Donald Trump divulgou nesta sexta-feira uma decisão que ameaça diretamente o coração da indústria de inovação americana. O governo determinou que empresas deverão pagar US$ 100 mil por ano para cada visto H-1B, categoria destinada a profissionais estrangeiros de alta qualificação. Até então, a cobrança girava em apenas alguns milhares de dólares, tornando possível para pequenas companhias atrair talentos de fora. Agora, o impacto atinge de forma dramática startups, enquanto gigantes como Amazon, Microsoft e Meta terão condições de absorver a despesa, embora sob forte pressão.
O H-1B é a principal via de entrada de engenheiros, cientistas e programadores que sustentaram por décadas a supremacia tecnológica dos Estados Unidos. Concede autorizações temporárias, de três a seis anos, para estrangeiros atuarem em áreas especializadas. A cada ciclo, são emitidas 85 mil permissões, sendo 20 mil delas reservadas a mestres e doutores formados em universidades americanas. Índia concentra mais de 70% dos beneficiários, seguida pela China, que responde por pouco mais de 11%. Essa engrenagem se tornou vital para a expansão da Califórnia como polo global, com o inglês consolidado como idioma universal e a região funcionando como imã de cérebros.
O anúncio de Trump surge em meio a uma série de investidas contra instituições de peso. O presidente já havia entrado em choque com campi universitários, multiplicado ameaças contra jornais de referência e, mais recentemente, sinalizou a intenção de endurecer a regulação sobre grandes emissoras de TV. A nova taxa simboliza mais uma ofensiva contra setores que sempre serviram de contraponto político à sua base conservadora. Desta vez, o alvo é a Califórnia, território que historicamente se opõe ao trumpismo.
As consequências econômicas são imediatas. Projetos emergentes que dependem de equipes internacionais terão de rever planos ou transferir operações para países mais receptivos. Investidores alertam que, sem fluxo constante de novos talentos, os EUA perdem capacidade de manter ritmo de descobertas. A medida mina justamente o diferencial que sempre colocou o Vale do Silício na dianteira: abertura ao mundo e integração de múltiplas culturas em torno de ideias inovadoras.
Autoridades da administração defendem que a cobrança estimula a formação de cidadãos americanos em áreas técnicas. O secretário de Comércio, Howard Lutnick, declarou que “é hora de treinar graduados das grandes universidades do nosso país”. Já representantes do setor tecnológico apontam que a decisão equivale a erguer barreiras artificiais, criando desvantagens competitivas em relação a outros centros de ponta como Canadá, Reino Unido e Austrália, que adotam políticas ativas de atração de cérebros.
Especialistas questionam a legalidade da medida. Pela legislação, taxas deveriam apenas cobrir custos administrativos de análise de pedidos. Ao transformar o processo em fonte de arrecadação, Trump abre caminho para disputas judiciais. Além disso, há risco de retaliação diplomática, sobretudo da Índia, que depende fortemente do programa para inserir engenheiros em multinacionais americanas.
Um dos países mais afetados e que já vive tensão diplomática com Washington devido às tarifas de 50% é a Índia. Trata-se da nação que fornece a maior quantidade de profissionais para o H-1B. A elite indiana investe fortunas em educação no exterior com o objetivo de encaminhar seus filhos ao mercado de trabalho americano. Essa decisão, portanto, representa um ataque direto a esse grupo. Ao mesmo tempo, funciona como um alerta: não convém depositar tantas fichas em um país com histórico de imperialismo. O momento é de enxergar o mundo multipolar, fortalecer laços nos BRICS e usar o talento nacional para conquistar espaços em diversas regiões, não apenas nos Estados Unidos.
A política anunciada por Trump não apenas encarece a permanência de estrangeiros, mas representa um ataque ao próprio modelo de desenvolvimento que consolidou os EUA como potência tecnológica. O efeito pode ser descrito como um tiro no pé: ao tentar limitar o ingresso de estrangeiros sob a bandeira de “empregos para americanos”, o presidente enfraquece a posição global do país, justamente quando disputa com a China o domínio das tecnologias do futuro.