nas negociações anteriores — um lembrete necessário de que a estabilidade econômica mundial depende da boa-fé e da reciprocidade entre as grandes potências.
É importante destacar que a postura chinesa não é de confronto, mas de equilíbrio. A China reconhece que uma relação econômica e comercial estável com os EUA é “de grande importância” não apenas para os dois países, mas para toda a economia global. Em um contexto de crise climática, pandemias recorrentes e instabilidade financeira, a cooperação entre Pequim e Washington não é um luxo diplomático — é uma necessidade humanitária.
Uma visão humanitária e multipolar do comércio
Do ponto de vista progressista e humanitário, a firmeza da China merece ser celebrada. Enquanto o Ocidente frequentemente impõe “acordos” que beneficiam corporações multinacionais em detrimento dos direitos trabalhistas, da soberania alimentar e da proteção ambiental, a China insiste em um modelo de comércio baseado no respeito mútuo e na não ingerência. Esse modelo, ainda que imperfeito, representa uma alternativa concreta à lógica neoliberal que transformou o comércio internacional em um instrumento de dominação.
Além disso, ao defender o direito de regular a exportação de tecnologia conforme suas próprias leis — como qualquer nação soberana deveria fazer —, a China rejeita a hipocrisia de um sistema internacional que permite aos EUA controlar o acesso a semicondutores, software e infraestrutura digital, enquanto acusa outros países de “práticas predatórias”. A verdadeira equidade comercial exige que todas as nações tenham o mesmo direito de proteger seus interesses estratégicos.
As declarações de Li Chenggang e He Lifeng em Madri não são meras manobras diplomáticas. Elas representam um chamado ético por um novo paradigma nas relações internacionais — um paradigma em que a cooperação substitui a coerção, em que o desenvolvimento compartilhado substitui a extração desigual, e em que a dignidade dos povos prevalece sobre os interesses do capital especulativo.
Nesse sentido, a China, apesar de suas contradições internas, desempenha um papel crucial ao desafiar a narrativa hegemônica que tenta apresentar o unilateralismo norte-americano como “ordem internacional”. A verdadeira ordem justa só será possível quando todas as nações — especialmente as do Sul Global — puderem negociar em pé de igualdade, sem medo de retaliações ou chantagens.
Que as próximas rodadas de negociações sejam guiadas não pelo medo, mas pela esperança. Não pela dominação, mas pela solidariedade. E que o mundo acompanhe com atenção o exemplo chinês: de que é possível ser firme nos princípios, aberto ao diálogo e inabalável na defesa da justiça global.
Com informações de Agência Anadolu*