Paulinho da Força descarta incluir Bolsonaro no perdão e propõe apenas reduzir penas de manifestantes já condenados no 8 de Janeiro
O debate em torno da anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 ganhou novos contornos nesta semana. Responsável por relatar a proposta em tramitação na Câmara dos Deputados, Paulinho da Força (SD-SP) foi categórico ao afirmar que o projeto original apresentado pelo deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) “não tem condição de ser aplicado”.
A proposta de Crivella, que havia obtido aprovação de urgência, previa um perdão mais amplo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No entanto, segundo Paulinho, essa hipótese está descartada. O relator adiantou que seu parecer deve contemplar apenas a possibilidade de redução de penas para os manifestantes condenados, deixando Bolsonaro fora do alcance da medida.
“Pelo que já vem sendo conversado, acho que eles [os bolsonaristas] sabem que não dá para passar [a versão ampla]. Tanto que o projeto cuja urgência foi votada não tinha mais o benefício amplo, geral. Mesmo o perdão proposto pelo Crivella, na verdade, foi só uma base para a urgência, ele não tem condição de ser aplicado”, disse o deputado em entrevista ao Metrópoles.
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Apesar de descartar a anistia irrestrita, Paulinho da Força sinalizou disposição para dialogar com lideranças da oposição. Ele já manteve conversas com o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), com o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), e com o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI). “Vou falar ainda com muita gente”, afirmou.
O relator também revelou ter discutido o tema com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Segundo ele, o clima político aponta para um caminho de consenso: “Não tem outro caminho, me parece. Estive com Alcolumbre na semana passada, e conversamos bastante sobre isso. O ideal é agradar os dois lados. Acho que sim [há chances de pautar o projeto no Senado] se o caminho for o da redução”.
A resistência a uma anistia ampla tem sido reafirmada por Alcolumbre. O senador tem dito publicamente que não colocará em pauta uma proposta que permita livrar Bolsonaro das condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte sentenciou o ex-presidente a 27 anos de prisão por crimes como organização criminosa e tentativa de golpe de Estado.
Com esse cenário, a expectativa é que a discussão no Congresso se concentre em um ponto específico: aliviar a situação de manifestantes já condenados, sem mexer nas decisões do STF contra Bolsonaro.
Câmara aprova regime de urgência para projeto de anistia e abre disputa sobre alcance da medida
A Câmara dos Deputados aprovou, por ampla maioria, o regime de urgência para o Projeto de Lei 2162/23, que trata da anistia a participantes de manifestações de caráter político ocorridas entre 30 de outubro de 2022 e a data em que a proposta, caso aprovada, entre em vigor. O requerimento obteve 311 votos favoráveis, 163 contrários e 7 abstenções, e agora a matéria poderá ser votada diretamente em Plenário, sem necessidade de passar pelas comissões temáticas.
A decisão abriu um novo capítulo na disputa política em torno da anistia. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que o relator do texto será o deputado Paulinho da Força (SD-SP), que terá a missão de buscar uma versão capaz de angariar apoio da maioria dos parlamentares. “Tenho convicção que a Câmara conseguirá construir essa solução que busque a pacificação nacional, o respeito às instituições, o compromisso com a legalidade e levando em conta também as condições humanitárias das pessoas que estão envolvidas nesse assunto”, declarou Motta.
O presidente da Casa reforçou ainda que o objetivo não é “apagar o passado”, mas sim abrir espaço para um presente reconciliado e um futuro de diálogo e respeito.
Projeto original não será votado
A proposta em discussão foi apresentada pelo deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e previa inicialmente uma anistia ampla para crimes de motivação política ou eleitoral, incluindo delitos previstos no Código Penal. No entanto, essa versão não deve prosperar. Articulações entre lideranças partidárias e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) indicam que o texto a ser votado será alterado, priorizando a redução de penas em vez do perdão total.
Essa mudança atende a uma exigência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que já havia afirmado que não colocaria em pauta uma proposta de anistia ampla que pudesse beneficiar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo STF a 27 anos de prisão por crimes como organização criminosa e tentativa de golpe de Estado.
Plenário dividido
O debate em Plenário expôs a polarização. Parlamentares da oposição e de partidos de direita defenderam a urgência como passo fundamental para, segundo eles, pacificar o país e corrigir “injustiças” contra manifestantes já condenados.
O líder do Novo, Marcel van Hattem (RS), argumentou que a aprovação da anistia seria um gesto de reconciliação: “Se tivéssemos já votado, não teríamos perdido tantos momentos que pessoas simples perderam no convívio familiar”. Na mesma linha, Gustavo Gayer (PL-GO), vice-líder da oposição, destacou a longa espera para que o tema avançasse: “Depois de dois anos de muita luta e sofrimento, finalmente chegamos ao momento que pode marcar a história do país”.
Já do lado governista e de partidos progressistas, o tom foi de forte crítica. O deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), vice-líder do governo, classificou a proposta como “absurda”, principalmente por incluir, em sua origem, Jair Bolsonaro e membros de seu governo. “Não existe pacificação com impunidade, com anistia para golpista”, declarou.
O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), foi ainda mais duro e acusou os defensores da anistia de cumplicidade com um “golpe continuado”. Para ele, a votação representou um “dia de vergonha do Parlamento”. A líder do Psol, Talíria Petrone (RJ), também alertou para os riscos históricos: “A anistia ao final da ditadura militar fez com que alguns das Forças Armadas acreditassem na possibilidade de golpe. Não podemos aceitar que esses tempos voltem”.
Saídas negociadas
Em meio às pressões, líderes de centro buscam uma fórmula intermediária. O líder do MDB, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), sugeriu que a discussão caminhe para a dosimetria das penas, em vez da anistia total: “Não é isso que está acontecendo. Estamos apreciando um projeto de lei que trata de anistia para os que atentaram contra a democracia”.
Na mesma linha, Pedro Campos (PSB-PE) defendeu que não há pacificação sem justiça: “O que vocês estão fazendo aqui envergonha o povo brasileiro, a nossa democracia, todos os que lutaram por uma Constituição cidadã”.
O próximo passo será a apresentação do relatório de Paulinho da Força. O deputado já adiantou que pretende construir um texto que atenda, ainda que parcialmente, às pressões da oposição, mas sem ultrapassar as linhas vermelhas traçadas pelo Senado e pelo STF.
Entre a promessa de pacificação e as acusações de impunidade, o Congresso entra numa encruzilhada histórica: decidir se a anistia será símbolo de reconciliação ou de ruptura com o pacto democrático.
Paulinho busca apoio político e jurídico para moldar relatório
Enquanto os bastidores da Câmara se agitam em torno da anistia, o relator da proposta, deputado Paulinho da Força (SD-SP), já começou a montar uma verdadeira peregrinação política em busca de apoios e contribuições para o texto que deve apresentar.
Na noite desta quinta-feira (18/9), Paulinho tem encontro previsto com o ex-presidente Michel Temer (MDB). Segundo ele, a experiência do emedebista pode ser fundamental na construção de uma redação que tenha sustentação jurídica. “Temer é experiente, um dos melhores juristas do Brasil. Quero ver o que ele pode colaborar com o texto”, afirmou.
Além da conversa com Temer, o relator pretende ouvir governadores influentes no debate. Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, estão na agenda para reuniões na próxima segunda-feira (22/9). O objetivo, segundo Paulinho, é incorporar visões regionais e partidárias ao relatório, ampliando as chances de aprovação no Congresso.
Ainda no mesmo dia, o deputado terá encontro com o líder do governo na Câmara, Odair Cunha (PT-MG). Questionado se estaria disposto a dialogar diretamente com o Palácio do Planalto, mesmo após o rompimento político com o presidente Lula, Paulinho respondeu positivamente: disse que está aberto à conversa e que aguarda um convite oficial do Executivo.
Esse movimento de escuta, que passa por ex-presidentes, governadores e lideranças partidárias de diferentes espectros ideológicos, mostra que a estratégia do relator será buscar um texto de “meio-termo”: não conceder anistia ampla que beneficie Jair Bolsonaro, mas também oferecer algum alívio às centenas de manifestantes condenados.
No entanto, ainda há incerteza sobre qual será o ponto de equilíbrio possível entre a pressão da oposição, o discurso de pacificação de parte do centro político e a resistência firme do Senado e do STF a qualquer medida que se traduza em impunidade.
Com informações de Metrópoles e Agência Câmara de Notícias